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Quando a campainha toca, suponho que seja algum vizinho vindo ver como está minha mãe. Ela atende e escuto uma voz que não reconheço no vestíbulo. Daí, ela abre a porta da sala, com a camisola bem fechada, e fala com a voz certinha engraçada que usa para visitas importantes.

— Tem alguém querendo falar com você, Brian!

Ela dá um passo para o lado e Spencer Lewis entra.

— Tudo bem, Bri?

Eu me sento no sofá.

— Tudo bem, Spencer?

— O que você está fazendo?

— Nada.

— Quer uma Coca, Spencer? — pergunta minha mãe.

— Sim, por favor, Sra. Jackson.

Minha mãe sai discretamente da sala e Spencer vem se sentar ao meu lado no sofá.

É difícil enfatizar a importância de uma visita de Spencer Lewis. Nós nem somos amigos ou coisa assim. Nem mesmo tínhamos nos falado antes, a não ser um ocasional insulto no campo de futebol ou um aceno de cabeça na fila do caminhão de sorvete. Não parece haver uma explicação plausível para alguém tão maneiro, popular e durão como Spencer Lewis vir me visitar, um garoto maluco que usa o uniforme da escola no sábado. Mas aqui está ele, sentado no sofá.

— O que você está assistindo?

— Swap Shop.

— Eu odeio essa droga de Swap Shop — diz ele.

— É, eu também — concordo, sarcástico, embora secretamente goste do programa. Ficamos em silêncio por um momento ou dois, então ele diz:

— Eu chamei sua mãe de Sra. Jackson sem querer. Você acha que ela se incomoda?

— Não. Tudo bem.

A não ser por essa pergunta, ele não menciona a morte do meu pai de nenhuma outra maneira, nem questiona sobre o funeral ou como estou sentindo, graças a Deus, pois isso seria embaraçoso; afinal, somos garotos de 12 anos de idade. Em vez disso, ele senta-se, bebe Coca sem gás e assiste à televisão comigo. Diz quais bandas são uma bosta e quais são boas, e acredito nele, concordo com tudo o que ele fala. Sinto-me como se um artista de cinema estivesse me visitando, ou alguém melhor que um artista de cinema, alguém como Han Solo. E sinto aquilo como um ato de absoluta bondade.

A perna esquerda de Spencer quebrou em três lugares, e a direita em dois. A clavícula trincou, o que é particularmente doloroso, pois é um local impossível de se engessar e, por isso, ele não consegue mexer a parte superior do corpo. Os braços parecem estar bem, mas há alguns cortes nas palmas das mãos e nos antebraços, por causa do vidro quebrado. Felizmente, não há danos na coluna ou no crânio, mas seis costelas estão fraturadas no ponto em que bateram no volante. Isso torna a respiração dolorosa e dormir sem auxílio, impossível; portanto, ele está sob muita medicação. O nariz estava quebrado, vermelho e inchado, e, acima do olho direito, há um corte feio, com seis pontos grossos e pretos. O olho em si está bem preto, roxo e inchado, semifechado. O alto da cabeça tem várias cicatrizes vermelho-escuras, por causa do para-brisa estilhaçado, bastante visíveis por baixo do cabelo curto, e ainda há alguns pontos na orelha esquerda, na qual o lóbulo foi parcialmente arrancado pelo vidro quebrado.

— Mas... E fora isso?

— Fora isso, estou me sentindo muito bem, na verdade — responde Spencer, e nós dois rimos por um tempo, antes de afundarmos de novo no silêncio.

— Você acha que eu estou arrebentado! Você devia ver a árvore! — brinca ele, não pela primeira vez, imagino, e rimos de novo, com Spencer se contraindo ao mesmo tempo por causa da dor nas costelas e na clavícula.

Ele está tomando remédios, claro. Não sabe exatamente quais remédios, mas são mais fortes que aspirina. Ele acha que é algum opiáceo. Parece estar funcionando, pois um sorriso anormal passa pelos cantos de sua boca. Nada perturbador, como o de Jack Nicholson no fim de Um estranho no ninho, mas aparenta um humor vagamente inapropriado. O discurso, sempre tão direto e afiado, está grogue e distante, como se ele enfiasse a mão na boca.

— Mas, ainda assim, a boa notícia é que adiaram o julgamento do meu caso... Aquele lance de burlar o seguro-desemprego...

— Isso é bom.

— É... Quase faz tudo isso valer a pena. Você não tem um cigarro, tem?

— Spencer, eu não fumo.

— Estou louco por um cigarro. E por uma cerveja.

— Isso é um hospital, Spencer...

— Eu sei, mas ainda assim...

— Como é a comida? — pergunto.

— Não é muito saborosa.

— E as enfermeiras?

— Não são muito saborosas.

Sorrio e emito um som para mostrar que estou rindo, pois estou fora do seu campo de visão e ele não parece capaz de mover a cabeça muito bem.

— E quanto a isso...? — aponto para o gesso em suas pernas, as mãos com ataduras... — Vai ter alguma... consequência?

— Ainda não sei. É provável.

— Puta merda, Spencer...!

— Ok, Bri, não começa...

— …mas você devia saber que alguma coisa...

— Você não veio até aqui pra me dar um sermão, veio, Bri?

— Não, claro que não, mas você tem que admitir...

— É, eu sei: não fumar, não brigar, não burlar o seguro-desemprego, não beber e dirigir, usar cinto de segurança, trabalhar duro, frequentar a escola no turno da noite, conseguir qualificações, arranjar algum esquema. Às vezes, você parece uma porra de um filme educativo ambulante, Brian...

— …Desculpe, eu...

— …Nem todos conseguem ser sensatos o tempo todo...

— …Não, eu sei...

— …Nem todos conseguem ser como você...

— …Ei, nem sempre eu sou tão sensato!

— … Mas você entendeu o que eu quis dizer, não é?

Ele não grita essas frases, pois nem consegue gritar, só meio que sibilar entre os dentes, antes de cair de novo em silêncio. Sei que tenho que dizer algo, e ainda não encontrei as palavras certas, mas estou prestes a abrir a boca para tentar quando ele diz:

— Você pode me dar um pouco de água? — Encho um copo plástico e entrego a ele, que se esforça para sentar-se reto, e sinto o cheiro de seu hálito, quente e metálico. — Mas e aí...? — suspira ele, apoiando a cabeça no travesseiro — ...Como vai a Alice?

— Ah, tudo bem. Eu dormi lá uma noite...

— Você tá brincando... Sério? — pergunta com um sorriso sincero. Vira a cabeça no travesseiro e olha para mim. — Então, você está mesmo saindo com ela?

— Bom, estamos indo devagar — digo, meio tímido. — Bem devagar, na verdade, mas, sim, está bom.

— Brian Jackson, seu garanhão...

— Bem, vamos ver... — Sinto que é a hora de fazer a coisa certa, adulta, e respiro fundo. — Alice me contou que você falou bem de mim para ela. Na festa.

— Contou, é? — ele pergunta, sem olhar para mim.

— Eu fui meio babaca com você, não fui?

— Não, não foi...

— Fui, sim, Spencer, um babaca total...

— Bri, você é legal...

— Eu não quero ser um babaca, sabe, mas isso meio que acontece...