Estou a caminho do bar, quando vejo Chris, o hippie, esperando na fila com um saco enorme de salgadinhos embaixo do braço. Por isso, dou meia-volta e sigo pelo corredor decidido a dar um passeio.
Ando pelo corredor forrado de painéis de madeira, no qual a última leva de estudantes está se despedindo dos pais ao som de Legend, de Bob Marley. Uma garota debulha-se em lágrimas nos braços da mãe chorosa, enquanto o pai impaciente espera de pé e empertigado, um rolinho de cédulas apertado na mão. Um gótico magricela e constrangido, todo de preto e com um proeminente aparelho nos dentes, está quase expulsando os pais para poder dar continuidade ao importante projeto de mostrar às pessoas a criatura sombria e complexa que jaz por trás de todo aquele metal e plástico. Outros recém-chegados estão se apresentando aos vizinhos de alojamento, entregando pequenas biografias formais: curso, local de nascimento, notas nos exames, bandas favoritas, experiência mais traumática da infância. É meio que uma versão educada e de classe média daquela cena em filmes de guerra em que os novos recrutas chegam às barracas e mostram uns aos outros fotos das namoradas que deixaram em casa.
Paro diante do quadro de avisos do Grêmio Estudantil, tomo um gole de cerveja e lanço um olhar desinteressado — uma bateria à venda, convocações para boicotar o Banco Barclays, um aviso já ultrapassado de reunião do Partido Revolucionário Comunista em apoio aos mineiros, testes para Os piratas de Penzance e vejo que Self-Inflicted e Meet Your Feet vão tocar no Frog and Frigate na próxima terça.
E é aí que eu vejo algo.
No quadro de avisos, um pôster com uma fotocópia A4 em vermelho-vivo, anuncia:
RESPONDA CORRETAMENTE!
Você sabe a diferença entre Sófocles e Sócrates?
Entre Ursa Menor e Lee Majors?
Entre carpe diem e habeas corpus?
Tem coragem de enfrentar os veteranos?
Por que não participar da seleção para o Desafio Universitário?
Teste em um breve (e divertido!) exame escrito.
Sexta-feira na hora do almoço, 13h em ponto,
Grêmio Estudantil, Sala de Reunião nº 6.
Exige-se comprometimento. Nada de preguiçosos ou aventureiros.
Só as melhores cabeças devem se inscrever.
RESPONDA CORRETAMENTE!
Você sabe a diferença entre Sófocles e Sócrates?
Entre Ursa Menor e Lee Majors?
Entre carpe diem e habeas corpus?
Tem coragem de enfrentar os veteranos
Por que não participar da seleção para o Desafio Universitário?
Aí está. É isso aí. O Desafio.
5
PERGUNTA: Que artista negro americano, que se intitula o homem que mais trabalhou no show business e pioneiro da música funk, é conhecido como o Rei do Soul?
RESPOSTA: James Brown.
O que mais me chamava a atenção eram os cabelos; longas e improváveis ondas de cabelos quebradiços como trigo ressecado; cortinas pendentes de franja sedosa; costeletas grossas como se saíssem de uma peça de teatro lembrando-se da hora do chá no domingo. Meu pai ficava lívido de raiva se visse alguém de cabelo comprido no Top of The Pops, mas quem conseguia chegar ao Desafio Universitário merecia o direito de ostentar os cortes de cabelo mais escabrosos. Era quase inevitável, como se cabelo maluco fosse uma válvula de escape para todo aquele incrível e incontrolável excesso de energia mental. Como um cientista louco, você não pode ser tão inteligente se não tiver os cabelos desgrenhados e se não for míope, nem ser capaz de tomar banho e se vestir sozinho.
