O jingle do Cornetto não para de tocar ao fundo e, depois de um silêncio proposital, estamos prontos. Olho ao redor procurando Luigi, mas detecto sua aproximação pelo barulho de sucção que seus sapatos fazem no linóleo. Alice pede cogumelos recheados e uma pizza margarita com salada, enquanto eu vou de arenque e meio frango com molho barbecue, batata frita e molho relish.
— Espero que não seja a metade inferior do frango! — comento, e Alice sorri, bem sutilmente, e insiste em que eu escolha o vinho. Eles servem o vinho da casa, mas até eu sei que nenhum vinho pode ser tão barato. Por isso, decido por alguma coisa engarrafada e borbulhante. Champanhe é caro demais, então escolho um Lambrusco. Rebecca não disse alguma coisa sobre Alice gostar de Lambrusco? Não entendo muito de vinhos, mas sei que peixe e frango são acompanhados por vinho branco, então peço um Lambrusco Bianco branco.
Quando o garçom se afasta, eu falo:
— Oh Deus, que gafe!
— Por quê?
— Eu pedi um Lambrusco Bianco branco, mas é claro que bianco quer dizer branco! É uma tautologia, não? Admito que não é uma piada digna de um humorístico de TV, mas serve para quebrar o gelo; ela sorri e começamos a conversar. Ou melhor, ela começa, enquanto eu escuto balançando a cabeça, arrancando pedacinhos de parafina vermelha da vela e aplicando-os em ângulos estranhos enquanto olho para ela. Como faz com frequência, Alice fala sobre seus tempos de colégio na Linden Lodge, um dos internatos particulares mais caros do país, mas tudo me parece mais um grande barato do que um internato, algo como uma guerra de travesseiros quando a gente tem 7 anos de idade. Pela descrição de Alice, um típico dia escolar em Linden Lodge era assim:
8:30/9:30 Fumar baseado. Fazer pão.
9:30/10:30 Fazer sexo com o filho/a filha de Alguém Famoso.
10:30/11:30 Construir celeiro.
11:30/12:30 Ler T. S. Eliot em voz alta, escutar Crosby,
Stills e Nash, tocar violoncelo.
12:30/13:30 Experimentar drogas, fazer sexo.
13:30/15:30 Sessão dupla de nadar pelado. Nadar com golfinhos.
15:30/16:30 Construir muretas de pedra. Sexo (opcional).
16:30/17:30 Aulas de violão.
17:30/18:30 Fazer sexo, desenhar o parceiro dormindo com carvão. 18:30/4:00 Bob Dylan (obrigatório).
4:00 Hora de dormir, mas só se você quiser.
Claro que, do ponto de vista político, não aprovo uma escola assim, por mais fantástica que pareça. Com tanto sexo e maconha e intermináveis cantorias das músicas de Simon e Garfunkel, é de se pensar que não dá para estudar nada, mas alguma coisa certa eles devem estar fazendo, pois, afinal, Alice está aqui e, mesmo sem querer saber suas notas, não num primeiro encontro, ela está numa faculdade, ainda que seja em Artes Cênicas. Talvez seja possível se educar subliminarmente ouvindo bastante a BBC desde pequeno.
Meu arenque chega, umas 30 coisinhas prateadas sobre uma folha gigante de alface, olhando para mim e dizendo nós morremos por você, seu canalha, pelo menos faça alguma coisa divertida! Ponho um pedaço na boca e finjo ser um gato. O gesto é recebido com moderação. Ela volta aos cogumelos com alho.
— Está bom?
— Muito bom! Com bastante alho. Nada de namoro essa noite!
É um aviso sutil, como uma buzina no ouvido, para o caso de eu estar esperando alguma coisa. Mas não chega a me surpreender. É mais ou menos o que eu estava esperando, e me consolo por ser um aviso ambíguo, sim, uma pequena ambiguidade, não por você, Brian são os cogumelos, o que implica que, se tivesse escolhido outra entrada, o Camembert bem frito por exemplo, a essa altura nós já estaríamos fazendo amor.
