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Dando continuidade ao minimalismo zen do futon, quero limitar a decoração a uma montagem de cartões-postais com minhas pinturas e fotos favoritas, uma espécie de manifesto pictórico de heróis e coisas que eu adoro na parede em cima do meu travesseiro. Deito no futon e pego a fita-crepe: Madonna Litta, de Henry Wallis; Ofélia, de Millais; Madonna Litta, de Da Vinci; Noite estrelada, de Van Gogh; um Edward Hopper; Marilyn Monroe, de saia de balé, olhando pesarosamente para a câmera; James Dean, num sobretudo longo em Nova York; Dustin Hoffman, em Maratona da morte; Woody Allen; uma foto do meu pai e da minha mãe dormindo em espreguiçadeiras no Butlins; Charles Dickens; Karl Marx; Che Guevara; Laurence Olivier, como Hamlet; Samuel Beckett; Anton Chekhov; eu de Jesus, na montagem da produção de Godspell no último ano da escola; Jack Kerouac; Richard Burton e Elizabeth Taylor, em Quem tem medo de Virginia Woolf?; e uma foto de Spencer, Tone e eu numa excursão da escola a Dover Castle. Spencer está numa pose discreta, cabeça inclinada para baixo e para o lado, com um ar descolado, entediado e inteligente. Tone, como de costume, está fazendo um gesto obsceno.

Por fim, ponho ao lado do travesseiro uma foto do meu pai, magro, porém atlético e vagamente ameaçador, como Pinkie em Brighton Rock, mas à beira-mar em Southend, com uma garrafa de cerveja e um cigarro entre os dedos longos. A figura de topete preto, rosto encovado, nariz longo e fino vestindo um elegante terno de três botões e gola estreita, que, mesmo sorrindo para a câmera, continua muito ameaçador. A foto foi tirada em 1962, quatro anos antes de eu nascer. Então, ele devia ter a mesma idade que tenho agora. Eu adoro essa foto, mas me incomoda pensar que, se me visse aos 19 anos no píer de Southend num sábado à noite, haveria uma boa chance de o meu pai de 19 anos querer me bater.

Alguém bate na porta e, instintivamente, escondo a fita-crepe nas costas. Imagino que seja Josh me pedindo um cigarro ou algo assim, mas é uma loura enorme com cabelo de viking e um bigode quase branco.

— Como está se virando? Tudo bem? — pergunta Josh vestido feito uma drag queen.

— Sim, tudo bem...

— Por que seu colchão está no chão?

— Ah, eu pensei em usar como um futon por um tempo.

— Um futon? Sério? — pergunta Josh, franzindo os lábios com batom como se fosse a coisa mais exótica que ouviu na vida, o que é muita hipocrisia vindo de um cara travestido. — Marcus, vem ver o futon do Jackson! — Marcus enfia a cara no quarto com uma peruca preta de nylon cacheada, saia de hóquei e meias três quartos, funga e desaparece.

— Bom, a gente está de saída. Você quer ir...?

— Desculpe, ir aonde?

— Na Festa Biscates e Vigários, na Kenwood Manor. Vai ser divertida.

— Hum, bem, talvez. É que pensei em ficar lendo e...

— Ah, deixa de ser nerd...

— Eu nem tenho nada para usar...

— Você não tem uma camisa escura?

— Tenho.

— Então, é isso aí. É só pôr um cartão branco debaixo da gola e está pronto. Vejo você em cinco minutos. Ah, e não vai esquecer as dez pratas da cerveja caseira, tá? Aliás, adorei o que você fez com o quarto...

4

PERGUNTA: A energia de interação entre dois prótons está diretamente relacionada à separação entre eles. Quais são as forças entre os prótons quando a separação entre eles é, respectivamente, a) pequena e b) intermediária?

RESPOSTA: Repulsiva e atrativa.

 

Como sou um homem experiente e sofisticado, sei o valor de forrar o estômago antes de uma noitada. Por isso, compro um saco de batata frita e umas salsichas para comer a caminho da festa. Começa a chover, mas como o máximo de batatas fritas que consigo antes que elas fiquem frias e molhadas. Marcus e Josh andam a passos largos na minha frente, confiantes em seus saltos altos, indiferentes aos olhares melancólicos das pessoas que passam por nós. Imagino que garotos vestidos como elegantes drag queens seja uma das inevitáveis infelicidades de se morar em uma cidade universitária. Logo, logo, será a semana dos calouros, e as folhas ficarão cor de bronze, as andorinhas voarão para o sul e o shopping vai ficar lotado de médicos em trajes de enfermeiras sensuais.

No caminho, Josh me bombardeia com perguntas.

— O que você vai cursar, Brian?

— Letras.

— Poesia, né? Eu vou fazer Economia Política e Marcus vai fazer Direito. Você pratica algum esporte, Brian?

— Só palavras cruzadas.

— Palavras cruzadas não são um esporte — funga Marcus.

— Porque você não viu como eu jogo! — replico, rápido como um relâmpago.

Mas ele não parece achar graça, porque faz uma careta e diz:

— Não importa como você joga. Não é um esporte.

— Não, eu sei. Só estava...

— Você curte futebol, críquete ou rúgbi? — pergunta Josh.

— Nada disso, para falar a verdade...

— Então, não é um tipo esportista?

— De jeito nenhum.

Não consigo deixar de me sentir como se estivesse sendo avaliado para entrar em um clube particular e sendo reprovado.

— Como é o seu squash? Estou precisando de um parceiro.

— Nada de squash. Badminton, às vezes.

— Badminton é jogo para meninas — diz Marcus, ajustando as tiras das sandálias.

— Você tirou um ano de férias?

— Não...

— Foi a algum lugar legal nesse verão?

— Não...

— O que os seus pais fazem?

— Bem, minha mãe trabalha como caixa no Woolworths. Meu pai vendia janelas de vidro isolante, mas já morreu.

Josh aperta meu braço e diz:

— Sinto muito, mesmo — mas não fica claro se está se referindo à morte do meu pai ou ao trabalho da minha mãe.

— E os seus pais?

— Ah, meu pai trabalha no Ministério de Relações Exteriores e minha mãe no Departamento de Transporte.

Meu Deus, ele é do Partido Conservador! Ou ao menos imagino que seja. Se os pais são conservadores, isso tende a ser coisa de família. Quanto ao Marcus, não me surpreenderia se soubesse que faz parte de alguma Juventude Nazista.

Finalmente, chegamos a Kenwood Manor. Estava fugindo das salas de convívio da faculdade, pois, na matrícula, me disseram que eram lugares chatos, caretas e cheios de cristãos. A realidade está entre um asilo de loucos e uma escola pública pequena — com longos corredores ecoando, assoalho de tacos de madeira, cheiro de roupa de baixo úmida secando no calor de um aquecedor e a sensação de que alguma coisa horrível está acontecendo em algum banheiro.

A remota batida de Dexys Midnight Runners nos leva por um grande corredor até um salão forrado de madeira com janelas altas e poucos alunos, mais ou menos sete partes de biscates e três partes de vigários, sendo que as biscates se dividiam mais ou menos em 50% de mulheres e 50% de homens. Não é uma visão bonita. Homens fortões e algumas mulheres de meias-calças artisticamente rasgadas e sutiãs com enchimento, apoiados nas paredes como, bem, biscates, com aristocratas vice-reitores eduardianos olhando com desprezo do alto de suas molduras.

— A propósito, Bri, você não teria aquelas dez pratas aí com você...? — insinua Josh, franzindo a testa. — Da cerveja caseira?