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— Spencer disse isso? A você, hoje à noite?

— Disse.

Aí está. Ela sabe. Não sei o que dizer, nem para onde olhar. Por isso, rolo e fico de barriga para cima e solto um suspiro.

— Bom, obrigado, Spencer, muito obrigado...

— Ele não teve intenção de te prejudicar.

— O que mais ele disse?

— Bom, ele estava bem bêbado, mas disse que você é um cara muito legal e... Bem... as palavras exatas foram que você, às vezes, pode ser meio imbecil, mas que, na verdade, é leal e decente, que não tem muitos caras como você por aí, e que, se tivesse algum juízo, eu deveria... sair com você.

— Spencer disse tudo isso?

— Disse.

A imagem de Spencer embaixo do poste, na garoa, com a mão na testa, e eu me afastando, passa pela minha cabeça.

— No que você está pensando? — pergunta Alice, voltando a olhar para a parede.

— Hum... Não sei.

— Mas imagino que seja verdade, não é? Achei que poderia ser verdade.

— E tão óbvio assim?

— Bom, acho que já notei você olhando pra mim de vez em quando. E também teve aquele nosso jantar...

— Meu Deus! Eu tenho tanta vergonha daquele jantar...

— Não. Foi legal. Só que...

— O quê?

Ela fica em silêncio por um momento, depois respira fundo e aperta a minha mão, o tipo de gesto que se faz para avisar alguém que seu hamster morreu, e me preparo para o velho discurso do vamos ser amigos. Mas ela se vira e olha para mim, põe o cabelo atrás da orelha e quase vejo seu rosto na luz alaranjada do despertador.

— Não sei, Brian... Eu sou um mau negócio, sabe...

— Não é verdade...

— Sou, sim, é verdade. Todos os relacionamentos que tive terminaram com alguém saindo magoado...

— Eu não me importo...

— Eu me importaria se fosse você. Quer dizer, você sabe como eu sou...

— Eu sei... Você me contou. Mas já falei: não me importo. Não é melhor tentar? Quer dizer, não seria melhor dar uma chance, ver como a gente se dá? Dependeria só de você, claro, porque você pode não gostar de mim...

— Bom, claro que andei pensando a respeito. Mas não é você. Não tenho tempo para esse negócio de namoro, com o papel da Hedda, a equipe e tudo o mais. Dou muito valor à minha independência...

— Eu também dou valor à minha independência! — afirmo, embora seja uma mentira de proporções épicas, claro. O que se pode fazer com independência? O que é independência? Independência é ficar encarando o teto no meio da noite com as unhas cravadas nas palmas das mãos. Independência é perceber que a única pessoa com quem você falou o dia inteiro foi o cara da loja de bebidas. Independência é comer um sanduíche no Burger King num sábado à tarde. Quando se refere à independência, Alice fala de algo bem diferente. Independência é prerrogativa de pessoas muito confiantes, ocupadas, populares e atraentes que não sentem algo tão simples e banal como a solidão.

E não se engane: a pior coisa que existe é ser solitário. Conte para alguém que você tem problemas com bebida ou algum distúrbio alimentar, ou que seu pai morreu quando era pequeno, e quase dá para ver os olhos da pessoa se iluminarem com aquele drama absoluto e fascinante e demonstrarem compaixão, porque você tem um problema, algo com o que podem se envolver, conversar e analisar, talvez até curar. Mas, se você disser que é solitário, as pessoas parecem solidárias, mas, preste bem atenção, e verá a mão sorrateira passar por suas costas e pegar a maçaneta rumo a uma súbita retirada, como se a solidão em si fosse contagiosa. Porque ser solitário é muito banal, vergonhoso, comum, e simplesmente chato e feio.

