— Nenhum prato principal, senhor?
— Talvez mais tarde — respondo. O garçom aquiesce, pesaroso, como se entendesse o modo por vezes brutal de funcionamento do coração humano, e vai pegar a minha bebida. Terminei a caneca de cerveja e o gim-tônica antes mesmo de ouvir o barulho do micro-ondas, na cozinha atrás de mim. O garçom deslizou a cebola bhaji requentada entre os meus cotovelos na mesa e eu devolvi os copos vazios.
— Outra caneca de cerveja e mais um gim, por favor. Sem tônica dessa vez — o garçom com olhos tristes aquiesce sabiamente, suspira e vai buscar meu pedido.
— E, por favor... — grito atrás ele. — O gim pode ser duplo? — Sem muita vontade, pego a casquinha da cebola bhaji e mergulho no doce e aguado iogurte de menta, e o garçom retorna com os meus drinques. Tomo um pouco da cerveja e jogo o gim dentro da caneca, mexo com o cabo do garfo e penso sobre todas as coisas que sei.
Sei a diferença entre um pterossauro e um pteranodonte, um pterodáctilo e um ranforrinco. Sei o nome em latim da maior parte dos pássaros domésticos britânicos. Sei as capitais de quase todos os países do mundo, e a maioria das bandeiras também. Sei que Magdalen College se pronuncia Maudlin College. Conheço todas as peças de Shakespeare, exceto Timão de Atenas, e as obras completas de Charles Dickens, menos Barnaby Rudge, e todos os livros de Nárnia, e a ordem em que foram escritos. Sei a letra de todas as músicas que Kate Bush já gravou, incluindo os lados B, assim como os rankings dos seus maiores sucessos. Sei todos os verbos irregulares em francês, e de onde vem a frase andar na linha, para que serve a vesícula, como lagoas são formadas, todos os monarcas britânicos em ordem, as esposas de Henrique VIII, bem como seus destinos, a diferença entre rochas ígneas, sedimentares e metamórficas, as datas das maiores batalhas da Guerra das Duas Rosas, o significado das palavras albedo, peripatético e lítotes, o número médio de cabelos numa cabeça humana, como fazer crochê, a diferença entre fusão e fissão nuclear, como soletrar desoxirribonucleico, as constelações das estrelas, a população da Terra, a massa da Lua, e como funciona o coração humano. E, ainda assim, as coisas mais básicas e importantes, como amizade, superar a morte do pai, amar alguém, ou simplesmente ser feliz, ser bom, honesto e digno parecem estar total e completamente além da minha compreensão. E me ocorre que não sou inteligente, de modo algum. Na verdade, sou, sem sombra de dúvidas, a pessoa mais ignorante, mais estúpida e desesperada do mundo inteiro.
Começo a me sentir um pouco triste, e, para me alegrar, peço outra caneca de cerveja e outro gim duplo. Misturo o gim com a cerveja, mexo com o cabo do garfo, mergulho um pedaço de pão sírio no chutney de manga, e a próxima coisa de que me lembro é acordar totalmente vestido às 6h30.
— Brian! Brian, acorde...
— Me deixa em paz... — resmungo, cobrindo a cabeça com o edredom.
— Brian, vamos, estamos atrasados... — alguém está me sacudindo pelos ombros. Empurro a mão para longe.
— Ainda está de noite. Vai embora.
— São 6h30, Brian, precisamos estar no estúdio às 9h30 e não vamos conseguir chegar a tempo. Vamos lá, levante... — Patrick arranca o edredom de cima de mim. — Você dormiu vestido?
— Não! — retruco, indignado, mas de modo nada convincente, pois é óbvio que ainda estava com as roupas do dia anterior. — Fiquei com frio no meio da noite. Só isso...
Patrick arranca completamente o edredom.
— Você ainda está de sapatos!
— Meus pés estavam frios!
— Brian, você andou bebendo?
— Não!
— Brian, achei que tínhamos um acordo: dormir cedo e nada de beber antes da partida...
— Eu não bebi! — respondo num murmúrio, esforçando-me para levantar e escutando o gim, a cerveja e a cebola bhaji se acomodando no meu estômago.
