Então, antes de ficar escuro demais, minha mãe e eu vestimos nossos casacos e saímos. Ela pega no meu braço, enquanto caminhamos pouco mais de um quilômetro até o cemitério para colocar flores no túmulo do meu pai. O ar úmido e gelado aumenta um pouco a embriaguez dela e preciso me abaixar para ouvir o que está dizendo. Ela cheira a sálvia, cebola e licor Tia Maria.
Como de costume, fico com a minha mãe por um tempo e digo como a sepultura ainda está bonita. Depois, afasto-me um pouco enquanto ela fala com meu pai. Sempre me sinto meio desconfortável quando tenho de esperar sem ter um livro para ler; por isso, tento identificar os pássaros, mas são apenas gralhas e corvos-de-riacho (da família corvidae), estorninhos comuns (sturmus vulgaris) e pardais (passer domesticus), e me pergunto por que os cemitérios sempre atraem pássaros tão mórbidos e infelizes. Em 10 minutos, minha mãe termina o que tinha a dizer, afaga a sepultura de leve e se afasta, cabeça baixa, pega no meu braço e não diz nada até controlar um pouco a respiração e conseguir falar normalmente de novo. Já está escuro, mas alguns garotos de uma casa próxima estão estreando as novas bicicletas BMX que ganharam de Natal entre as sepulturas, freando forte e deslizando em longas derrapagens que deixam marcas no chão.
Ainda com os olhos úmidos e um pouco bêbada com os chocolates com licor, minha mãe se aborrece com isso e grita com eles:
— Vocês não podem fazer isso num cemitério! Tenham um pouco de respeito!
Um dos garotos faz um sinal obsceno e passa por ela rindo e gritando:
— Vai cuidar da sua vida, sua vaca idiota!
Percebo que minha mãe começa a chorar de novo e, de repente, sinto um irresistível desejo de correr atrás dele, arrancar o gorro do seu casaco e puxá-lo da bicicleta, colocar o joelho nas suas costas e esfregar aquela cara estúpida e irônica no chão para ver quanto tempo ele demorava até parar de rir. Mas, logo depois, sinto vontade de estar em algum lugar bem longe dali, deitado com alguém numa cama quentinha, prestes a cair no sono.
18
PERGUNTA: Qual é o nome da classe de compostos orgânicos com a fórmula geral R-OH, na qual R representa um grupo de alquilas formado por carbono e hidrogênio, e OH representa um ou mais grupos de hidroxila?
RESPOSTA: Álcool.
O Black Prince é um pub que serve bebida para menores de idade. Na escola, todos conheciam o lugar como A creche, pois o raciocínio do dono era de que qualquer espertinho capaz de esconder a gravata da escola no bolso já tinha idade para beber. Nas tardes de sexta-feira, parecia o cenário da série Grange Hill, a gente mal conseguia se mexer no meio de tantas mochilas.
Fora do período de aulas, é difícil imaginar um lugar mais desolador para beber. Escuro, estranho e úmido... É mais ou menos como estar dentro do rim de alguém, mas, em algum momento nos últimos cinco anos, tornou-se uma tradição a gente se encontrar ali nos feriados de fim de ano, e tradições são sagradas. Então, estamos eu, Tone e Spencer, sentados num banco de vinil que parece um coágulo. É a primeira vez que nos vemos desde setembro. Andei me sentindo um pouco angustiado com relação a esse encontro, mas Spencer parece mesmo feliz em me ver. Tone também, do seu jeito, o que basicamente se resume a esfregar com força a minha cabeça.
— Mas que porra aconteceu com o seu cabelo?
— Como assim?
— Meio capacete, né? — Tone me agarra pelas orelhas e cheira meu cabelo como se fosse um melão. — Você está usando mousse?
— Não estou usando mousse nenhum. — Na verdade, estou usando um pouco de mousse, sim.
— E como se chama esse corte de cabelo?
— Memórias de Brideshead — responde Spencer.
— Curto atrás e dos lados. E como se chama o seu corte, Tone?
— Não tem nome. Simplesmente é. E o que você anda bebendo agora? Porto com limão? Xerez? Vinho branco doce...? — começa ele, e eu ainda nem tirei a jaqueta.
