Выбрать главу

Passei o resto do ano no meu antigo emprego na Ashworth Electricals, a fábrica de torradeiras. Acho que ficaram felizes em me ver de volta. Minha mãe e Des tiveram de adiar por seis meses a grande inauguração do seu império de locação imobiliária, mas eles foram muito compreensivos em relação a isso, e Des é um cara legal. Spencer recebeu alta em abril, e teve sua sentença suspensa e precisou pagar uma multa pesada. Mas consegui arranjar um emprego para ele na Ashworth Electricals comigo, e agora passamos mais tempo juntos, o que foi bom. Não contei a história toda sobre o que aconteceu, e ele também não perguntou, o que talvez tivesse sido melhor. Também cheguei a ver Tone algumas vezes, mas não muito, porque ele estava sempre envolvido em suas manobras secretas em Salisbury Plain.

O que mais? Li bastante. Escrevi um pouco de poesia, a maior parte uma porcaria, alguns contos e uma peça radiofônica. Um monólogo de uma corrente de pensamentos internos em primeira pessoa baseado em Robinson Crusoé, mas moderno, e do ponto de vista do Sexta-feira. Ouvi The Hounds Of Love várias vezes, e decidi que é, quase com certeza, o melhor álbum de Kate.

Depois, em junho, do nada, recebi uma ligação.

Bem, mas eu preciso terminar logo. Já estou sentindo o cheiro de carne assada, o que significa que está quase na hora do jantar!!!

Olhando para trás, foi uma época divertida, não foi, Alice? Estranha, quero dizer. A metáfora (ou quero dizer “símile”???!) que me vem à cabeça é um pouco como quando eu era pequeno e meu pai me comprava um kit de aeromodelismo. Eu sentava na mesa da cozinha, e, antes mesmo de abrir a caixa, eu verificava se estava com todas as ferramentas certas, o tipo certo de cola, todas as tintas e uma faca bem afiada, e prometia a mim mesmo que iria seguir as instruções exatamente como estavam escritas, e fazer tudo com calma, não me adiantar, sem apressar as coisas, proceder com cuidado, me concentrar, me concentrar muito, muito mesmo, para, enfim, construir um aeromodelo perfeito, o ideal platônico do que um aeromodelo deve ser. Mas, em certo ponto, no meio do processo, as coisas sempre começavam a dar errado, eu perdia uma peça embaixo da mesa, ou borrava a pintura, ou uma hélice que não girava por estar presa com cola, ou eu derramava tinta na cabine transparente, ou os adesivos se soltavam, e, quando eu mostrava o produto final para o meu pai, por alguma razão... não estava tão bom quanto eu esperava.

Fiquei tentando usar essa metáfora como base para um poema, mas ainda não consegui pensar em como fazer isso.

De qualquer modo, tudo de bom para você, no novo ano acadêmico. Vou escrever assim que estiver acomodado e talvez nós possamos...

— Para quem você está escrevendo? — pergunta ela, piscando os olhos sonolentos no sol do fim de tarde.

— Para minha mãe. Como foi o mergulho?

— Muito refrescante. Mas estou com alguma coisa no cabelo.

— Quer que eu tire?

— Sim, por favor — e ela anda devagar até a varanda, sem vestir a camisa, e senta-se no chão entre os meus joelhos.

— Não quer vestir alguma roupa antes, talvez? — pergunto.

— Não quer um murro nos dentes, talvez...?

— As pessoas podem ver...!

— E daí? Puta merda, Jackson! Parece que estou passando as férias com a Mary Poppins...

— Você fala muito palavrão!

— Cala a boca e tira isso daí, tá? Está conseguindo enxergar?

— Uh-hum. Parece óleo, piche ou coisa parecida.

— Está saindo?

— Está difícil.

— Acha que pode ser mais fácil no chuveiro?

— Talvez.

— Então... Vamos?

— Sim. Tudo bem.

E, assim, aqui estamos nós. Ainda é cedo demais para falar, claro. Quando nos falamos no telefone, a ideia original era que viajaríamos juntos, mas dormindo em quartos separados, ou, pelo menos, num quarto com duas camas de solteiro, mas esse plano se mostrou muito caro e meio que caiu por terra na terceira noite, depois de uma longa e franca conversa e uma garrafa de conhaque.

Mas, como eu disse, aqui estamos nós. Não estou, na verdade, onde esperava estar, nem onde gostaria de estar, mas quem pode dizer? Para ser sincero, não esperava que ela estivesse aqui comigo. Ela continua resmungando demais, porém também me faz rir muito. O que pode parecer pouca coisa, mas não parecia nem ser possível dois meses atrás. Então, está tudo bem.

Tudo muito bem, mesmo.

Todos os jovens se preocupam com as coisas. É a parte natural e inevitável de crescer, e, aos 16 anos, minha maior preocupação na vida era de nunca mais alcançar nada tão bom, tão puro, tão nobre ou verdadeiro quanto o resultado do meu exame de admissão ao ensino médio. O que talvez fosse verdade. Mas isso foi há muito, muito tempo. Mas já estou com 19 anos e gosto de pensar que me sinto muito mais sábio e indiferente em relação a essas coisas.

fim...

Sobre o Autor

Formado em literatura e teatro inglês, optou pela carreira de ator e recebeu bolsa da American Musical and Dramatic Academy de Nova York. De volta a Londres, atuou em espetáculos teatrais em instituições como Battersea Arts Centre, The Finborough, West Yorkshire Playhouse e Birmingham Repertory Theatre. Entre uma peça e outra, em Londres, Nicholls trabalhava como vendedor na rede de livrarias Waterstone's, em Notting Hill. Após trabalhos freelance, conseguiu emprego como leitor de peças e pesquisador da BBC Radio Drama, o que o levou à edição de roteiros na London Week Television e na Tiger Aspect Productions. Nessa época, começou a escrever e adaptou a peça de Sam Shepard Simpatico, que se tornou filme estrelado por Sharon Stone e Nick Nolte, em 1999. Ao longo da carreira de roteirista, recebeu duas indicações ao BAFTA. Além de Resposta Certa, publicou os romances Um dia e O Substituto.