— Joni Mitchell! Blue!
— Ah, não! Você já tem, não é?
— Só umas seis cópias. Mas você acertou na mosca. Eu adoro a Joni. Na verdade, perdi a minha virgindade ao som de Joni Mitchell.
— Não com Big Yellow Taxi, espero.
— Court and sparks, na verdade... — Dava para ter adivinhado. — E você?
— Minha virgindade? Não me lembro. Pode ter sido a Marcha fúnebre, de Chopin, ou Geoff Love and His Orchestra Play Big War Movie Themes.
Ela ri e me devolve o disco.
— Desculpa... Você ainda tem a nota de compra?
— Acho que sim. Algum pedido específico para eu trocar?
— Surpreenda-me. Mas nada de Kate Bush, por favor. Vou deixar você acabar de guardar suas coisas.
— A que horas é o chá?
— O jantar é em meia hora. — Antes de sair, ela me abraça mais uma vez. — Estou tão feliz de você estar aqui... Vamos nos divertir muito. Prometo.
Após Alice sair, penduro as camisas de vovô recém-passadas nos cabides de madeira, adorando a sensação de estadia e permanência. Se eu jogar bem as minhas cartas, talvez possa ficar aqui até o Ano-novo. Quem sabe até o dia 2 ou 3...
Ao abrir o armário, eu meio que esperava encontrar Narnia.
No fim das contas, a proteína acaba sendo o menor dos meus problemas. O jantar é um assado de nozes. Já tinha ouvido falar em assado de nozes, mas sempre achei que fosse piada, mas ali estava — um bolo farinhento empilhado com queijo vegetariano derretido por cima. Foi minha primeira experiência com nozes em outro contexto que não barras energéticas. Parece húmus de minhoca amontoado no prato. O que os cachorros estarão comendo?
— Como está o assado de nozes, Brian?
— Delicioso... Obrigado, Rose. — Aprendi, em algum lugar, o conceito de que é educado usar bastante o nome das pessoas — sim, Rose; não, Rose; está ótimo, Rose — mas acho que está meio que parecendo com as músicas da banda Uriah Heep. Melhor acompanhar com um pouco de humor. — É minha primeira experiência com nozes fora do contexto de uma barra de cereais!
— Cale a boca, seu feioso imbecil! E tire suas mãos imundas e plebeias da minha filha linda, seu merdinha nojento! — diz o Sr. Harbinson. Bem, ele não fala isso, mas é o que aparenta sua expressão.
Rose ajeita o cabelo, sorri e pergunta:
— E que tal as abobrinhas gratinadas?
— Maravilha! — Na verdade, nunca comi uma abobrinha na vida, no entanto, para ressaltar meu entusiasmo, coloco um pedaço aguado com o garfo na boca e dou um sorriso idiota. Como qualquer legume, tem gosto de papel, mas estou tão determinado a agradar Rose que tenho de me esforçar para não esfregar a barriga e dizer hummm... — Enxáguo o gosto de pântano da boca com um gole de vinho. Não há sinal da garrafa que eu trouxe. Imagino que tenha sido levada para fora e estourada com tiros. Ou, talvez, os cães estejam tomando o meu vinho com o macarrão, e um pouco de pão de alho. Mas o vinho servido é tão doce e quente que você pressente que deveria estar tomando aos poucos, com uma colherzinha de xarope.
— É a primeira vez que vem a Suffolk, Brian?
— Já estive aqui uma vez. Numa excursão nas montanhas!
— É mesmo? Mas aqui é tudo plano... — Eu estava mal informado!
O Sr. Harbinson começa a exalar audivelmente pelo nariz.
— Não entendi. Quem disse a você...? — pergunta Rose.
— Brian está brincando, mãe — explica Alice.
Está claro que eu deveria parar de tentar ser engraçado, mas ainda não encontrei alternativas. Sentindo que eu precisava de ajuda, Alice se vira para mim e põe a mão no meu braço. — Se você estivesse aqui ontem à noite, teria visto uma coisa muito engraçada, Brian.
