— E quanto a você Brian? Algo a relatar?
— Na verdade, não — mas isso soa meio evasivo e complemento, fingindo indiferença: — Tem uma garota, Alice, que me convidou para passar o fim de semana no chalé dela...
— Num chalé? — pergunta Spencer. — O que ela faz? É camponesa?
— Não... É uma casa de campo, dos pais dela...
— E você está transando com ela? — quis saber Tone.
— É platônico...
— O que quer dizer platônico? — pergunta Spencer, mesmo sabendo o significado.
— Quer dizer que ela não vai dar para ele — diz Tone.
— Não estou transando com ela, porque não quero transar com ela; não por enquanto. Se quisesse, eu transaria.
— Embora evidências recentes mostrem que esse não é o caso — comenta Spencer.
Tone acha aquilo incrivelmente engraçado. Então, prefiro me ausentar para pegar mais cerveja com gim. O leve tropeço quando me levanto do banco mostra que a bebida está começando a fazer efeito. Sei muito bem que o dinheiro não vai durar muito no bolso esses dias. Mas o Black Prince é muito barato. Um lugar onde três garotos podem ficar incoerentes, agressivos, sentimentais e violentos e ainda receber troco de uma nota de dez.
Quando volto à mesa, Spencer me pergunta:
— Então, o que você faz de verdade o dia inteiro?
— Converso. Leio. Vou às aulas. Discuto.
— Não é exatamente trabalho, é?
— Não é trabalho. É uma experiência.
— Ah, tá, mas eu continuo muito feliz na Universidade da Vida, muito obrigado — intervém Tone.
— Eu me inscrevi para a Universidade da Vida. Mas não consegui passar — replica Spencer.
— Não é a primeira vez que você diz isso, é? — comento.
— Claro que não. Então, e a política? — A pergunta me cutuca como uma vareta.
— O que tem a política?
— Você participou de alguma manifestação recentemente?
— Uma ou duas.
— Qual o tema? — pergunta Tone.
O mais sensato seria mudar de assunto, mas não vejo por que comprometer minhas visões políticas em favor de uma vida fácil. Por isso, respondo.
— Apartheid...
— Contra ou a favor? — pergunta Spencer.
— ...saúde pública, direitos gays...
Isso chama a atenção de Tone.
— Quem é o canalha que está querendo tirar os seus direitos?
— Não são os meus direitos. Existe um movimento no Partido Conservador querendo impedir as escolas de mostrar a homossexualidade sob uma luz positiva. É homofobia legislada...
— É isso que elas estão fazendo? — pergunta Spencer.
— Quem?
— As escolas. Porque eu não me lembro de ninguém ensinando isso na nossa escola.
— Bem, não... Não ensinaram isso, mas...
— Então, por que é um problema tão grande?
— Pois é... Você virou gay sem ninguém ensinar — diz Tone.
— É, Tone, esse é um belo argumento...
— Pois eu acho um escândalo — interrompe Spencer, com indignação fingida. — Acho que isso deveria ser ensinado. Às terças-feiras, à tarde. Sessão dupla de veadagem...
— Desculpa... Esqueci o dever de veadagem em casa...
— A nota V seria a mais alta!
Tentamos pensar em alguma outra piada, mas não conseguimos, então Spencer diz:
— Bem, eu acho ótimo que você esteja se posicionando com relação a uma coisa tão importante, acho mesmo. É como quando você se afiliou à CDN. Tivemos um holocausto nuclear depois disso?
Tone se levanta.
— Então... Mais uma rodada?
— Sem gim dessa vez, Tone, por favor — peço, sabendo que ele vai misturar gim.
Quando ele sai, Spencer e eu ficamos dobrando os pacotes vazios de batatas fritas em pequenos triângulos, sabendo que o assunto ainda não acabou. O gim me deixou rabugento e de mau humor. Qual o sentido de sair com os amigos, se eles só vão tirar sarro da sua cara?
Afinal, acabo falando:
— Contra o que você protestaria, Spence?
— Não sei. Seu corte de cabelo?
— Estou falando sério...
— Mas eu estou falando sério...
— Não, sério, tem de existir alguma causa que você queira defender.
— Não sei. Muitas coisas. Mas acho que não os direitos gays...
— Não é só a questão dos direitos gays. São coisas que afetam a você também, como cortes no bem-estar social, cortes no auxílio do Estado, desemprego...
— Muito obrigado, amigo Brian, é bom saber que você está protestando em meu benefício, e vai ser bom receber uma grana extra.
Não há nada que eu possa dizer a respeito. Tento algo mais conciliatório, num tom de amizade:
— Ei, você devia ir lá me visitar no ano que vem!
— Como assim? Para escolher uma carreira?
— Não... Só para se divertir... — e esse é o ponto em que eu deveria mudar de assunto para sexo ou filmes ou TV ou coisa assim. Mas prefiro dizer: — Por que você não continua os seus estudos?
— Hummm. Seria porque eu não quero...?
— Mas é um desperdício tão grande...
— Desperdício? Ficar sem fazer nada é um desperdício! Ler poesia e ficar três anos batendo punheta é um desperdício.
— Mas você não precisa estudar literatura. Pode fazer outra coisa, algo que seja mais a sua cara...
— Vamos mudar de assunto, Brian?
— Tudo bem...
— Já bastam os conselhos de merda do Departamento de Saúde. Não quero falar sobre carreira num pub, num feriado de fim de ano.
— Tudo bem. Vamos mudar de assunto — e faço uma sugestão: — Máquina de quiz?
— Claro. Máquina de quiz.
O Black Prince investiu numa dessas novas máquinas computadorizadas de quiz. Então, vamos até uma delas e equilibramos as canecas de cerveja no tampo.
— Quem interpreta Cagney na série de TV Cagney e...?
— C. Sharon Gless — respondo.
Resposta Certa.
— A Batalha de Trafalgar foi em...?
— B. 1805 — respondo.
— O apelido do Norwich City FC é...?
— A. Os Canários — diz Tone.
Resposta certa.
Talvez seja uma boa hora para mencionar o Desafio...
— Quem foi o criador dos Daleks?
— A. Davros — digo.
Resposta certa.
— De quem era o sobrenome Schicklegruber?
— B. Hitler — respondo.
Resposta certa.
Eu poderia falar no meio da conversa, casualmente: A propósito, já contei a vocês? Vou participar do Desafio Universitário!
— Qual o americano detentor do recorde de maior número de medalhas olím...
— D. Mark Spitz — diz Tone.
Resposta certa.
Vocês conhecem o Desafio Universitário, da televisão...? Talvez eles não gozem da minha cara. Talvez achem divertido... Muito bem, Brian. Afinal, somos velhos amigos...
— Mais uma pergunta e ganhamos 2 paus!