Então, aconteceu uma coisa impressionante, uma pergunta que eu sei a resposta.
— O amante de Porfíria, em que o protagonista estrangula sua amada com uma trança de seu cabelo, é um poema narrativo de qual poeta vitoriano?
Ninguém aperta a campainha. Ninguém, exceto eu. Aperto o botão e tento abrir a boca, que parece colada com uma pasta de farinha e água, mas consigo fazer com que as palavras saiam.
— Robert Browning?
— Resposta certa!
A plateia aplaude, aplaude mesmo, liderada pela minha mãe, devo admitir, mas, ainda assim, são aplausos, e temos uma chance com as perguntas bônus...
— …que são parte da estrutura das células das plantas!
Alice e eu gememos alto e afundamos de volta na cadeira. Mas não importa, porque a Dra. Lucy Chang estava ali, e o que a Dra. Lucy Chang só não sabe o que não vale a pena saber sobre a estrutura das células das plantas. Ela responde a todas, prontamente, sem pestanejar.
— … parênquima... colênquima... seria esclerênquima?
Ah, sim, é esclerênquima, e a plateia vibra de novo, porque voltamos ao jogo, com 90 a 115, e acordo outra vez, pois sei que eu — não, não eu, que nós, a equipe — podemos vencer afinal.
— Outra pergunta de início de rodada... O personagem Philip Pirrip, de Dickens, é...?
Eu sei.
Aperto a campainha.
— Pip, em Grandes esperanças — respondo, com clareza e confiança.
— Muito bem — diz Bamber, e plateia aplaude, alguém até assobia, acho que Rebecca, que consigo ver depois, radiante, na fileira da frente, e imagino que aquela deva ser a sensação de marcar um gol. Mas tento não sorrir. Aparento seriedade e confiança, minha cabeça está a mil, pois sei o que estava para vir. Oregon, hã, Arizona, hã, Nevada e Baja, ou será Baya, California? Mas o lance é ficar frio, continuar calmo. Primeiro as perguntas bônus, 15 pontos em potencial, mais os 10 que tinha acabado de ganhar, o suficiente para empatarmos com a outra equipe, 115 pontos no total. Mas tudo depende das questões bônus...
— E suas perguntas bônus serão todas sobre frases de abertura e encerramento de peças de William Shakespeare.
Siiiim!, penso, mas não falo nada, nem demonstro em meu rosto. Essas eu consigo responder, aposto que consigo responder. A equipe adversária pigarreia e se afunda nas cadeiras, pois sabe que acertaria essas perguntas, e Norton, o que cursava literatura clássica, joga o cabelo para trás, desesperado. Que azar, garotos, porque essas perguntas são nossas! Alice deve estar se sentindo confiante também, pois olha para mim, acena com a cabeça e sorri, como quem diz Vamos lá, Bamber, abra o seu saco de maldades, não importa. Brian e eu somos almas gêmeas e juntos podemos lidar com tudo o que você jogar contra nós. E lá vem a primeira pergunta bônus...
— Qual peça começa com a fala Fora daqui, mandriões! Hoje é feriado?/ Já todos para casa!?
Eu sei.
— Júlio César — sussurro para Patrick.
— Tem certeza? — perguntou ele.
— Absoluta. Caiu no meu exame.
— Júlio César — diz Patrick, convicto.
— Resposta certa! — confirma Bamber, e ouvem-se alguns aplausos, não muitos, só o suficiente antes da próxima pergunta ser feita.
— Que peça termina com a fala De bordo, escreverei para o senado, / relatando tudo isto, angustiado.
Eu sei. Otelo.
— É Hamlet? — cochicha Alice para Patrick.
— Não, acho que é Otelo — digo, delicado, porém com firmeza.
— Lucy? — pergunta Patrick.
— Desculpe. Não faço ideia.
— Eu tenho 99% de certeza que é Hamlet — repete Alice.
— Brian?
