— Minha mãe ganha muito menos que os seus pais...
— Mas não é só dinheiro, não é mesmo? Também tem a atitude.
— Para ser mais exato, é sobre quem tem a posse dos meios de produção...
— Bobagem... É a atitude. Mesmo se sua mãe tivesse mandado você pra uma mina de carvão, você ainda seria classe média. São as coisas que você fala, os livros que lê, o filme que acabou de me fazer assistir. É o jeito como você ia às excursões da escola e gastava seu dinheiro em livros e cartões-postais e não em cigarro e fliperama, o jeito como você pede pimenta-do-reino na batata frita...
— Eu nunca fiz isso...
— Fez, Bri! Eu estava com você.
Na verdade, em defesa própria, a minha lembrança desse incidente é que eu não pedi pimenta-do-reino. Eu escolhi pimenta-do-reino porque estava entre as opções, mas não quero me prender a esse detalhe.
— Então, você acha que só porque alguém gosta de ler, quer aprender alguma coisa ou prefere pimenta-do-reino ou vinho, em vez de cerveja ou seja lá o que for, isso faz dele classe média?
— É, mais ou menos isso...
— Algumas pessoas podem pensar que isso é meio que um estereótipo...
— Olha, Bri, o fato é que você se considera socialista, mas, se estivesse por perto durante a Revolução Russa e Lênin mandasse executar o czar e sua família, não teria feito isso. E sabe por quê? Porque você estaria ocupado tentando se dar bem com a filha do czar...
Qualquer vestígio da ressaca daquela manhã desaparece depois da terceira caneca de cerveja, e volto a me surpreender com o poder revigorante e medicinal desse líquido. A festa de hoje é uma grande oportunidade para avançar mais com Alice, e pensei bastante e com cuidado sobre como fazer isso e decidi que o truque é ser Devastador e Distante. Por isso, é importante não ficar muito bêbado; então, comemos três pacotes de batatinhas cada um no jantar e alguns amendoins torrados como fonte de proteína e partimos para a festa.
Quando chegamos ao número 12 da Dorchester Street, percebemos que a festa estava naquele estágio de pode dar certo ou errado. Uma olhada superficial pela cozinha me diz que houve um forte favorecimento teatral em relação à lista de convidados — a maior parte do coro de As bacantes estava ali, todos falando ao mesmo tempo. Neil sei lá do quê, estrela da aclamada produção moderna de Ricardo III do semestre passado, está encostado na geladeira tendo uma amigável conversa com o Duque de Buckingham, enquanto Antígona, uma das anfitriãs, vira um saco de salgadinhos de queijo numa grande tigela. Ainda nenhum sinal de Alice, e estou muito nervoso, mas não sei se é por causa do que Spencer vai achar dela ou do que Alice vai achar dele.
De repente, lá está ela, de pé na porta da cozinha, conversando com o Ricardo III. Ainda não me viu. Então, apoio-me na pia da cozinha, Devastador e Distante, e a observo. Seu cabelo está preso no alto da cabeça de uma maneira artisticamente bagunçada, e ela está usando um vestido de festa bem justo, preto com mangas longas e feito do mesmo material dos collants de malha, cortado bem baixo na parte da frente, formando uma espécie de decote que lembra a roupa que Kate Bush costumava usar nas primeiras aparições, antes de decidir se dedicar apenas a gravações em estúdio. Na verdade, ela está igualzinha, até as marcas escuras de suor em forma de lua crescente que começam a se formar nas axilas.
— Aquela é a Alice — sussurro para Spencer.
— A dos seios de alabastro? — pergunta ele, e, antes que eu possa dizer alguma coisa, Alice vem correndo até nós gritando:
— Sal! Sal! SAL!...
— Oi, Alice — digo, de modo Devastador e Distante.
— Você viu o sal? Alguém derramou vinho tinto no tapete persa da Cathy...
— Esse é o meu melhor amigo, Spencer, da minha cidade...
