Agora, estou só de colete e cueca. Então, era de se pensar que a resposta seria óbvia.
— Eu? Deus, não.
— Ou apanhou...?
— Ah, uma ou duas vezes, sabe... De uns idiotas do jardim de infância e algumas brigas em pubs. Felizmente, sou faixa preta em me esconder debaixo da mesa.
Ela sorri, pega minhas roupas e desvia o olhar. Começa a sacudir e a dobrar tudo com todo o cuidado.
— Então, ele não machucou você? — pergunto.
— Quem?
— Spencer, na briga.
— Quando?
— Eu vi ele empurrar você contra a parede...
— Ah, não foi nada... Só um galo na cabeça. Por quê? Dá pra ver o hematoma? — ela se vira e reparte o cabelo na cabeça com uma das mãos. Eu fico atrás dela e afasto o cabelo para um lado sem prestar muita atenção, só respirando fundo. Alice cheira a vinho tinto e algodão limpo, pele quente e xampu, e sinto um desejo esmagador de beijar o alto da sua cabeça, a pequena área onde está o hematoma. Eu podia fazer isso. Podia me inclinar, dar um beijo e dizer pronto, um beijinho para sarar! ou algo assim, mas tenho um pouco de orgulho e, em vez disso, toco com cuidado o local avermelhado.
— Está sentindo alguma coisa? — ela pergunta.
Alice, você nem imagina...
— Só um pequeno hematoma. Nada demais.
— Tudo bem — diz, começando a pendurar minhas roupas no aquecedor. Ainda estou só de colete e cueca, e uma olhada rápida para baixo revela um volume suspeito. Então, visto logo a calça de ginástica e o velho suéter que ainda está com o cheiro dela.
— Eu tenho um pouco de uísque. Você quer?
— Claro que sim — respondo, depois sento na cama e observo enquanto ela lava duas xícaras de chá numa pia.
Na luz do abajur em cima da mesa, noto que a pele no alto de suas coxas é muito branca e tem umas covinhas, como massa de pão, e, quando ela se vira de lado, eu vejo, ou penso que vejo, um pequenino tufo de cabelo castanho-claro escapando pela parte de cima da calcinha, na pequena saliência macia do seu ventre.
— Então, o que você vai fazer a respeito?
Eu saio do transe.
— Em relação ao quê?
— Ao seu amigo Spencer.
E lá vai ela de novo: Spencer, Spencer, Spencer...
— Não sei... Conversar com ele amanhã, imagino.
— E por que você estava andando por aí debaixo de chuva?
— Eu só queria dar umas horas pra ele ir dormir. Vou voltar logo... — digo, fingindo um pequeno tremor.
Ela me entrega uma xícara com três dedos de uísque.
— Bem, mas você não pode voltar hoje. Vai ter que dormir aqui...
É a minha deixa para fingir alguma resistência.
— Ah, não, tudo bem, não tem problema, eu preciso voltar... — Na verdade, estou me sentindo bem quentinho agora, mas tento fazer meus dentes baterem, o que é muito mais difícil do que você imagina. Por isso, paro de forçar a barra e digo em voz baixa: — Vou tomar isso e sair.
— Brian, você não pode sair desse jeito, olha só os seus sapatos...! — Meus sapatos de camurça, arruinados, estão em cima do aquecedor como pãezinhos quentes, e dá para ouvir a chuva e o vento batendo com força na janela. — Eu me recuso a deixar você ir embora. Vai ter que dormir comigo essa noite. — A cama é de solteiro. É uma cama estreita. Muito estreita. Parece mais uma prateleira.
— Ah, bem… Já que você insiste...
31
PERGUNTA: Descoberto acidentalmente pelo físico holandês Pieter van Musschenbroek em 1746, e também pelo inventor alemão Edwald Georg von Kleistem em 1745, a jarra de Leyden é um recipiente de vidro vedado usado para armazenar o quê?
RESPOSTA: Eletricidade estática.
Há certas coisas que a gente espera de um homem aos 19 anos. Por exemplo, supõe-se que, aos 19, eu já tivesse viajado de avião, dirigido uma motocicleta, um carro, marcado um gol ou conseguido fumar um cigarro. Aos 19, Mozart já tinha composto sinfonias e óperas, tocado para os reis e rainhas da Europa. Keats já havia escrito Endymion. Até Kate Bush já tinha gravado seus dois primeiros álbuns em estúdio, enquanto eu nunca experimentei milho-verde enlatado.
Mas devo dizer que não me importo muito com essas coisas, porque, essa noite, vou conseguir realizar uma grande façanha. Pela primeira vez na vida, vou passar a noite inteira na cama com alguém.
Aliás, seria bom reformular. No verão passado, dividi uma tenda com Spencer e Tone em Canvey Island, e foi bem aconchegante. Também dormi na mesma cama que minha mãe nas duas noites depois da morte do meu pai. E, na noite anterior ao funeral, dividi minha cama de solteiro com uma prima irlandesa, Tina, mas óbvio que essa última não conta, pois, deixando de lado as circunstâncias sombrias e o tabu do incesto, a prima Tina era, e continua a ser, uma pessoa extremamente violenta. Então, para deixar claro: nunca, na minha vida adulta, dividi uma cama durante uma noite inteira com alguém do sexo oposto que não fosse um parente próximo e/ou do qual eu não tivesse medo. Até agora.
Ficamos acordados por mais ou menos uma hora, tomando uísque, sentados na cama um ao lado do outro conversando e ouvindo Tapestry e o novo álbum do Everything But The Girl. Já que ia ficar ali pelo resto da noite, relaxei um pouco e começamos a nos divertir, nos divertir de verdade, relembrando a festa, a briga, a expressão de Patrick ao tentar se lembrar do nome do Spencer. Alice se sentou bem juntinho a mim, as pernas cruzadas na frente e a camiseta cobrindo a barriga em nome do decoro, mas, quando ela não estava percebendo, consegui dar uma olhadinha em suas coxas rosadas e macias e o comecinho de cada perna.
— A propósito... — diz Alice. — Tenho algo a contar.
— O quê? — pergunto.
Espero ouvir Estou apaixonada pelo Spencer ou coisa assim.
— São boas notícias... — continua, prolongando o momento.
— Vá em frente...
— Eu... sou... Hedda Gabler!
— Parabéns! Que notícia incrível!
Para ser honesto, torci secretamente para que ela não conseguisse o papel. Em parte porque isso significa que vai passar o tempo todo estudando, e em parte porque, como muitos atores, às vezes Alice consegue ser incrivelmente chata quando entra nesse assunto. Mas que nunca seja revelado meu enorme talento para a dissimulação.
— Isso é maravilhoso! A epônima Hedda! Você vai ser o máximo! Estou tão feliz! — Dou um abraço nela e beijo sua bochecha, pois, afinal de contas, não faz mal tirar um pouco de vantagem da coisa toda.
— Ei, você ainda vai participar do Desafio Universitário, não vai?
— Com certeza. Eu verifiquei. As datas não coincidem, mesmo que a gente passe para a segunda rodada...
— O que vai acontecer.
— O que vai acontecer...
Em seguida, conversamos durante mais uma hora sobre os muitos e variados desafios no decorrer do percurso de Hedda Gabler, o que não é fácil, porque, para ser honesto, não li o livro. Então, deixei minha mente passear e aproveitei a ocasião para passar um tempo olhando para ela, e a ouvi dizendo:
— …e a melhor coisa é que Eilert Lövborg vai ser interpretado por Neil MacIntyre...
— Quem é Neil...?
— Lembra... Ele foi aquele Ricardo III incrível no último semestre...