— Muito bem! Concentrem-se...
Eu vou ter de contar a eles sobre o Desafio...
— A quantos Oscar Star Wars foi indicado?
— B. Quatro — respondo.
— D. Nenhum — corrige Tone.
— Tenho certeza de que foram quatro — insisto.
— Não mesmo. É uma pegadinha. O filme não ganhou nenhum...
— Não é ganhar. É ser indicado...
— Não foi indicado também. Vá por mim, Spence...
— Foram quatro indicações, Spence, juro. B. Quatro...
E ficamos olhando para o Spencer, como dois suplicantes: Escolha a mim, por favor, não ele, eu estou certo, juro, escolha a mim, tem 2 paus em jogo. E, sim, ele me escolhe, ele confia em mim e aperta B.
Resposta errada. A resposta certa é D... Dez.
— Viu só?! — grita Tone.
— Você também estava errado! — retruco, gritando também.
— Você é um imbecil! — diz Tone.
— Você é um imbecil — replico.
— Vocês são dois imbecis! — conclui Spencer.
— Você que é imbecil, seu imbecil — diz Tone.
— Não, meu amigo, o imbecil é você — determina Spencer, e acho que talvez seja melhor não falar nada sobre o Desafio.
A quarta caneca de cerveja com gim nos deixa sentimentais e nostálgicos sobre coisas que aconteceram seis meses atrás, lembrando com afeto de pessoas de quem não gostávamos e de diversões não tão divertidas, e se a professora de educação física era mesmo lésbica e o quanto Barry Pringle era gordo. Por fim, pedimos a saideira.
Quando saímos do Black Prince, está começando a chover. Spencer sugere irmos à boate Manhattan, mas ainda não estamos tão bêbados assim. Tone roubou um videocassete no Natal e quer assistir a Sexta-feira 13 pela 89ª vez, mas estou deprimido e bêbado demais e prefiro ir para casa, na direção oposta.
— Você vai estar por aqui no Ano-novo? — pergunta Tone.
— Acho que não. Acho que vou passar com a Alice.
— Tudo bem, cara. A gente se vê por aí, então. — Ele me dá um tapa nas costas e sai tropeçando.
Mas Spencer se aproxima e me abraça, o hálito cheirando a cerveja com gim e sussurra no meu ouvido:
— Escuta, Brian amigão, você é meu amigo, meu melhor amigo, e é ótimo que esteja por aí conhecendo pessoas diferentes e ficando num chalé e tudo mais, mas me prometa uma coisa, tá? — Aproxima-se ainda mais. — Prometa que você não está virando um babaca.
19
PERGUNTA: Se uma queimadura que afeta a epiderme é considerada de primeiro grau, qual é o termo para uma queimadura que alcança o tecido subcutâneo?
RESPOSTA: Queimadura de terceiro grau.
Não importa quanto o resto da minha vida possa ser previsível, banal e apática: sempre vai haver algo interessante acontecendo na minha pele. Quando a gente é criança, a pele é só um revestimento cor-de-rosa: sem pelos, sem poros, sem cheiro, eficiente. Daí, um dia você vê interseções microscópicas num livro de biologia, os folículos, as glândulas sebáceas, a gordura subcutânea, e percebe que muitas coisas podem dar errado. E elas deram errado. Desde os 13 anos, minha pele tem sido uma interminável novela, marcada por manchas, cicatrizes e pelos encravados crescendo, espalhando-se por todos os lados, tomando diferentes formas — de poros levemente entupidos atrás das orelhas a bolhas queimadas na ponta do nariz, bem no meio do meu rosto. Em retaliação, experimentei algumas técnicas de camuflagem, mas todos os cremes que encontrei são de um tom rosa-albino que chama mais atenção para as espinhas do que as esconde.
Eu não ligava muito para isso na minha adolescência. Quer dizer, elas me incomodavam, claro, mas eu aceitava como parte do crescimento, como algo desagradável, porém inevitável. Mas, agora, estou com 19 anos, sou adulto, de acordo com a maioria das definições, e começo a me sentir perseguido. Esta manhã, de pé em frente ao meu espelho iluminado por uma lâmpada de 100 watts, as coisas estão particularmente ruins. Sinto-me como se estivesse vazando gim, cerveja e óleo — tudo ao mesmo tempo — na minha cara. E tem uma coisa nova, um calombo duro debaixo da pele, mais ou menos do tamanho de um amendoim, que se mexe quando eu toco nele. Vou pegar pesado. Adstringentes! No verso, está escrito Cuidado! Pode manchar tecidos, e algo me diz que algo que pode abrir um buraco num sofá talvez não seja uma coisa boa para se aplicar na pele, porém, mesmo assim, vou em frente e faço um enxágue final com Dettol, só para dar sorte. Quando termino, o banheiro está cheirando a hospital, mas, pelo menos, sinto o rosto esticado e limpo, como se tivesse passado por um lava a jato.
Ouço uma batida na porta e minha mãe entra com minha melhor camisa de vovô, de linho branco, recém-passada e uma embalagem de alumínio.
— Um pouco de lombo e peru para a sua amiga.
— Acho que eles já providenciaram a comida, mãe. Além do mais, eles são vegetarianos.
— Mas é carne branca...
— Acho que a questão não é a cor, mãe...
— Mas o que você vai comer?
— Vou comer o que eles comem!
— O quê? Legumes?
— Sim!
— Você não come um legume há 15 anos! É um milagre não sofrer de raquitismo.
— Raquitismo é vitamina D2, mãe. Escorbuto é vitamina C, falta de frutas frescas.
— Então, você não quer levar umas frutas frescas?
— Não, mãe, sério. Não preciso de frutas nem de carne.
— Você pode levar para comer no trem. Se ficar aqui, vai estragar.
Para minha mãe, o verdadeiro significado do Natal sempre foram as carnes frias. Então, concordo e pego o embrulho de alumínio. Pesa, mais ou menos, o mesmo que a cabeça de uma pessoa. Ela me segue até o quarto para conferir se estou mesmo guardando o embrulho na mala, como se fosse uma atitude oficial materna, e me considero com sorte por ela não querer que eu leve as couves-de-bruxelas.
Ela senta-se na minha cama e começa a dobrar com cuidado a minha camisa de vovô.
— Não sei por que você usa essas coisas velhas e horríveis...
— Talvez porque eu goste, não?
— Uma ovelha na pele de um carneiro...
— Eu não critico o que você veste...
— Cuecas samba-canção! Desde quando você usa samba-canção?
— Desde que comecei a comprar minhas roupas de baixo...
— Cuecas normais saíram da moda, é?
— Não faço a menor ideia, mãe...
— Achei que você preferisse cuecas mais curtas, de algodão...
— Eu uso as duas. Depende...
— Depende do quê?
— Mãe...!
— Então, quanto tempo você vai ficar com a sua namorada?
— Não sei. Três dias. Talvez quatro. E ela não é minha namorada.
— Depois você vai voltar?
— Não, acho que vou direto para a faculdade, mãe. — Não sei bem a razão, mas me acostumei a usar o termo faculdade. Talvez porque universidade ainda me pareça muito esnobe.
— Então não vai passar o Ano-novo aqui?
— É pouco provável.
— Vai passar com ela?
— Acho que sim. — Espero que sim.
— Ah! Que pena... — mamãe usou sua voz de mártir. O truque é não olhar nos olhos dela. Continuo fazendo a mala. — Mas você volta depois?
— Não vai dar, mãe. Tenho trabalhos a fazer.
— Você podia fazer aqui...
— Não dá, mesmo...
— Não vou incomodar você...