— Muito prazer, Spencer. Preciso de um pano, Brian. Saia da frente, tá?! — diz, afastando-me da pia, e não consigo deixar de reparar no pedacinho da renda do seu sutiã preto aparecendo por baixo do collant...
— Achei o sal! — grita Antígona, e Alice sai correndo da cozinha com o pano molhado.
— Aquela era Alice...
— É... Existe mesmo alguma coisa entre vocês, Bri...
— Você acha?
— Tenho certeza. Só pelo jeito como ela mandou você sair da frente...
Mando ele se danar e saímos da cozinha.
No corredor, encontramos Patrick e Lucy, chegando juntos e trazendo caixas idênticas de suco de laranja, o que me parece estranho, mas acabo encarando como uma coincidência. Sinto uma pequena pontada de angústia por ainda não ter contado a Spencer sobre o Desafio, mas acho muito improvável que isso venha à tona numa conversa casual. Então, faço as apresentações com muita animação.
— E aí, como vocês conheceram o Brian? — pergunta Spencer, tentando se comportar bem.
— Ele está na equipe com a gente — responde Patrick.
— Que equipe? — quis saber Spencer, dando um gole na lata de cerveja.
— A equipe do Desafio Universitário — explica Patrick, antes de dar um passo ágil para trás, bem a tempo de evitar o jato de cerveja...
— Você está brincando! — exclama Spencer, limpando a boca com as costas da mão.
— Não... — digo, cuidadoso. — A equipe é composta por nós três e Alice...
— Você não me contou nada...
— Não tive oportunidade — respondo, pedindo desculpas a Patrick e Lucy com um sorriso.
— Puta merda! Brian Jackson no Desafio Universitário...
— É...
— Embora, tecnicamente, Brian seria apenas o reserva... — acrescenta Patrick. — Se um dos componentes do time não estivesse com hepatite...
— Você vai aparecer na televisão... — ri Spencer.
— Uh-hum.
— Quando?
— Em três semanas.
— Com Bamber Gascoigne...?
— Sim, com Bamber Gascoigne.
— Você parece achar isso engraçado — observa Patrick, com um sorriso tenso.
— Não, não, desculpe, não, é que, bem, acho que é... incrível. Muito bem, Brian, amigão. Você sabe como eu sou um grande fã do programa... — e começa a rir de novo.
Patrick funga e diz:
— Acho que vou pegar uma bebida... — pondo a caixa de suco de laranja debaixo do braço e dirigindo-se à cozinha seguido por Lucy, sorrindo envergonhada, e, quando eles saem, eu falo:
— Mandou bem, Spencer...
— O quê? O que eu fiz agora?
— Você acabou de rir na cara deles. Só isso.
— Não, não ri.
— Bem, sim, você riu.
— Bom, sinto muito, Bri, mas sempre me perguntei que espécie de louco reprimido e esquisito iria querer participar desse programa, e acabou sendo você, Brian. É... Você... — Ele ri de novo, o que me faz rir também, e mando ele ir se danar, e me pergunto se é natural melhores amigos ficarem mandando um ao outro se danar tanto assim.
Decidimos explorar o andar de cima e encontramos a porta de um quarto com uma placa de Não entre feita à mão, presa na porta com fita adesiva.
Entramos, e vemos um círculo de sete ou oito pessoas, todas sentadas no chão passando um cigarro de maconha e ouvindo Chris, com as unhas sujas, descrever sua jornada épica Cruzando o Paquistão sem um rolo de papel higiênico. Tudo acompanhado por uma das primeiras músicas de Van Morrison. Segurando o braço de Chris, está sua namorada, que, se não me engano, se chama Ruth.
— Vem, vamos embora — sussurro para Spencer. Mas Chris me escuta, e se vira:
— Aê, Brian!
— E aí, Chris! Chris está no meu grupo de estudos. Chris, esse é o meu melhor amigo, lá da minha cidade, Spencer...