— Brian, eu estou sentindo o cheiro no seu hálito! Aliás, o que o seu colchão está fazendo no chão?
— Ele diz que é um almofadão — comenta Josh da porta, tremendo, só de cueca. Marcus espia por cima do seu ombro, piscando.
— Tive que acordar seus colegas para poder entrar — explica Patrick.
— Ooooops! Desculpe, Josh. Desculpa, Marcushhh...
— Não acredito! Você ainda está bêbado!
— Eu não estou bêbado! Cinco minutos! Me dá mais cinco minutos!
— Você tem três minutos. Vou esperar no carro lá embaixo — rosna Patrick, saindo todo empertigado, seguido por Josh e Marcus. Suspiro, esfrego a cara com as mãos e me sento na beira do almofadão.
Lembro de Alice.
Vou até o guarda-roupa e pego o paletó de veludo cotelê marrom do meu pai.
A viagem até Manchester é bem deprimente. Vamos no 2CV da Alice, que me dá um sorriso condescendente e sem ressentimentos, que finjo não ver enquanto entro no banco de trás do carro, pisando em pacotes de batatinha e estojos de fitas cassete. Puxo a porta pelo arame que se passa por uma maçaneta e o esforço me leva a um pequeno arroto, o ar sibilando pelos dentes bem apertados. A doutora Lucy Chang detecta o fato, faz seu diagnóstico e me dá o sorriso de hospital que aprendeu nas aulas. Apoio o casaco embaixo do queixo como um cobertor quando partimos e tento ignorar as guinadas do 2CV, que parece não ter suspensão alguma, dando a sensação de um carrossel num parque de diversões.
Desnecessário dizer que o bom e velho Patrick preparou algumas centenas de perguntas para a jornada, um aquecimento superdivertido, todas meticulosamente digitadas em cartões de 6 x 4. E ele insiste em gritar as questões bem alto, mais que o barulho do motor de cortador de grama do 2CV, enquanto sacudimos pela estrada a constantes 75 km/h. Decido não responder a nenhuma, só para dar uma lição. O truque para sobreviver hoje é manter a dignidade. Orgulho e Dignidade — esse é o segredo. Isso! — não vomitar em mim mesmo.
— Três questões bônus em batalhas. Em que ano foi travada a Batalha de Blenheim? Alguém? Ninguém? Lucy?
— Mil setecentos... e doze? — sugere Lucy.
— Não. Mil setecentos e quatro.
— Onde fica Bulge, como em a Batalha de Bulge? Alguém? Bulge? Alguém faz ideia? Bulge! Vamos lá! Pensem! Bulge, a Batalha de Bulge...
— Holanda! — murmuro debaixo do casaco, meio que para ele parar de falar Bulge.
— Nas Ardenas, na Bélgica — corrige Patrick, estalando a língua e meneando a cabeça. — Questão número três. Também conhecida como a Batalha dos Três Imperadores, a Batalha de Austerlitz foi lutada entre quais...
— Patrick, posso perguntar qual é a razão disso tudo? — questiono, inclinando-me para a frente. — Quer dizer... Você acha mesmo que, por algum milagre, alguma dessas perguntas vai ser feita no programa? Se não for por essa razão, é meio que uma perda de tempo pra todos, não é?
— Brian... — intervém Lucy, com a mão no meu braço.
— É um aquecimento, Brian! — guincha Patrick, virando-se no banco para ficarmos frente a frente. — Um aquecimento para os que estão bem-dispostos essa manhã... Ou talvez devessem estar!
— Não sei por que você está pegando no meu pé! — retruco, gritando. — Que horas você foi dormir ontem, Alice? — Ela crava os olhos em mim pelo retrovisor, furiosa, com seu olhar de monitora da escola, frio e cheio de desdém.
— Brian, depois nós falamos sobre isso, tá?
— Falar sobre o que depois? — pergunta Patrick.
— Nada... — disfarça Alice. — Nada mesmo...
— Estamos só nós quatro aqui hoje, Alice, ou você escondeu alguém no porta-malas do carro?