Depois, pego num canto e o puxo na minha direção.
Levanto o envelope com as duas mãos e ponho no colo. Fico observando.
Depois, empurro o envelope pela mesa o mais longe possível do meu alcance.
Mas aí penso: ah, que se dane!, estendi o braço e abro o envelope.
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PERGUNTA: James Hogg, Santo Agostinho, Jean-Jacques Rousseau e Thomas de Quincey têm que gênero literário em comum?
RESPOSTA: Todos escreveram Confissões.
Quando estava fazendo meu exame final no colégio, pouco antes da prova de múltipla escolha de química, tive um leve caso de gripe gástrica. Bem, foi assim que resolvi chamar a coisa, e como era contagiosa e eu estava com febre — bem, não febre, só um pouco quente —, me deixaram fazer a prova sem supervisão num pequeno escritório ao lado da sala dos professores, porque eu era esse tipo de garoto que, na escola, era absoluta e inteiramente confiável.
E eu colei.
Nada demais, veja bem. Eu só verifiquei se ninguém estava vindo, peguei meu livro e olhei bem rápido a tabela periódica para conferir a valência do potássio, ou do magnésio ou coisa assim, depois guardei de volta e foi isso.
E também, incidentemente, quando joguei palavras cruzadas à luz de velas com Alice em Suffolk, pouco depois do Natal, tirei um Z e um X e os troquei sorrateiramente por um M e um S. Formando, manha e espanto, palavras com pontuação tripla.
E minha experiência em trapacear se resume a isso. Não tenho orgulho de mim mesmo por nenhuma dessas ocasiões, mas, fora a vergonha e o que acho que Sartre chamaria de má-fé envolvida, a pior coisa foi a sensação irritante de que trapacear não era necessário. Eu teria ganhado de qualquer maneira, e tudo o que ganhei com a trapaça foi uma mancha na minha sensação de vitória. Como minha mãe e Sartre provavelmente diriam, você só está enganando a si mesmo.
Mas isso não é um jogo de palavras cruzadas, nem um exame, é muito mais importante. Isso é o Desafio, e há, pelo menos, oito boas razões que transformam uma trapaça numa ideia perfeitamente razoável. 1) É na televisão, para começar. Todo mundo que eu conheço ia assistir — Spence, Tone e Janet Parks, todos os meus antigos professores, o professor Morrison, aquele canalha do Neil MacIntyre; e, também, 2) a plateia do estúdio, minha mãe e Des, meu futuro padrasto, Rebecca e Chris, o hippie, e aquela vaca da Erin. E, depois, 3) meus colegas de equipe Patrick e Lucy, especialmente Lucy, que eu venho desapontando, que merecem tanto vencer; e 4) Alice, claro, que me acha um idiota e um bêbado e um peso morto e um tolo, e por quem penso que ainda possa estar apaixonado; e, além do mais, 5) posso nem mesmo estar na equipe. Então, toda essa discussão ética pode ser nula de qualquer modo; e 6) de certa maneira, essa situação sequer é minha culpa, é culpa do Julian, por colocar a tentação no meu caminho; e 7) qualquer um faria o mesmo nessas circunstâncias, qualquer um, e, além disso, 8) eu sou apenas homem.
É por isso que decido fazer o que faço, que é, tecnicamente, trapacear, mas atribuo um forte elemento do acaso. Vou olhar um cartão, só um, e isso é tudo, juro. Mas tem de ser rápido. Corro para a porta, abri uma fresta, olho para os lados, não vejo ninguém, corro de volta para a mesa e tiro os cartões do envelope.
Estão divididos em duas pilhas com elásticos, uma com as perguntas da rodada e outra com as questões bônus. Separo a pilha de perguntas da rodada, calculo mais ou menos dois terços da pilha e separo em duas pilhas, que deposito com cuidado na mesa, viradas para baixo, para poder devolvê-las exatamente no lugar certo. Fecho bem os olhos e escolho um cartão do alto da pilha exposta, segurando-o, mais ou menos, a um metro dos meus olhos fechados.
