A água na chaleira ainda não está fervendo.
Finalmente, ela diz:
— Achei que você fosse direto para o hospital.
— Perdi o horário de visitas do almoço. Vou mais tarde.
— Eu não estava esperando você.
— É... Bem... Isso é óbvio. A banheira do tio Des está quebrada?
— Não use esse tom comigo, Brian...
— Que tom?
— Você sabe que tom — ela sorve o resto do vinho. A chaleira, enfim, apita.
— Você está fazendo café?
— Aparentemente...
— Prepare um para mim. Depois, venha para a sala. Precisamos ter uma conversinha.
Ah, Deus! Meu coração pesa. Vamos ter uma conversinha, uma discussão franca, um desabafo de coração aberto. Vamos conversar como adultos. Até ali, estava conseguindo evitar esse tipo de coisa. Meu pai morreu antes de ter que fazer teatrinho de quando um homem e uma mulher se amam, e acho que minha mãe deve ter achado que isso não era relevante ou que eu descobriria sozinho o estranho mistério do amor físico, de uma maneira ou de outra, o que acabei fazendo, usando uma caçamba de lixo nos fundos do Littlewoods como apoio. Mas, daquela vez, não vai dar para escapar. Pego duas canecas e coloco o pó de café, tentando entender a coisa toda. Tento me convencer de que deve haver alguma explicação inocente para o tio Des estar na nossa banheira às 13h no Dia dos Namorados, mas não consigo achar. Tudo o que vem à mente é a explicação evidente, e a explicação evidente é... impensável. Tio Des e minha mãe. Tio Des, que mora três casas rua abaixo, e minha mãe, na cama, juntos, em plena luz do dia. Tio Des e minha mãe fazendo...
A água ferve.
Minha mãe está na sala, tragando um Rothmans e olhando pela cortina. Entrego a ela uma das canecas de café e me sento desanimado no sofá, em silêncio, me perguntando se é assim quando a esposa resolve revelar que quer o divórcio.
Noto meu cartão do Dia dos Namorados na mesinha de centro, um cartão-postal com uma pintura de Chagall.
— Então, você recebeu um cartão, hein?
— O quê? Ah, sim. Muito obrigada, querido. Muito bonito.
— Como sabe que fui eu quem mandou? — pergunto, numa tentativa esfarrapada de humor.
— Bom, você escreveu Para mamãe. Então... — ela tenta sorrir, depois vira outra vez para a janela e sopra a fumaça na vidraça, com tanta força que a cortina se move. Depois de um tempo, diz: — Brian, seu tio Des e eu estamos tendo... — estava prestes a dizer um caso, mas trocou por — ...tendo um... relacionamento.
— Há quanto tempo?
— Já faz um tempo. Desde outubro.
— Desde que eu fui embora, então?
— Mais ou menos. Ele veio jantar uma noite, para me fazer companhia, e uma coisa levou a outra, e, bom, eu ia contar, Brian, no Natal, mas você não ficou muito tempo e eu não queria dizer pelo telefone...
— Não. Claro... Posso imaginar... — murmuro. — Então, é... é sério?
— Acho que sim. Bem... — ela dá outra tragada, aperta os lábios, solta a fumaça e fala: — …para falar a verdade, temos conversado sobre nos casarmos.
— O quê?
— Ele me pediu em casamento.
— Tio Des?
— Sim.
— Casar com ele?
— Brian...
— E você disse sim?
— Eu sei que vocês não se dão bem, sei que não gosta dele, mas eu gosto, gosto muito do Des. Ele é um homem bom, gosta de mim, me faz rir. Estou com 41 anos, Brian. Sei que isso deve parecer velho para você... Deus sabe que me sinto velha, às vezes, mas um dia você vai ter 40, antes do que pensa. De qualquer modo, ainda estou... Bem... Ainda... Ainda gosto de uma companhia de vez em quando, Brian... Um pouco de... — dá mais uma tragada e olha para o chão — …Bem, desculpe... Seu pai morreu há muito tempo, Brian, e Des e eu não estamos fazendo nada de errado. Não vou deixar que façam com que eu me sinta como se estivéssemos fazendo algo de errado...
Mas ainda estava tentando absorver tudo aquilo.
— Então, você vai se casar com ele?
— Acho que sim...
— Você ainda não sabe?
— Sim! Sei, eu vou me casar com ele!
— Quando?
— Mais para o fim do ano. Não estamos com pressa.
— E o que acontece depois?
— Ele vai se mudar para cá, morar comigo. Estamos pensando em... — ela faz uma pausa, fica nervosa de novo, não consigo imaginar o que mais ela poderia me contar — …estamos pensando em pôr alguns quartos pra alugar.
Penso nisso e dou risada, não porque ache engraçado, nada daquilo tem a menor graça, mas por não conseguir formular uma resposta apropriada.
— Você está brincando.
— Não, não estou.
— Um albergue?
— É.
— Mas não tem espaço!
— Não para famílias, mas serve para solteiros, ou jovens casais, homens de negócio... Des vai fazer uma reforma no sótão — ela olha para mim, ansiosa, e volta para a cortina — e no seu quarto. Pensamos em talvez desocupar seu quarto.
— E o que acontece com as minhas coisas?
— Achamos que você poderia... levar com você.
— Você está me expulsando do meu quarto!
— Não expulsando, só... pedindo pra você tirar suas coisas.
— E levar para a universidade?
— Sim! Ou isso, ou jogar fora. É só um bando de livros e gibis e aeromodelos, Bri, não é nada de que vá precisar. Você já está crescido, afinal...
— Então, eu estou sendo expulso!
— Não seja bobo, é claro que não. Você ainda pode passar as férias aqui se quiser, e no verão...
— Mas não vai ser a alta temporada para vocês?
— Brian...
— Bom, isso é muito generoso da sua parte e do tio Des, mãe, mas quanto você cobra por noite? — Ouço minha própria voz, esganiçada e teimosa.
— Não faça assim, Brian, por favor...
— O que você espera que eu faça? Quer dizer, eu estou sendo expulso de casa...
Ela se vira e olha para mim, me aponta com o que resta do cigarro e grita:
— Não é mais a sua casa, Brian!
— Ah, é mesmo?
— Sinto muito, mas não é mais! Você esteve aqui, o quê? Por uma semana no Natal? Uma semana, e, mesmo assim, mal podia esperar para voltar para a faculdade. Você não vem nos fins de semana, passa semanas sem me ligar, e também não me escreve. Então, não, na verdade, não, essa não é a sua casa. É minha. É a casa onde moro, sozinha, só eu, todo maldito dia, dia após dia, desde que seu pai morreu. Esse é o lugar em que dormi sozinha todas as noites, e aquilo ali, aquele maldito sofá, é onde fico quase todas as noites sozinha, assistindo à televisão ou apenas encarando a parede, enquanto você está fora, na faculdade, ou, quando me honra com a sua estadia, e fica na rua com seus amigos, ou escondido no quarto, porque acha uma chatice total conversar comigo, com a sua mãe. Você faz ideia do que seja isso, Brian, ficar aqui sozinha, ano após ano após...? — A voz falha, ela cobre o rosto com as mãos e começa a chorar, com soluços longos, pesados e molhados, e, mais uma vez, percebo que não faço ideia do que devo fazer.
— Mãe, calma... — digo, mas ela ergue o braço, gesticulando para eu me afastar.