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— Não tinha algum cartão com elas ou...?

— E isso é da sua conta Brian? — rosna Alice.

— Não. Não, acho que não...

— Desculpe! Desculpe, desculpe, desculpe, desculpe, desculpe... — repete ela, saindo da cadeira e me dando um abraço. Olho para baixo, para suas costas, onde a camiseta levantou, e encosto a mão na pele nua e quente, um pouco acima da calcinha, que parece feita de um material preto translúcido de malha ou renda ou coisa do tipo, e ficamos assim por um tempo, enquanto encaro as rosas na panela.

— Desculpe... — ela sussurra no meu ouvido. — Eu me sinto péssima por surtar com você, mas é que foi um ensaio longo e difícil hoje à noite, e, talvez, eu ainda esteja na personagem... — e vem sentar ao meu lado, rindo, e diz: — Nossa, eu acabei de dizer isso mesmo? Foi, sem sombra de dúvidas, a coisa mais pretensiosa que já falei na vida... — e ficamos os dois sorrindo de novo, e me pergunto se devia tentar um beijo, mas aí me lembrei do meu novo mantra. Sabedoria, Bondade e Coragem.

— Olha, eu preciso mesmo voltar pra a cama, Brian. Amanhã é o grande dia...

— Sim, claro, eu vou... — começo a me levantar, mas me sento de novo. — Mas posso só dizer uma coisa primeiro...?

— Tu-do-bem — fala Alice, meio preocupada, sentando-se ao meu lado.

— Não se preocupe. Não é nada assustador. Eu só queria dizer... — pego a mão dela, respiro fundo e digo: — Alice... Escute, Alice, eu andei pensando sobre nós, e, bem, tem um grande poema do poeta metafísico John Donne, Três vezes louco, que é assim: ‗Sou duas vezes louco, eu sei,/ Por amar, e por dizê-lo/ em plangente poesia.‘, e acho que, bem, eu tenho me sentindo um pouco assim. O que estou querendo dizer é que andei forçando um pouco a barra, como quando praticamente arrastei você a chutes e gritos para a cabine de fotos, a poesia ruim no cartão do Dia dos Namorados e tudo o mais, e sei como sua independência é importante pra você, e, por mim, tudo bem, de verdade. Estou apaixonado por você, claro, muito apaixonado...

— Brian... — interrompe ela.

— …Mas isso não é importante, não precisa se interpor entre nós, porque, no fim das contas, acho que...

— Brian... — ela tenta de novo.

— …Espere, Alice. Deixe só eu terminar...

— …Não, Brian, você precisa parar... — insiste ela, levantando-se e andando até o outro lado do quarto. — Isso não está certo...

— Mas não é o que você acha, Alice...

— Não, desculpe, Brian, eu não aguento mais. Vamos acabar com isso...

O mais estranho é que ela não disse isso para mim. Disse para o guarda-roupa.

— Vamos, Neil, não tem mais graça...

Isso é estranho, penso. Por que ela está chamando o guarda-roupa de Neil? Do que ela chama as gavetas?, eu me pergunto, e ela bate na porta de Neil, o Guarda-Roupa, com a palma da mão aberta, e a porta se abre sozinha, como que por mágica.

Há um homem no guarda-roupa.

Está segurando a calça na mão.

Eu não entendo.

— Brian, este é Neil — apresenta Alice.

Neil se desdobra para fora do guarda-roupa e fica de pé.

— Neil está interpretando Eilert Lövborg em Hedda Gabler.

— Olá, Neil.

— Olá, Brian.

— Nós estávamos... ensaiando — explica Alice.

— Ah... — digo, como se isso explicasse tudo.

Depois, acho que há um cumprimento, com um aperto de mão.

A Rodada Final

— O que acha dela?

— Não gostaria de dizer — gaguejei.

— Fale no meu ouvido — disse a Sra. Havishman, inclinando-se para a frente.