Sinto o sangue pulsando nas pálpebras fechadas.
Abro os olhos e vejo a pergunta, digitada com elegância...
PERGUNTA: Como é mais conhecido o personagem Philip Pirrip, de Dickens?
…e sinto uma pequena onda de irritação, porque essa eu sei, é fácil. É Pip, de Grandes esperanças. Qual é a graça de se debater com esse tipo de dilema ético se já sei a resposta? E, mesmo tendo feito um rígido trato com Deus, ou seja lá quem fosse, de que eu só veria um cartão e um cartão apenas, pego outro, o seguinte na pilha, e viro.
Essa, sim...
PERGUNTA: O estado da Califórnia faz divisa com três estados americanos e um estado mexicano. Quais são eles?
RESPOSTA: Oregon, Nevada, Arizona e o estado mexicano de Baja (Baixa) California.
Oregon, Nevada, Arizona, Baja California. Perfeito — difícil o bastante para impressionar, mas não difícil a ponto de parecer estranho que eu saiba. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California. Mas isso é pronunciado Baja ou Baya? Não importa... Isso faria parte da minha resposta. Ensaiei dizer em voz alta, agindo com naturalidade — Oregon, hã, Nevada, Arizona? E Baja... (um pequeno sorriso, porque meu espanhol estaria um pouco enferrujado)... ou talvez fosse Baya California...?
Mas e se Lucy também souber a resposta? Aposto que ela sabe. Não importa, contanto que um de nós responda antes da outra equipe. Na verdade, seria melhor se Lucy respondesse, pois, assim, minha consciência ficaria limpa. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California. Tenho que ser rápido, colocar os cartões de volta no lugar certo na pilha, enrolar o elástico uma, duas, três vezes, guardar as duas pilhas no envelope e lamber, mas não muito, só num dos lados, onde rompi o lacre, prender de volta na prancheta, botar a prancheta exatamente onde encontrei, e ensaiar de novo em voz alta:
— Oregon, hã, Nevada, Arizona e... é Baja California...?
Vou até a janela, olho para os telhados e chaminés de Manchester e penso no que é preciso fazer nesse momento. Primeiro, um pedido de desculpas a Patrick, sincero, humilde, mas não rastejante, reconhecendo que nos descontrolamos um pouco, mas ainda mantendo o Orgulho e a Dignidade. Depois, selar um tipo de paz temporária com Alice, mostrar que, sim, estou chateado, mas que ela está cometendo um erro terrível com esse tal de Neil, e é ela quem sairá perdendo. E, depois, só preciso mostrar o que ela está perdendo. Com estilo, graça e modéstia, e com Alice ao meu lado, vencer aquele jogo. Oregon, Nevada, Arizona e Baja California...
Alguém bate na porta e Patrick entra, com uma expressão sombria, mas flanqueado por Alice e Lucy, ambas tentando esconder os sorrisos.
— Patrick...
— Brian...
— Desculpe pelo que aconteceu.
— Desculpas aceitas — Ele limpa a garganta e Lucy lhe dá um cutucão de encorajamento nas costas. — Bem, hum, olha, estive conversando com Lucy e Alice, e decidimos que, talvez, todos nós tenhamos nos descontrolado um pouco, ficamos ansiosos demais, com as luzes do estúdio e tudo o mais, e decidimos que gostaríamos muito que você ficasse na equipe.
— Obrigado, Patrick — digo, fazendo uma pequena reverência solene com a cabeça.
— Obrigado, Brian — ele retribui a reverência.
Lucy pisca e ri para mim, fazendo um sinal com o polegar para cima, discretamente, no nível da cintura, e Alice está com minha camisa limpa e recém-passada e o paletó de veludo cotelê marrom do meu pai.
— OK, então — digo. — Vamos acabar com a raça daqueles caras!
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PERGUNTA: No romance de E. M Forster, Howards End, como Leonard Bast chega a seu final infeliz?