Bem, fui solitário feito uma cobra minha vida toda e estou cansado disso. Quero ser parte de um time, de uma parceria; quero sentir o murmúrio de admiração, de inveja e alívio, quando entrarmos juntos numa sala e todos disserem graças a Deus nós agora estamos bem, porque eles estão aqui. Mas também seria bom sermos um pouco assustadores, meio intimidadores, afiados como uma navalha — Dick e Nicole Diver em Suave é a noite, glamourosos e sexualmente atraídos um pelo outro, feito Burton e Taylor, ou como Arthur Miller e Marilyn Monroe, porém estáveis e sensatos e constantes, sem os surtos psicológicos, a infidelidade e o divórcio. Claro que não posso dizer nada disso em voz alta, pois nada nesse momento poderia assustar mais Alice, a não ser talvez tirar um machado do nada, e nem posso usar a palavra solitário, pois isso tende a deixar as pessoas desconfortáveis. Então é isso que eu deveria dizer? Respiro fundo, suspiro, ponho a mão na cabeça e falo, enfim:

— Tudo o que sei é que acho você absolutamente maravilhosa, Alice, e claro que muito bonita, não que isso importe, e que adoro estar com você, passar tempo com você, e acho que, bem... acho que nós deveríamos... — e, então, há uma pausa, e aí eu beijo Alice Harbinson.

E nós estamos nos beijando, mesmo, nos beijando na boca e tudo o mais. No começo, seus lábios estavam quentes, mas secos e um pouquinho rachados, e sinto um pedaço de pele rígida e morta no seu lábio inferior, que considero arrancar com os dentes, mas penso que talvez seja audacioso demais dar uma mordida logo no comecinho do beijo. Talvez eu pudesse tirar com o beijo. Será que dá? Dá para tirar pele morta com o beijo? O que seria preciso fazer? Estava prestes a tentar quando Alice afasta a cabeça, e, quando acho que talvez tenha estragado tudo, ela sorri, leva a mão à boca, arranca a pele morta do lábio, deixando-o cair ao lado da cama. Depois, limpa os lábios com as costas da mão, olha para conferir se não tem sangue, passa a língua por eles e nos beijamos de novo, e é o paraíso.

Quando se trata de beijos, obviamente não sou nenhum especialista, mas tenho certeza de que esse foi um beijo bom. Bem diferente da experiência com Rebecca Epstein. Rebecca é uma ótima pessoa, muito divertida e tudo o mais, mas seu beijo é meio áspero. A boca de Alice não tem aspereza nenhuma, só maciez e calor, e, apesar do leve bafo quente e mentolado, que deve ser meu, eu estava no paraíso, ou estaria, se, de repente, não percebesse que não sabia o que fazer com a minha língua, que resolveu ficar densa e carnuda, como se fosse embalada a vácuo. Será que uma língua ficaria bem aqui?, me pergunto. E a resposta vem com a língua dela tocando meus dentes com leveza, depois pegando uma das minhas mãos e pondo em cima do Snoopy deitado na casinha na camiseta, em seguida por dentro da camiseta, e, depois disso, confesso que tudo ficou meio turvo.

32

PERGUNTA: Qual era o nome mais conhecido do filho do rabino húngaro Eric Weisz, famoso pelos seus feitos de escapismo e desaparecimento?

RESPOSTA: Harry Houdini.

Na manhã seguinte, nos beijamos um pouco mais, mas com um impulso erótico menos ardente do que na noite anterior, já que estamos à luz do dia e ela pode ver com o que está lidando. Além do mais, Alice tem Oficina de Máscaras às 9h15. Por isso, pouco depois das 8h estou com meus sapatos enlameados nas mãos rumo à porta.

— Tem certeza de que não quer que eu acompanhe você?

— Não, não, tudo bem...

— Certeza?

— Preciso arrumar meu material, tomar um banho, essas coisas...

Eu me sentiria muito feliz em ficar para ver isso, e, de certo modo, acho até que mereço, mas é um banheiro comunitário, o que, obviamente, torna as coisas difíceis. Além do mais, tenho de me lembrar: seja distante, dê uma de desinteressado...