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Levantar e me sentar na beira do estrado é uma tarefa hercúlea, e consigo ouvir o conteúdo do meu estômago revirando e se acomodando, como um saco de lixo cheio de creme de ovos. A ideia de tirar as roupas de ontem parece simplesmente impossível. Então, não tiro. Não sei nem se consigo amarrar os cadarços sem vomitar neles, mas dou um jeito, e, depois, visto meu casaco/cobertor e saio de casa com Spencer ainda dormindo e ando ladeira acima, em direção ao departamento de literatura. Cai uma chuva fininha, constante, e o vento é ameaçador. Pensei que seria capaz de ler O rapto da Madeixa enquanto caminhava, mas as páginas estavam ficando ensopadas, e não dá para pedir mais do meu sistema nervoso além de andar sem cair.

Na porta do prédio, escoro-me contra a parede e esfrego as mãos no rosto para tentar alguma cor que não seja cinza. Nesse momento, vejo Rebecca Epstein saindo pelo portão. Por um segundo, imagino que havia me visto e resolvido ir embora, mas não pode ser, pois senão ela estaria me ignorando.

— Rebecca! — grito, mas ela continua descendo a rua marchando, a gola do casaco de vinil levantada, cabeça baixa contra a chuva. — Rebecca...? — seguro o saco de creme de ovos e tento correr sem mover a cabeça.

— Rebecca, é o Brian!

— É mesmo... Oi, Jackson — responde, sem entusiasmo.

— Como você está?

— Bem.

Andamos um pouco mais.

— Foi boa a aula? — pergunto.

— Uh-hum.

— Sobre o quê?

— Você quer mesmo saber ou só está puxando conversa?

— Só estou puxando conversa.

Acredito ter visto um breve sorriso, mas talvez fosse apenas imaginação, pois ela diz:

— Você não devia estar indo para a aula também?

— Bem, devia, mas não sei se estou à altura...

— É sobre o quê?

— Você quer mesmo saber, ou só está puxando...?

— Você está um lixo, a propósito.

— Estou me sentindo um lixo.

— Ótimo! Fico feliz...

Ela parece hostil. Rebecca sempre é hostil, mas, naquele momento, está mais ainda. Continuo andando um pouco atrás dela e fico me perguntando como alguém com pernas tão curtas consegue andar tão mais rápido que eu.

— Bec, você está brava comigo ou coisa assim?

— Bec? Quem é Bec?

— Tudo bem, Rebecca. Mas você está brava?

— Não brava. Só... desapontada...

— Meu Deus, você também! — Ela olha nos meus olhos pela primeira vez. — É que parece que ando desapontando todo mundo. Não sei por quê. Estou tentando não fazer isso. Sério... — Ela para ao ouvir isso, e ficamos os dois embaixo da chuva por um tempo, enquanto ela me examina de cima a baixo.

— Você sabe que está completamente cinza, não sabe?

— Sei.

— E que está com uma coisa branca no canto da boca...

Limpo com a manga do casaco e digo:

— Pasta de dente — embora não tenha certeza se é isso mesmo. — Ei, você já tomou café da manhã?

— E a sua aula?

Lembro-me da minha resolução de comparecer a todas as aulas, sempre que possível, mas Rebecca parece mais importante que as resoluções. Por isso, falo:

— Acho que vou matar essa aula.

Ela pensa um momento antes de responder:

— Então, vamos — E andamos de volta morro abaixo.

O vapor e a gordura dos pratos especiais embaçam a janela do café, condensando no vidro frio e pingando numa poça na nossa mesa de fórmica vermelha. Rebecca e eu estamos num reservado, com uma xícara de chá para ela e um café com leite, uma lata de Coca, um pãozinho de bacon crocante com salsicha e uma barra Mars para mim. Rebecca está rabiscando com o dedo no vapor da janela, enquanto estou dizendo:

— …e ele está sendo acusado de burlar o seguro-desemprego, o que acho um absurdo. Quer dizer... Se você pensar no que os barões do comércio sonegam de impostos e ninguém dá a mínima...

— ...Hum...

— Quer dizer... O que são uns míseros 23 paus por semana ou coisa assim? Ninguém consegue viver com isso. E o que eles esperam que as pessoas façam se não conseguem encontrar emprego...?

— Uh-hum...

— Queria só ver um desses conservadores canalhas sobrevivendo com esse dinheiro. Estou preocupado também que ele esteja pensando em pedir algum dinheiro emprestado, porque não posso me dar ao luxo de emprestar dinheiro a ele. Não com o que eu recebo...

E, aqui, paro de falar, quando percebo que Rebecca escreveu a palavra Socoooorro! ao contrário, na janela embaçada.

— Desculpe... Estou sendo um pouco chato, né?

— Bem, Jackson, você me conhece. Normalmente, adoraria discutir as políticas sociais do Partido Conservador pela manhã. Só que esse não é realmente o problema, é?

— Não, acho que não. — Respiro fundo. — Desculpe por aquela noite.

— E você sabe exatamente pelo que está se desculpando?

Sei?

— Não exatamente. Não.

— Então, não é um pedido de desculpas de verdade, é?

— Não... Acho que não. — Lembrando-me daquela noite, penso que foi um pouco como se envolver numa briga de bêbados na porta de um pub numa sexta à noite, algo excitante, vívido e assustador ao mesmo tempo, mas depois você não tem certeza do que fez, com quem, e nem mesmo quem começou. Penso em contar essa analogia a Rebecca, mas ninguém gosta de ouvir que um beijo pode ser igual a ser espancado na porta de um pub. Então, prefiro dizer: — Acho que foi só, sabe, o de sempre.

— O que é o de sempre?

— Você sabe... Só eu sendo um inútil.

— Ah, bom, você não é pior do que eu...

— Sou muito pior que você.

— Não é...

— Sou sim...

— Não, não é...

— Eu sou. Sou pavoroso...

— Tudo bem, Jackson, não vamos entrar numa questão dialética por causa disso, ok? — e ela beberica o chá como se estivesse mastigando. Depois disso, fala: — Olha, eu fiquei um pouco bêbada e cometi um erro, interpretei mal os sinais ou seja lá o que dizem, e não estou particularmente brava com você. Só envergonhada, na verdade. Não é sempre que me permito ficar... — dá uma risadinha amargurada — …vulnerável. É essa a palavra? — Rebecca lambe a ponta do dedo para apanhar as migalhas do pãozinho de bacon do meu prato. — Ainda assim, acho que vou conseguir amar de novo...