Выбрать главу

— É só um concurso bobo, Brian — diz Rebecca, ainda balançando os pés.

— Mas ela veio de Southend!... — Percebo minha voz falhar um pouco, o que é patético num homem de 19 anos, eu sei, mas eu queria tanto estar no programa... Tenho uma súbita visão de mim, tentando explicar para minha mãe por que eu não vou participar do programa. É como ser mandado mais cedo da escola para casa. Tão constrangedor, tão vergonhoso, que não consigo nem pensar na coisa.

— O que o Julian disse?

— Julian disse que cabe ao Patrick decidir. Estão juntos no momento, conversando...

— E o que você acha?

Lucy franze a testa por um instante e depois falou:

— Acho que, se vocês prometerem se comportar, e pararem de agir como crianças e concordarem em trabalhar juntos, como uma equipe, e forem com calma na campainha, acho que sim, que você poderia participar do programa...

— Bom, e você pode dizer isso pra ele por mim, Lucy? Por favor?

Ela suspira, olhou para o relógio, depois para a porta, e fala: — Vou ver o que posso fazer — e sai, deixando Rebecca e eu no escritório da produção, sentados na beira de mesas opostas, mais ou menos a 5 metros de distância um do outro, ambos balançando as pernas e tentando ignorar o que costumam chamar de um clima, eu acho. Quando o silêncio se torna desconfortável demais, Rebecca acena com a cabeça em direção à porta.

— Ela é legal.

— Quem?

— Lucy.

— Sim. É, sim. Muito, muito legal.

— E por que você não sai com ela?

— …Como?

— …Acho que ela parece legal. Só isso...

— …Porque eu não quero!...

— …Mas você acabou de dizer que ela é legal...

— …Muitas pessoas são legais...

— …Não é tão bonita pra você, é isso?

— …Não disse isso, disse?...

— …Não é tão sensual...?

— …Rebecca...

— …Porque você também não é nenhuma pintura a óleo, amigo...

— …Não, eu sei...

— …Sentado aí com esse colete manchado de sangue...

— …Tudo bem...

— …Que não está muito limpo, devo acrescentar. Dá pra sentir o cheiro daqui...

— …Obrigado, Rebecca...

— …Então, por que não?...

— …Porque ela nem deve gostar de mim!...

— …Como você sabe? Se você não perguntou... Você não viu como ela olhava pra você enquanto estava em coma...

— …Besteira...

— …Afastando a sua franja dos olhos e tudo o mais. Foi uma cena muito comovente...

— …Besteira!...

— …Enfiando papel higiênico nas suas narinas com o maior amor. Foi até erótico...

— …Rebecca...!

— …É verdade! Se eu não estivesse lá, acho ela teria tirado a sua calça também. E você nem ia saber...

— …Besteira!...

— …Então, por que está ficando corado...?

— …Não estou!...

— …Então, por que não pergunta pra ela?

— …Perguntar o que pra ela...?

— …Se ela não quer sair com você...

— …Porque eu não...

— …O quê?...

— …Eu não estou...

— …Vá em frente...

— …A... apaixonado por ela...

— …Do mesmo jeito que não está apaixonado por mim?

— …O quê?

— …Você ouviu...

— … Rebecca, será que a gente não pode...?

— …O quê?

— …Conversar sobre isso depois?

— …Por que não agora?

— Porque sim! — respondo, respirando fundo pela primeira vez em algum tempo. — Porque estou com muita coisa na cabeça, agora. Tudo bem?

— Tudo bem — concorda ela. — Ok, já entendi — e escorrega da mesa alta, puxando o vestido longo sem saber lidar com ele, atravessa o escritório e senta-se ao meu lado, na beirada da mesa.

— Isso que você está usando é uma túnica?

— Que túnica, que nada! É um vestido. Como está a cabeça?

— Ah... Um pouco dolorida.

Rebecca tira uma garrafa de uísque do bolso do casaco.

— Quer um pouco de remédio?

— É melhor não.

— Vamos lá... Veneno contra veneno.

— Foi um veneno diferente. Gim.

— Argh, isso é muito desagradável! Você sabe que gim é depressivo, não sabe?

— Acho que era por isso que estava tomando.

— Hummm, autopiedade e autorrejeição, uma combinação vencedora. Não me surpreende que as mulheres achem você irresistível. Você é o próprio Travis Bickle, de Taxi Driver. — Dá um gole da garrafa e me oferece outra vez. — Acredite em mim: uísque é o caminho a seguir.

— Eles vão sentir o cheiro no meu hálito — explico, e ela pega uma cartela de balas de menta extraforte do fundo do bolso. — Então, vamos nessa — concordo.

Rebecca me passa a garrafa e dou um longo gole, depois coloco uma bala na boca, deixando os gostos se misturarem, e olhamos um para o outro, sorrimos e ficamos sentados, como crianças na escola, balançando os pés na beira da mesa.

— Você sabe que Alice está saindo com outra pessoa, não é? — eu pergunto.

— Sei.

— Aquele cara, o Neil, que interpretou Ricardo III no semestre passado, sempre mancando pelo bar dos estudantes...

— O imbecil de muletas...

— Esse mesmo. Imagino que você sabia.

— Bem, eu vi o sujeito saindo do quarto dela umas vezes. Então, acho que tinha uma vaga ideia...

— E não foi uma mancada? — Ela me lança um olhar interrogativo. — Uma mancada, como Ricardo III...? Por que você não me contou?

— Não é da minha conta, é? A sua vida amorosa...

— Não. Talvez não seja. — Devo confessar que, mesmo depois de tudo o que aconteceu, com Alice, a cabeçada e tudo o mais, minha vontade é beijar Rebecca, empurrar a bala de menta para um canto da boca e dar um beijo nela, só para ver o que iria acontecer.

Mas o momento passa, e eu olho para o meu relógio.

— Eles estão demorando.

— Quem?

— O júri.

— Quer que eu vá dar uma olhada?

— Sim, seria ótimo. — Ela desce da mesa e anda em direção à porta. — Fale bem de mim — recomendo.

— Vou ver se consigo pensar em alguma coisa — responde ela, ajustando o vestido e saindo, e eu fico sozinho.

Sempre fico um pouco inquieto quando estou sozinho sem nada para ler, ainda mais usando colete, mas, felizmente, o escritório está cheio de livros, a maior parte de referência, mas, ainda assim, são livros. Então, pego o Dicionário Oxford de Citações, que foi usado como travesseiro para eu deitar, e é aí que eu vejo.

Na mesa.

Uma prancheta azul.

Com algumas fotocópias em papel A4. Tem o nome de Julian, o pesquisador, escrito à mão no topo. Por isso, imagino que sejam suas anotações de produção. Ele devia ter trazido quando me levaram para lá e deixado na mesa. As folhas A4 não são particularmente interessantes, só nomes dos membros das equipes, o mapa dos lugares de cada um, a lista de nomes do pessoal de produção, esse tipo de coisa. Mas, na frente das folhas, há um envelope, um envelope grosso e marrom que parece conter dois baralhos de cartas. Tiro o envelope da prancheta.

Não está lacrado. Ou está, mas só de leve, um restinho de cola mantendo fechado.

Cutuco a parte fechada, deslizando o envelope pela mesa com a ponta da unha.

Cutuco de novo, do jeito que a gente cutuca alguma coisa para ver se está morta.