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— Ah, ele! — respondo, querendo dizer Ah, aquele imbecil com o tamborim!

Neil MacIntyre é o metido a ator que passou a maior parte do semestre passado mancando de muletas pelo bar dos estudantes para entrar no personagem. Senti vontade várias vezes de chutar a bengala, mas Alice está bastante entusiasmada com a experiência que ia ter e fica cada vez mais animada e passional, balançando as mãos pelo ar, mordendo os lábios e passando a mão na testa. Em suma, ela está repassando toda a performance, cena por cena. Por isso, tento ficar acordado descansando um pouco os olhos quando ela não estava notando e dando umas olhadas para a imagem desbotada do Snoopy na camiseta dela, na altura dos seios, levantando e descendo conforme a respiração, ou para a pele clara das coxas, tirando pequenas fotografias mentais.

312

Enfim, depois de Hedda jogar o manuscrito de seu amado Lövborg nas chamas e cometer suicídio fora do palco, Alice fala:

— Puxa, estou morrendo de vontade de fazer xixi — e sai pelo corredor em direção ao banheiro comunitário. Assim que ela sai, aproveito para, furtivamente, usar seu desodorante roll-on Cool Blue embaixo dos braços e ajustar o ângulo do despertador na mesinha de cabeceira, na esperança de impedir que ela visse que já eram três horas da manhã e começasse a ficar sonolenta. Porém, quando volta para o quarto, a primeira coisa que Alice faz é bocejar e dizer:

— Hora de dormir — e vai até a pia e começa a escovar os dentes.

— Você vai ter que usar minha escova, desculpe — comenta com a boca cheia de espuma. — Espero que não se importe.

— Não me importo, se você não se importa.

— Então, pode usar.

Pego a escova e a enxáguo embaixo da torneira, mas não muito, e ficamos lado a lado na pia enquanto eu escovo os dentes e ela tira a maquiagem com uma loção adstringente azul. Há um momento meio cômico em que eu cuspo — sem querer na sua mão quando ela vai pegar uma almofadinha de algodão do outro lado da pia. Nossos olhares se encontraram no espelho e Alice riu ao limpar minha espuma de menta do pulso. Penso haver algo de aconchegante e familiar no momento, como se estivéssemos nos preparando para dormir após receber nossos amigos mais próximos num maravilhoso e bem-sucedido jantar comemorativo, mas não digo nada disso em voz alta, pois, afinal, não sou um grande e completo cretino.

Tiro o suéter verde e a calça de moletom, tomando cuidado para não parecer muito provocante, sexualmente falando, e penso em ficar com as meias de escalada, pelo conforto. No entanto, não é um visual legal, cueca e meias. Por isso, tiro as meias e as coloco perto da cama, por via das dúvidas.

— Você quer ficar do lado da parede ou...? — pergunta ela.

— Então, eu fico do lado da parede, tudo bem?

— Tudo bem...

— Você tem um copo de água?

— Tenho. — Ela entra debaixo da colcha de retalhos feita à mão, e eu vou atrás.

No começo, não nos tocamos muito, não de propósito, e nos acotovelamos um pouco ao percebermos o quanto a cama é pequena. Enfim nos ajustamos no que parece ser uma posição funcional, que envolve nos deitarmos dobrados em paralelo, como duas aspas, mas não ouso tocar nela, como se Alice fosse uma cerca elétrica. O que, de certo modo, é verdade.

— Confortável? — pergunta ela.

— Uh-hum.

— Furma fem, Brian.

O quê?

— Furma fem?

— É uma coisa que meu pai costumava dizer, em vez de durma bem.

— Furma fem você também, Alice.

— Você apaga a luz?