— Acho que ela é muito orgulhosa — respondi, num sussurro.

— Mais alguma coisa?

— Acho que ela é muito bonita...

— … Mais alguma coisa?

— Acho que gostaria de ir para casa agora...

— … Você irá, em breve — garantiu a Sra. Havisham em voz alta. — Pode fazer o seu jogo...

CHARLES DICKENS, Grandes esperanças

39

PERGUNTA: Era uma vez quatro crianças chamadas Peter, Susan, Edmund e Lucy. Assim, começa o mais famoso trabalho de um acadêmico, escritor e defensor da fé cristã. Qual o nome do livro?

RESPOSTA: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa.

O problema de conhecer pessoas famosas em carne e osso é que, muitas vezes, elas são muito menores do que parecem na tela da televisão. Mas, na vida real, Bamber Gascoigne é, na verdade, muito maior do que eu imaginava. Muito magro e sorridente, e bem bonito, como um personagem bem-intencionado de C. S. Lewis, prestes a levar a gente numa aventura incrível, mas com certo charme sedutor. Nós quatro ficamos na fila do estúdio de TV, aguardando, nervosos, e ele passa cumprimentando uma pessoa por vez, como se fosse o evento de gala anual da Família Real Britânica.

Alice fica me evitando, e é a primeira da fila. Por isso, não consigo ouvir o que está dizendo para Bamber, mas presumo que esteja tentando seduzi-lo. Depois, é a vez de Patrick, que, praticamente, se dobra em dois de tanta humildade, alardeando de modo teatral que ele e Bamber já tinham se conhecido numa ocasião anterior, nessa mesma época no ano passado, e agindo como se fossem grandes, grandes amigos, daqueles que passam as férias juntos ou algo assim. Bamber é encantador, sorri bastante e diz:

— Sim, sim, é claro que me lembro de você! — quando, na verdade, deve estar pensando quem diabo é esse idiota?

Depois, é a vez de Lucy, quieta e simpática como de costume, e daí é minha vez. A questão é: eu o chamo de Bamber ou de Sr. Gascoigne? Ele se aproxima, me cumprimenta com um aperto de mãos, e digo:

— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Gascoigne.

— Ah, por favor, me chame de Bamber — replica, com um sorriso largo, pegando na minha mão. — E o seu nome é...?

— Brian, Brian Jackson… — murmuro.

— …cursando?

— Lit. Ing.

— Perdão? — responde ele, curvando-se para a frente.

— Lit-eratura ing-lesa — falo alto, dessa vez articulando exageradamente as palavras, e noto que Bamber recua de maneira quase imperceptível e meu palpite é que sentiu o cheiro de álcool no meu hálito e percebeu que estou completamente bêbado e fora de mim.

Apesar dos melhores esforços das autoridades de licenciamento, permanece o fato de que, não importa o quanto seja tarde, você sempre consegue tomar um drinque se precisar mesmo de um.

Depois de sair correndo do quarto de Alice em Kenwood Manor, fiquei andando um tempo pelas ruas, tentando me acalmar e parar de tremer, até que me vi na porta do The Taste of The Raj, uma casa de comida indiana que também funciona como um bar clandestino: você pode beber a noite toda, desde que esteja sempre em um raio de três metros de uma cebola bhaji.

Aquela noite, logo após da meia-noite, o lugar estava vazio.

— Mesa para um? — perguntei ao único garçom.

— Sim, por favor — e ele me levou para um reservado bem no fundo do restaurante, perto da cozinha. Abri o menu e percebi que o The Taste of The Raj estava oferecendo um extra especial, amarga e ironicamente chamado Menu Para o Dia dos Namorados, para casais jantando fora num encontro romântico. Percebi que, mesmo com os preços amigáveis no menu, seria difícil conseguir engolir alguma coisa. Além do mais, não estava ali pela comida. Pedi uma caneca de cerveja, dois pães sírios, uma cebola bhaji e um gim-tônica.