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Mas consegui falar o suficiente para Alice confirmar que a viagem para o chalé estava de pé. Não preciso levar nada, a não ser um monte de livros e um suéter. Na realidade, ela riu de mim quando perguntei se não precisava levar uma toalha.

— Temos muitas toalhas — ela explicou, e pensei, sim, claro que têm. — Mal posso esperar — emendou.

— Mal posso esperar também — concordei, mas falando sério, pois sei que, na faculdade, nunca vou ter muito da sua atenção.

São muitas distrações, muitos grandalhões com dinheiro e apartamento próprio. Mas, quando afinal estivermos longe, só eu e ela, vai ser a minha chance, minha grande oportunidade de demonstrar a inevitabilidade absoluta de ficarmos juntos.

É manhã de Natal, e a primeira coisa que faço quando levanto é comer uma grande tigela de cereal Frosties e ligar a TV. São quase dez horas e O mágico de Oz já começou; então, deixo a televisão ao fundo, enquanto minha mãe e eu abrimos os presentes um do outro. Meu pai também está ali, de certo modo, como o fantasma de Jacob Marley, numa Polaroid antiga que tenho dele, cansado e sarcástico num roupão vinho, cabelo preto penteado para trás, de chinelos novos e fumando os cigarros que comprei e embrulhei para ele como presente. Neste ano, minha mãe me comprou alguns coletes novos e as Obras completas de e.e. cummings que pedi, e que ela teve de encomendar. Verifico o preço na etiqueta e sinto uma pontada de culpa, no mínimo um dia de salário, mas agradeço e beijo-a na bochecha e entrego os meus presentes — uma pequena cesta de vime com águas de cheiro da Body Shop e uma edição de segunda mão de A casa abandonada, da Everyman.

— O que é isso?

— É o meu preferido de Dickens. É genial.

— A casa abandonada? Parece esta casa.

E, na verdade, essa observação decreta o clima do dia. Clima de Dickens.

Tio Des veio para a ceia de Natal. A esposa dele o abandonou por um colega de trabalho já há algum tempo; por isso, todos os anos minha mãe o convida para a ceia de Natal, porque ele não tem uma família propriamente dita. Mesmo não sendo meu tio de verdade, apenas o vizinho três casas rua abaixo, tio Des pensa que, por algum motivo, tem o direito de bagunçar o meu cabelo e falar comigo como se eu tivesse 12 anos.

— Então, como vai esse intelecto? — pergunta, em sua voz de entreter crianças.

— Bem, obrigado, tio Des.

— Caramba! Esse pessoal não ensina como usar uma escova de cabelo na faculdade?! — comenta, continuando a despentear meu cabelo. — Olha o seu estado! — Bagunça, bagunça, bagunça, e me ocorre que isso não pega bem, vindo de um homem de 45 anos com o cabelo tingido de louro e um bigode que parece ter sido recortado de um mostruário de tapetes, mas fico calado, pois minha mãe não gosta que eu responda mal ao Tio Des. Então, contorço-me timidamente e me considero um cara de sorte, porque, ao menos esse ano, ele não está tirando moedas de 5 pence da minha orelha.

Mamãe põe a cabeça para fora da porta diz: — Os legumes estão prontos! — Um bafo morno no ar confirma seu aviso e me sinto nauseado, porque ainda sinto o gosto de Frosties nos meus dentes de trás. Ela volta para a cozinha e eu e o tio Des sentamos e assistimos ao Mágico de Oz baixinho.

— Que inferno! Essa bobagem de novo! — diz tio Des. — Todo Natal é esse maldito mágico dessa maldita Oz.

— Bem que eles podiam passar outra coisa, não é? — respondo. Aí, tio Des pergunta sobre a faculdade.

— Então, o que você faz o dia todo? — É uma pergunta justa, acho, e que já me fiz algumas vezes.

— Um monte de coisas... Assisto às aulas, leio, escrevo redações, esse tipo de coisa.