— Você não quer dizer apaga a fuz? — brinco, o que considerei algo bem espirituoso de se inventar às 3h42 da manhã, porém ela não diz nada, não emite nenhum som, e, então, apago a luz. Por um momento, me pergunto se isso serve como um catalisador para perdermos as inibições e soltar nossos potentes anseios mútuos secretos, mas só deixo o quarto escuro. Deitamos exatamente como antes, em aspas, sem nos tocarmos, e logo fica claro que será impossível de aguentar ficar quieto e não tocar nela. Por isso, relaxo ligeiramente e minha coxa toca a curva da sua nádega esquerda, e ela não se encolhe nem dá uma cotovelada na minha, digamos, região pélvica; por isso, suponho que não haja problema.

Mas percebo que não sei bem o que fazer com os braços. O braço direito embaixo do meu torso começa a formigar, e, então, me mexo e bato nos rins de Alice.

— Ai!

— Desculpe!

— Tudo bem...

Só que meus braços estão meio pendurados na minha frente, em ângulos esquisitos, feito uma marionete com os fios cortados, e tento me lembrar do que costumo fazer com os braços quando estou sozinho na cama, o que, aliás, foi o caso no decorrer de toda a minha vida. Tento dobrar esses membros novos e esquisitos em cima do peito, o que também não parece muito certo, e Alice se mexe um pouco mais para perto da parede, arrastando o edredom com ela e deixando meu traseiro na beira da cama e uma corrente de ar invadindo minha cueca samba-canção. Tenho que decidir entre puxar a coberta de volta, o que pode parecer um pouco indelicado, ou arriscar chegar mais perto, que é o que faço, e fico encolhido e encostado nas costas dela, o que é maravilhoso, e acho, inclusive, que isso seja tecnicamente chamado de dormir de conchinha. Sinto o subir e descer da respiração dela e tento sincronizar com a minha, na esperança de que isso me ajudasse a adormecer, embora dormir pareça improvável, visto que meu coração está batendo muito, muito rápido.

Depois, o cabelo dela entra na minha boca. Tento afastar o chumaço contraindo toda uma variedade de músculos faciais, mas não parece funcionar; então afasto a cabeça o máximo possível, porém o cabelo continua lá, enfiando-se pelo meu nariz. Meus braços continuam dobrados em cima do peito, encostados nas costas de Alice, e preciso me curvar para trás para me libertar e afastar o cabelo, mas meu braço esquerdo fica para fora do edredom, frio, e não sei o que fazer com ele, e o braço direito começa a formigar, de câimbra ou devido a um infarto iminente, e o desodorante nas axilas está com um cheiro muito Cool and Blue, e minha samba-canção fica do lado de fora, mais uma vez sujeita à corrente de ar, meus pés estão gelados e começo a me perguntar se devia me esticar e pegar as meias ou...

— Você é bem inquieto, hein? — murmura Alice.

— Desculpe... Ainda não descobri o que fazer com os braços!

— Aqui... — e ela fez a coisa mais incrível do mundo. Pega meu braço e o puxa em volta de si, debaixo da camiseta, de modo que minha mão repousou na pele quente de sua barriga e acho que sinto a curva do seu seio encostando em mim.

— Melhor?

— Muito melhor.

— Com sono? — pergunta. É uma pergunta ridícula, considerando que ela está com seio direito roçando o meu pulso.

— Na verdade... Não.

— Eu também não. Conversa comigo.

— Sobre o quê?

— Qualquer coisa.

— OK. — E resolvo pegar o touro pelos chifres. — O que você achou do Spencer?

— Gostei dele.

— Você achou ele legal?

— Sim! Um pouco machão, um pouco arrogante... — explica, com um sotaque metido — …meio caipira, mas achei superlegal. E ele gosta muito de você.

— Bom, não sei quanto a isso...

— Não, gosta sim. Você devia ter ouvido ele elogiando você.

— Achei que ele estava dando em cima de você...

— De jeito nenhum! Foi o contrário disso... — diz ela.

O que isso quer dizer?

— Como assim? — pergunto.

Ela hesita, vira um pouco a cabeça e explicou:

— Bem... parece que ele acha que você... tem uma quedinha por mim.