Em algum momento, gostaria de ter uma ideia original. Gostaria de ser desejado, ou talvez até amado, mas vou esperar para ver. E, quanto a um emprego, ainda não sei bem o que quero, mas que seja algo que eu não odeie ou me deixe doente, e isso significa não precisar me preocupar com dinheiro o tempo todo. E são todas essas coisas que uma formação universitária vai me proporcionar.
Terminamos as cervejas e as coisas saem do controle. Tone joga meus sapatos no mar e tenho que voltar para casa só de meias.
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PERGUNTA: Inspirado em um conto de Hans Christian Andersen, em qual filme de Powell e Pressburger, de 1948, Moira Shearer dança até morrer na frente de uma locomotiva a vapor?
RESPOSTA: Os sapatinhos vermelhos
A casa número 16 da Archer Road, como todas as outras casas da Archer Road, é uma maisonette, o diminutivo do substantivo (feminino) francês maison, que literalmente significa casinha. Moro aqui com minha mãe e, se você estiver interessado em condições de moradia desconfortáveis, não há nada pior que um homem de 18 anos morando numa maisonette com uma viúva de 41. Esta manhã é um exemplo perfeito. Estou deitado debaixo do edredom às 8h30, ouvindo o The Breakfast Show e encarando os aeromodelos pendurados no teto. Sei que já deveria ter tirado tudo isso daqui, mas, em algum momento, há alguns anos, eles deixaram de ser meigos e infantis e passaram a ser divertidos e cafonas. Por isso, deixei.
Minha mãe entra. Depois, bate na porta.
— Bom dia, dorminhoco. Grande dia hoje!
— Você nunca bate na porta, mãe?!
— Eu sempre bato!
— Não! Você entra e depois bate na porta. Isso não é bater...
— E daí? Você não está fazendo nada demais, está? — ela olha de esguelha.
— Não, mas...
— Não vai dizer que está com uma garota aí — e puxa a ponta do edredom. — Vamos, querida, não tenha vergonha. Vamos conversar sobre isso. Vamos lá! Pode sair... Seja lá quem for...
Puxo o edredom de volta e cubro a cabeça.
— Vou descer num minuto...
— Está um cheiro ruim aqui, um cheiro ruim mesmo, sabia?
— Não estou ouvindo, mãe...
— Está com cheiro de garotos. O que os garotos fazem para cheirar desse jeito?
— Ainda bem que estou indo embora, não é?
— A que horas parte o seu trem?
— Às 12h15.
— E você ainda está na cama? Tome! Um presente de despedida... — e joga uma sacola em cima do edredom. Eu abro e, dentro, há um tubo de plástico transparente, daqueles que vêm com bolas de tênis, mas esse tem três cuecas de algodão dobradas bem juntinhas, uma vermelha, uma branca e uma preta, as cores da bandeira nazista.
— Mãe, não precisava...
— Ah, não é nada demais.
— Não, não precisava mesmo.
— Não banque o esperto, mocinho. Saia logo dessa cama. Você tem muito que empacotar. E, por favor, abra a janela.
Quando ela sai, jogo as cuecas do tubo de plástico em cima do edredom, avaliando o peso da solenidade da ocasião. Pois, na verdade, essas vão ser as últimas cuecas que minha mãe me deu. A branca é bacana, e imagino que a preta vai durar muito, mas e a vermelha? É para ser provocante ou algo assim? Para mim, cuecas vermelhas são cuecas que dizem pare e perigo.
Mas, numa clara demonstração de espírito de aventura, saio da cama e visto a cueca vermelha. E se elas forem como em Os sapatinhos vermelhos e eu nunca mais puder tirar? Espero que não, pois, quando vejo o efeito no espelho do guarda-roupa, parece que levei um tiro na virilha. Visto a mesma calça do dia anterior e desço para tomar café com os dentes ásperos, a boca com gosto de cabo de guarda-chuva e ainda meio tonto das Skol da noite passada. Depois, vou tomar banho, empacotar as coisas e ir. Não consigo acreditar que estou mesmo indo embora. Não acredito que estou tendo permissão para isso.
Mas é claro que o primeiro grande desafio será arrumar as malas, sair de casa e entrar no trem sem minha mãe dizer Seu pai estaria orgulhoso de você.
É uma noite de terça-feira de julho, ainda está claro lá fora e a cortina está semifechada para assistirmos melhor à TV. Estou de pijama e roupão depois de um banho, cheirando levemente a Dettol e me concentrando com afinco numa reprodução Airfix em escala 1/72 do bombardeiro Lancaster numa bandeja de chá à minha frente. Meu pai acaba de chegar do trabalho e está bebendo uma lata de cerveja preta e a fumaça do cigarro dele paira nos raios de sol do entardecer.
— Sua primeira pergunta: Qual foi o último soberano britânico a presenciar um combate militar ativo?
— George V — diz papai.
— George III — responde Wheeler, de Jesus College, Cambridge.
— Correto. Sua rodada de bônus começa com uma pergunta sobre geologia.
— Você sabe alguma coisa de geologia, Bri?
— Um pouco — comento, com ousadia.
— De aparência cristalina ou vítrea, qual das três principais classes de rocha é formada pelo resfriamento e pela solidificação de matéria terrestre derretida...?
Eu sei essa! Tenho certeza de que sei.
— Vulcânica! — exclamo.
— Ígnea — diz Armstrong, de Jesus, Cambridge.
— Correto.
— Quase — comenta meu pai.
— Pedra ígnea contendo grandes cristais visíveis chamados fenocristais possui que textura?
Arrisque um palpite.
— Granular — tento.
Johnson, de Jesus, Cambridge diz: