Estou no pub. Vejo você mais tarde.
O relógio em cima da lareira marca 11h55. Ao lado do relógio, há uma pilha de trocados que tirei do bolso na noite anterior. Deve somar umas 4,55 libras, mas eu conto assim mesmo, só para ter certeza.
Quatro libras e cinquenta.
E não sei o que me deixa mais triste: Spencer estar num pub tão cedo ou ter conferido para ver se ele não tinha roubado meu dinheiro.
28
PERGUNTA: Que festivais greco-romanos secretos começaram como eventos exclusivos para mulheres, passando depois a admitir homens, antes de serem banidos pelo Senado Romano em 186 a.C. sob a alegação de supostas naturezas orgíacas?
RESPOSTA: Bacanais.
Como regra geral, dá para saber que uma festa está com problemas quando começam a tocar trilhas sonoras. Quando Spencer e eu chegamos na porta da Dorchester Street, 12, escutamos Gee, Officer Krupke, do Amor, sublime amor, tocando alto no som da sala de estar, com várias vozes masculinas acompanhando a letra de cor. Adoro musicais da Broadway, como todo mundo, mas há uma hora e um lugar para esse tipo de coisa. Além do mais, nesse caso, Spencer não é como todo mundo, pois não é lá muito fã de musicais e olha para mim preocupado.
— Você tem certeza?
— Se eles puserem a trilha de Starlight Express, a gente vai embora. Tudo bem? — e Erin, a Gata, atende à porta.
— E aí, Erin! — cumprimento todo alegre.
— Olá, Brian. — Ela suspira.
Ninguém se mexe. Os olhos dela dardejam a cabeça raspada de Spencer.
— Esse é o meu amigo Spencer!
— Tudo bem? — diz ele.
— Hum... — replica Erin, claramente sem saber ao certo se está tudo bem. Aí, ergo a garrafa de vinho e as quatro latas de cerveja como um incentivo, e ela, afinal, abre a porta.
— A cozinha é por ali — orienta, antes de retornar ao West Side de Nova York, com os Jets, os machões donos do pedaço, que são interpretados por três garotos magrelas, travessos e muito animados do Departamento de Teatro. Para crédito de Erin, ela tira Amor, sublime amor da vitrola e substitui por Sly and the Family Stone. — Ah, não! A próxima música era I Feel Pretty! — reclama um dos Jets petulantes, e vejo Spencer, o Tubarão, balançar a cabeça e passar a mão onde costumava ficar seu cabelo, e tenho a nítida sensação de que cheguei a uma festa com uma espingarda engatilhada.
Quando volto do café da manhã com Rebecca, verifico se Spencer roubou algum dinheiro, e resolvo fazer algumas anotações no meu caderno de poesia. Em uma página nova, oposta ao meu poema dos seios de alabastro, escrevo:
vapor e gordura se condensam
na janela da cafeteria
janela de vidro. especialidades da casa
Logo, fico cansado e decido que deve bastar por hoje. Não estou com energia. Então, deito no futon e começo a ler A balada do velho marinheiro, chegando até Era uma antiga... antes que o calor e as emanações do aquecedor a gás me façam cair num sono devidamente narcótico.
Acordo no fim da tarde, todo vestido, suado e com a boca seca, e vejo Spencer sentado com os pés na minha mesa, lendo Coleridge.
— Tudo bem, Bela Adormecida?
— Que horas são?
— Umas 16h?
Sinto de novo aquela recorrente pontada de arrependimento por ter perdido mais um grande dia. Grandes pedaços da minha vida esvaíram-se dessa maneira, como as longas férias escolares, os supostos verões longos, quentes e idílicos. Todos evaporaram-se num torpor nebuloso de ressacas e inúteis passeios pelo Woolworths, com cochilos à tarde movidos a dor de cabeça, vídeos de sacanagem assistidos pela 50ª vez com as cortinas fechadas, bebedeiras com discussões e insultos, quentinhas e noites de sono esporádicas e ressaca de novo e, mais uma vez, de volta ao Woolworths. Eu já não tinha tomado uma resolução a respeito de tudo isso? Não era para isso já não estar mais acontecendo a essa altura? Já estou com 19 anos. Não posso me dar ao luxo de deixar a vida passar pela minha frente desse jeito. Mas por que fiz de novo? Decido botar a culpa em Spencer e me sento, de mau humor.
— Quem deixou você entrar?
— Um babaca de cabelo comprido usando um colete de veludo.
— Josh?
— Josh. Não foi muito simpático...
— Você foi simpático?
— Certamente, não. Por que eu deveria?
— Bem, eu tenho que morar com ele, então... — Spencer não diz nada. Só joga o Coleridge de volta na mesa. Sinto um bafo de cerveja, cigarro e suor. — Onde você esteve?
— Fui ao pub. Li o jornal. Passeei pelas lojas.
— Comprou alguma coisa?
— Com que dinheiro?
O mesmo que usou para comprar cerveja e cigarro, talvez?, penso, mas em vez disso falo:
— Mas a cidade é legal, não é?
— É, é legal... — passando as mãos no rosto. — Então, e agora?
— Bom, tem uma festa hoje à noite, que deve ser bem legal, mas, antes, preciso fazer uns trabalhos...
— Não, não precisa.
— Spence, eu preciso...
— Tudo bem... Só vou ficar por aqui e ler alguma coisa.
Mas eu precisava sair daquele quarto o mais rápido possível. Por isso, sugeri:
— Ou a gente podia ir ao cinema...
Então, fomos ao cinema e assistimos ao filme Amadeus na sessão das 17h15, que, para mim, pareceu uma bela e profunda exploração da natureza da genialidade, mas Spencer dormiu o tempo todo.
As coisas melhoraram, como tende a ocorrer, quando fomos ao pub. Discutimos sobre o que colocar para tocar no jukebox, gastamos 50 pence na máquina de caça-níqueis, depois sentamos num banquinho e rimos de novo. Spencer me conta que Tone entrou para o Exército Territorial.
— Você tá brincando...
— Não estou...
— Mas ele é pirado...
— Não importa. Preferem pirados...
— E vão dar uma arma pra ele?
— Acho que é inevitável.
— Muuuuuuito arrisca-do — dizemos em uníssono, e percebo que não digo muuuuuuito arrisca-do há anos.
Então, Spencer fala:
— No começo, claro, só vão treinar Tone para se sentar no peito do inimigo e peidar na cara dele...
— …Ou chegar sorrateiramente por trás e dar uns cascudos com bastante força no topo da cabeça...
— …Depois, furtar o equipamento de som dele...
— …Puta merda, sargento Tone...
— …A última linha de defesa...
— O mundo livre dorme em segurança. — Spence dá um gole na cerveja e acrescenta: — Vou falar para você... O mais engraçado é ele tentando me convencer a entrar também. Acha que preciso de um pouco de ordem e disciplina na minha vida, pelo visto.
— E você está tentado?
— Com certeza. Passar fins de semana numa tenda com cheiro de peido em Salisbury Plain com um bando de conservadores doidos por armas. É bem a mudança de que preciso.
Vejo minha oportunidade de encaixar a pergunta sem ser detectado, continuo sorrindo e digo:
— Então, já pensou em ir para a faculdade?
Mas Spencer percebe, e responde:
— Não enche, Brian... — Não de modo grosseiro, mas também não de maneira gentil, só cansada. — De qualquer jeito, a faculdade é uma espécie de Serviço Nacional para a classe média.
— Mas e eu? Eu não sou classe média.
— Você é classe média...
— Não, não sou...
— Sim, você é...