— Uma cerveja, por favor, Tone.
— Uma cerveja especial?
— Tudo bem. Pode ser uma especial.
Cerveja especial é cerveja misturada com gim. Parte da missão educacional do proprietário do lugar é estimular a inovação. Ele nem pisca diante de qualquer combinação repulsiva que você pedir. Além do mais, cerveja misturada com gim é, de fato, algo bem adulto para os padrões do Black Prince. Qualquer coisa que não tenha gosto de coco, menta ou anis conta como refinada aqui.
Foi o maior período de tempo que passei sem ver Spencer desde que tínhamos 12 anos, e estou muito angustiado com a possibilidade de haver aqueles silêncios constrangedores. Mas aqui estamos. Em silêncio. Spencer tenta disfarçar, jogando a bolacha da cerveja para o alto, enquanto eu pego a caixa de fósforos para ver se há alguma coisa para ler na parte de trás.
— Então... Pensei que você tinha dito que viria nos fins de semana.
— Eu queria vir, mas andei meio ocupado.
— Ocupado... Sei.
— E o Natal? Foi bom? — pergunto.
— O de sempre. A mesma coisa do ano passado, a mesma coisa do ano que vem. E o seu?
— Ah, você sabe. A mesma coisa. — Tone volta com as cervejas especiais. — Então... Quais são as novidades? — pergunto.
— Que novidades? — pergunta Spencer.
— No trabalho, quero dizer...
— Que trabalho? — pergunta Tone, piscando para mim. Até onde sei, Spencer continua vivendo do seguro-desemprego e ganhando um por fora no posto.
— No posto de gasolina...
— Agora estamos com uma promoção bem interessante de taças de vinho grátis que está causando o maior alvoroço, e o preço da gasolina quatro estrelas aumentou no outro dia. Isso também foi muito emocionante. Então, considerando tudo, nunca estive tão animado desde que comi o meu primeiro Kit-Kat todo de chocolate. Ah, e, na semana passada, um bando de estudantes universitários saiu correndo sem pagar...
— Espero que você tenha saído correndo atrás deles — resmunga Tone.
— Não, Tone, não corri, porque eles estavam de carro e eu a pé. Além do mais, eu só ganho 1,80 libra por hora. Teriam de me pagar bem mais do que isso para eu começar a correr.
— Como sabia que eram universitários? — pergunto, mordendo a isca.
— Bem, para começar estavam muito malvestidos. Cachecóis longos, óculos redondos, cortes de cabelo esquisitos... — Abre um sorriso cúmplice para Tone e volta a olhar para mim. — Como vai a sua vista, Bri? — É uma piada corrente entre Tone e Spencer, que acreditam que menti para o oftalmologista só para poder usar óculos.
— Bem, obrigado, Spencer — e decido pegar mais batatas fritas.
No caminho até o bar, por um momento penso em andar em direção à porta e ir embora. Adoro Spence e Tone, Spencer em especial, e imagino que seja mútuo, ainda que nunca tenhamos declarado nada a respeito, pelo menos não sóbrios. Mas, no meu aniversário de 18 anos, Spencer e Tone me amarraram pelado no fim do píer de Southend e me enfiaram laxante goela abaixo. Então, é um amor que se expressa de maneiras não convencionais.
Quando volto, estão falando sobre a vida sexual de Tone. Por isso, sei que vou estar mais ou menos seguro pela próxima hora. Garçonetes, cabeleireiras, professoras, irmãs de amigos da escola e até mães — parece que ninguém é imune aos encantos nórdicos de Tone. A lista não tem fim e os detalhes são explícitos, e, depois de um tempo, começo a sentir como se precisasse de um banho, mas tem alguma coisa atraente em Tone, que não é sensibilidade nem ternura ou consideração. É muito fácil imaginar ele esfregando os dedos com força na cabeça da namorada depois de fazer amor. Fico imaginando, mas não pergunto, se Tone está fazendo sexo seguro, mas desconfio de que ele acha que sexo seguro é coisa de bunda-mole, assim como cintos de segurança e capacetes. Mesmo se fosse jogado de um avião, Tone acharia que paraquedas é coisa de bunda-mole.