— Acho que Hamlet acaba com alguma coisa a respeito de corpos sendo levados e flechas sendo disparadas. O relato angustiado é a morte de Desdêmona e de Otelo. Por isso, estou bem certo de que é Otelo, mas, se você quer dizer Hamlet, Patrick, vá em frente e diga Hamlet.
Patrick olha para nós dois, Alice e eu, toma sua decisão, vira-se para o microfone e diz: — Seria... Otelo?
— É Otelo! — e a multidão vai à loucura. Patrick estende o braço e toca o meu de modo camarada, Lucy pisca para mim e Alice me lança um radiante olhar de gratidão, humildade e afeição genuína, um olhar que nunca tinha visto nela antes. Estende a mão por baixo da mesa e acaricia minha coxa, encontra minha mão e a aperta, passando o polegar por minha palma quente e úmida, e encosta sua sandália de tiras preta nos meus pés e esfrega o meu tornozelo; olhamos um para o outro pelo que deve ter sido um segundo, mas que pareceu uma eternidade, e os aplausos continuam, e continuam, e eu sorrio, apesar de mim mesmo, mas Bamber já estava falando de novo...
— Sua pergunta bônus final. Que peça termina com a fala cantada Mas isso é tudo, nossa peça termina, / E nos esforçaremos para agradá-los todos os dias?
Eu sei.
E, ainda de mãos dadas embaixo da mesa, em perfeito uníssono, Alice e eu sussurramos:
— Noite de reis!
— Noite de reis? — propõe Patrick.
— Correto, Noite de reis! — confirma Bamber, e a multidão aplaude, e, segurando a mão de Alice debaixo da mesa, vejo Rebecca na plateia, gritando e assobiando com os dedos na boca, batendo palmas com as mãos em cima da cabeça. Minha mãe está na fileira de trás, levantando os polegares, e Des também está aplaudindo, inclinado, sussurrando em seu ouvido Como é que o seu filho sabe todas essas coisas? Você deve estar orgulhosa! ou algo assim, imagino, e o som dos aplausos aumenta, e escuto Alice dizer algo como você é absolutamente incrível e Bamber volta a falar:
— Muito bem! Isso deixa as duas equipes empatadas, com quatro minutos restantes no relógio. Por isso, ainda há bastante tempo para os dois grupos. Aqui vamos nós, mão na campainha para a próxima pergunta da rodada valendo três pontos. O Estado da...
Eu sei.
Ainda segurando firme a mão de Alice debaixo da mesa, alcanço a campainha com a mão direita e aperto o botão, dizendo com toda a clareza:
— Oregon, Nevada, Arizona e Baja, ou se pronuncia Baya, California?
Depois, volto a encostar na cadeira e espero os aplausos.
Que não vêm.
Nada.
Nenhum aplauso. Só um terrível silêncio.
Eu.
Eu não.
Eu não entendo.
Olho para Alice em busca de uma explicação, mas ela me encara com um meio sorriso estranho e confuso no rosto, que, de início, interpreto como reverência pasma, uma franca reverência pasma ao meu brilhantismo, mas que muda na frente dos meus olhos e se torna algo muito, muito pior. Olho para o resto da mesa, e lá está novamente o mesmo olhar, de Lucy, Patrick, um tipo de desprezo... horrorizado. Olho para a plateia e vejo uma série de buracos pretos mudos de bocas pendendo abertas, sobrancelhas franzidas e confusas, menos Rebecca, que está debruçada para a frente na cadeira segurando a cabeça entre as mãos. Há um crescente murmúrio da plateia, alguém começa a rir alto e histericamente, e, com um súbito espasmo de dor e arrependimento, uma sensação de estar sendo puxado para o espaço, percebo o que fiz.
Respondi corretamente, mas antes de a pergunta ter sido formulada.
Bamber Gascoigne é o primeiro a quebrar o silêncio.
— Bem, é notável, esta é de fato a resposta certa, mas... — Ele está com um dedo no ouvido, consultando a sala de controle, e continua: — … mas acho que talvez seja melhor... pararmos... de gravar... por algum tempo?
Embaixo da mesa, Alice larga a minha mão.