— Então, você teve muitos namorados por lá? — pergunto casualmente, mordiscando um peixe.
— Oh, só um ou dois — e ela começa a contar tudo sobre eles.
Do ponto de vista de políticas de gênero, acho muito importante não ter dois pesos e duas medidas na avaliação do histórico sexual de homens e mulheres. Claro que não existe motivo por que Alice Harbinson não possa ter um passado romântico e sexualmente ativo, mas acho justo dizer que um ou dois é um pouco enganoso. Quando chega o prato principal, os nomes já estão começando a se embaralhar, mas com certeza havia alguém chamado Rufus, cujo pai é um famoso diretor de cinema, que teve de se mudar para Los Angeles porque o romance se tornou muito intenso e sombrio, seja lá o que isso quer dizer. E Alexis, o pescador grego que conheceu nas férias, que continuou aparecendo na casa dela em Londres pedindo sua mão em casamento até que foi necessário chamar a polícia e deportar o pretendente. E Joseph, um músico de jazz lindo com quem teve de terminar porque ele queria convencê-la a usar heroína. E Tony, um ceramista amigo de seu pai que fazia estatuetas incríveis num belo chalé nas Terras Altas da Escócia e era muito bom de cama para um cara de 62 anos, mas depois não parava de telefonar no meio da noite e acabou tentando se suicidar no forno de cerâmica, mas que já está bem.
E Saul, um modelo americano lindo e rico com um (sussurrando) pênis enorme, mas não se pode manter um relacionamento baseado em sexo, mesmo que seja em um sexo incrivelmente bom. E, então, o mais triste de todos, o Sr. Shillabeer, o professor de inglês que a ensinou a gostar de T. S. Eliot e que uma vez fez uma garota ter um orgasmo só de ler Os quatro quartetos em voz alta, que se apaixonou por Alice enquanto estavam lendo As bruxas de Salem, mas ficou um pouco obsessivo.
— Ele acabou tendo um ataque de nervos e precisou deixar a escola. Voltou a morar com os pais. Em Wolverhampton. Uma coisa triste, mesmo, pois era um professor de inglês muito legal.
Quando ela termina, metade do meu frango ao molho já virou carcaça, e os restos no meu prato parecem um dos ex-amores de Alice. Quase todos os seus relacionamentos terminaram em loucura, obsessão e devastação, e, de repente, minha aventura com Karen Armstrong na caçamba de lixo nos fundos do Littlewoods parece ter perdido um pouco de sua grandeza trágica.
— É estranho quantos terminaram tragicamente, não? — insinuo.
— Eu sei! É esquisito, não? Tony, o ceramista amigo do meu pai, o cara do forno, uma vez me disse que, quando se trata de amor, eu sou como Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse!
— Mas você nunca acabou, sabe... se machucando?
— Claro que sim, Brian. É por isso que eu não vou ter nenhum relacionamento aqui na faculdade. Vou me concentrar no trabalho. — E acrescenta, com um sotaque inexplicavelmente americano: — Vou ser uma freira!
E lá vem de novo a buzina. Casualmente, ela raspa o queijo derretido de sua pizza com o indicador.
— Mas, desculpe... O que a sua mãe e seu pai fazem mesmo? Eu esqueci... — diz, chupando o dedo.
— Minha mãe trabalha no Woolworths e meu pai já morreu.
Põe o guardanapo até a boca e engole.
— Você não me contou isso...
— Não?
— Não, tenho certeza. — Leva a mão ao meu braço. — Brian, eu sinto muito.
— Ah, tudo bem, isso foi há 6... não, 7 anos agora, eu tinha 12 anos.
— O que aconteceu?
— Ataque cardíaco.
— Oh, Deus! Quantos anos ele tinha?
— Quarenta e um.