— Só isso? Que inferno... Mas há quem goste...!

Mudo de assunto.

— E você, tio Des, como vai o trabalho?

— Ah, meio parado, Bri, meio parado... — Tio Des está no ramo da construção, estufas, pórticos e pátios, ou pelo menos estava, antes do divórcio e da recessão. Agora, a van fica à toa na frente da casa e Des passa a maior parte do tempo desmontando e remontando motores, não do jeito certo, e depois desmontando de novo.

— As pessoas não querem gastar em reformas, não em plena recessão. Na verdade, pórticos e estufas são um luxo... — Alisa o bigode com o indicador e o polegar e volta a olhar com tristeza para O mágico de Oz, para aqueles macacos com asas meio perturbadores, e me sinto mal por ter perguntado sobre o trabalho quando sei que não está indo bem. Depois de um momento ou dois vendo os macacos voadores sem interesse, ele sai do transe com um visível esforço físico, senta o mais ereto possível na cadeira e bate palmas.

— Tudo bem... E que tal uma bebida? Afinal de contas, é Natal. Qual é o seu veneno predileto, Bri? — Em seguida, diz em tom conspiratório: — Além de couve-de-bruxelas?!

Olho para o relógio na cômoda, são 11h55.

— Eu quero uma cerveja, por favor, Des. — Ele sai correndo para a cozinha, quase como se morasse ali.

Durante o almoço, na cozinha, ao som da BBC2, decido contar a grande novidade.

— A propósito, tenho um comunicado a fazer...

Minha mãe para de mastigar.

— O quê?

— Aconteceu uma coisa na faculdade nesse semestre...

— Oh, Deus, Brian... — interrompe minha mãe, a mão na frente da boca.

— Não se preocupe. Não é nada ruim...

Olha para Tio Des e fala, nervosa:

— Continue...

— Bem, eu vou participar do Desafio Universitário!

— O quê? Aquele programa da televisão? — pergunta tio Des.

— Isso! Eu estou no time!

Minha mãe começa a rir e olha para Des, que também está rindo.

— Parabéns, Bri! — diz ele, pondo o garfo na mesa para ficar com a mão livre para bagunçar meu cabelo. — É uma ótima notícia, ótima mesmo...

— Meu Deus, que alívio! — exclama mamãe, tomando um grande gole de vinho e levando a mão ao peito para acalmar o coração.

— Por quê? O que você achou que eu fosse dizer?

— Bem, querido, para ser sincera, achei que fosse me contar que era gay! — responde e começa a rir outra vez, olhando para tio Des, que também começa a rir. Ri tanto que fico com medo que se engasgue com a couve-de-bruxelas.

Mais tarde, depois do nosso arremedo de peru assado, tio Des se serve de um grande copo de uísque e acende um charuto longo e fino, minha mãe acende um Rothman e ficamos assistindo ao Top Of The Pops, em meio ao ar esfumaçado com cheiro de caramelo. Tio Des solta um pequeno rosnado cada vez que a câmera foca uma backing vocal seminua, minha mãe dá um sorriso indulgente e dá um tapinha no pulso dele. Ela está se dedicando a devorar uma caixa de chocolates com licor, mordendo as tampas das garrafinhas de chocolate e bebericando tudo tal como uma ébria sofisticada. É uma modalidade nova e bizarra no hábito de beber da minha mãe, e não sei bem o que pensar disso, mas continuo com meu pacote de quatro cervejas para não ficar para trás. Por ser um jovem antenado com a música popular atual, ajudo na identificação das figuras mais obscuras no vídeo Do They Know It‘s Christmas? Em seguida, assistimos ao Discurso da Rainha e, logo depois, tio Des sai para visitar a mãe idosa que mora perto, mas promete voltar às 18h para comer as sobras e jogar a nossa tradicional e infinitamente longa partida de Banco Imobiliário, que tio Des sempre vence, mas só porque joga como banqueiro e trapaceia.