— Por quê? O que aconteceu?
Rose começa a ficar vermelha.
— Ah, Alice, querida, não podemos deixar isso entre nós, por favor?
— Deixa ela contar... — resmunga o Sr. Harbinson.
— Mas é tão constrangedor...!
— Pode contar! — digo, entrando no jogo.
— Mas eu me sinto tão boba... — diz Rose.
— Bem... — começa Alice — ...Nós recebemos uns amigos habituais nesses feriados. Estávamos brincando de mímica, e era minha vez, e eu estava representando O ano passado em Marienbad para mamãe e ela foi ficando tão agitada e se envolveu tanto na coisa que derrubou a coroa na taça do nosso vizinho!
Todo mundo ri. Até o Sr. Harbinson. A atmosfera está tão engraçada, adulta, divertida e irreverente que eu digo:
— Então, você estava usando uma coroa?
Todo mundo fica em silêncio.
— Como? — pergunta Rose.
— Uma coroa. Por que estava usando...
O Sr. Harbinson repousa o garfo e a faca na mesa, engole o que estava mastigando, vira-se para mim e diz, bem devagar:
— Na verdade, Brian, Alice estava se referindo à coroa do dente...
Logo depois, todos nos recolhemos.
Estou no banheiro lavando o rosto com água fria quando Alice bate na porta.
— Espere dois segundos — digo, sem saber bem por que, pois estou completamente vestido e não há muito a fazer pela minha aparência em dois segundos a não ser enrolar uma toalha na cabeça.
Abro a porta, Alice entra com uma expressão séria e começa a falar bem devagar.
— Você se importa se eu disser uma coisa, uma coisa pessoal?
— Claro que não! Vá em frente! — Faço um cálculo mental e chego à conclusão de que há uma chance em três de ela me convidar para fazer amor aquela noite.
— Bem... É um grande erro esfregar o rosto desse jeito. Você só vai sangrar e espalhar a infecção...
— Ah...
— E também deixa cicatrizes.
— Certo...
— Você ferve as suas toalhas?
— Bem, não...
— Porque a toalha deve ser parte do problema...
— Certo, ok...
— Se eu fosse você, não usaria toalha de jeito nenhum. Elas estão infectadas. Só água e sabonete neutro, sem perfume...
Como eu vou me safar dessa conversa?
— ...E não sabonetes medicinais, pois são muito adstringentes...
Nem chega a ser uma conversa... Só estou esperando ela parar de falar — ...E você também não devia usar cremes adstringentes. Eles funcionam a curto prazo, mas, depois, só tornam as glândulas sebáceas mais ativas...
Agora, já estou olhando para a janela do banheiro, considerando se devo ou não me jogar dela. Alice deve ter notado alguma coisa, pois muda de tom.
— Desculpe... Você se incomoda de eu dizer tudo isso?
— De maneira alguma. E você conhece bem o assunto. Se o Desafio Universitário perguntar sobre cuidados com a pele, vamos nos dar bem...
— Ah, você ficou magoado, não ficou?
— Não, só acho que não há muito que eu possa fazer a respeito. Deve ser o começo da puberdade! Todos esses hormônios... Daqui a pouco, devo começar a me interessar por garotas!
Alice sorri com indulgência e me dá um fraternal beijo de boa-noite, os olhos examinando meu rosto tentando encontrar um lugar seguro para pousar.
Mais tarde, já na cama e tremendo de frio, deitado de barriga para cima enquanto meu rosto seca para não sangrar no travesseiro, avalio com cuidado minha estratégia para o dia seguinte. Após muitas considerações, decido que minha estratégia é ser menos idiota. Não vai ser fácil, mas é vital ela conhecer o meu Verdadeiro Eu. O problema é que estou começando a desconfiar que essa concepção de que há um Verdadeiro Eu sábio, inteligente, engraçado, delicado e corajoso correndo por aí em algum lugar é meio que uma falácia. Como o Abominável Homem das Neves: se ninguém nunca viu, por que alguém deveria acreditar que existe de verdade?