E as roupas; a arcana tradição da velha Inglaterra de becas escarlates combinadas com excêntricas gravatas estampadas com teclas de piano, a infinidade de cachecóis feitos em casa, os coletes em estilo oriental. Claro que qualquer criança acha todo mundo velho na televisão e, em retrospecto, imagino que eles fossem jovens, tecnicamente, em anos terrestres, mas, se tinham mesmo 20 anos, pareciam prestes a fazer 62. Nada naqueles rostos sugeria juventude, vigor ou saúde. Eram todos pálidos, com aparência cansada, muito preocupados, como que lutando com o peso de toda aquela informação, como se pagassem um terrível tributo físico pela meia-vida do elemento radioativo trítio, pela origem do termo “éminence grise”, pelos vinte primeiros números perfeitos, pelo estilo das rimas de um soneto petrarquiano.
Claro que meu pai e eu raramente acertávamos uma resposta, mas essa não era bem a questão. Não era por causa do conhecimento geral, nem para nos sentirmos presunçosos e autoindulgentes a respeito de todas as coisas que sabíamos, era por que nos sentíamos humildes diante de todo aquele vasto universo de coisas da qual não fazíamos a menor ideia. A questão era nos sentirmos maravilhados, pois a impressão que meu pai e eu tínhamos era de que aquelas estranhas criaturas sabiam tudo. Faça qualquer pergunta: Qual é o peso do Sol? Por que estamos aqui? O universo é infinito? Qual é o segredo da verdadeira felicidade? E, mesmo que eles não soubessem a resposta de imediato, podiam debater entre si, em voz baixa e sussurrante, e surgir com alguma coisa que, mesmo não inteiramente correta, soava como um ótimo palpite.
Não importava que os competidores fossem claramente desajustados sociais, pouco higiênicos ou cheios de espinhas, virgens envelhecendo ou, em alguns casos, apenas muito esquisitos; o importante era que existia um lugar onde as pessoas realmente sabiam aquelas coisas, adoravam saber tudo aquilo, envolviam-se com esse conhecimento de maneira apaixonada, achavam que era importante e que valia a pena, e, naquele dia, papai disse que, se eu me esforçasse o bastante, também poderia chegar até lá...
— Você acha que tem chance? — pergunta ela.
Quando me viro, juro que ela é tão linda que quase deixo cair a lata de cerveja.
— Você acha que tem chance?
Acho que eu nunca tinha chegado perto de uma coisa tão linda. Existe beleza nos livros, é claro, talvez em pinturas ou numa paisagem, como naquela viagem de campo a Purbeck Island do curso de geografia, mas, até agora, acho que não tinha vivenciado uma beleza verdadeira, não na vida real, em um ser humano quente e macio, uma coisa que você pode tocar, pelo menos em teoria. Ela é tão perfeita que chego a me encolher quando a vejo. Os músculos do meu peito se contraem e preciso lembrar de respirar. Soa como uma hipérbole ultrajante, eu sei, mas ela realmente parece uma jovem e loura Kate Bush.
— Você acha que tem chance? — pergunta.
— Hum? — retruco, afiado como uma tachinha.
— Você acha que consegue? — repete, indicando o cartaz com a cabeça.
Rápido, diga algo espirituoso.
— Hummm... — gracejo, e ela sorri condescendentemente, como uma enfermeira gentil sorrindo para o Homem-elefante.
— Então, a gente se vê lá amanhã? — diz, e vai embora. Está usando um vestido sofisticado, mas bem sóbrio, uma escolha muito melhor que o Estilo Biscate Francesa — uma blusa justa listrada em branco e preto, um cinto elástico preto, saia-lápis preta, meia-calça arrastão. Ou será uma meia arrastão 7/8? Meia-calça ou 7/8, meia-calça ou 7/8, meia–calça ou 7/8...?
Ando atrás dela pelo corredor mantendo uma distância decente, não ameaçadora, observando seu passo metronômico, como Marilyn Monroe saindo da cortina de vapor em Quanto mais quente melhor (meia-calça ou 7/8, meia–calça ou 7/8?), e, conforme ela vai passando pelas portas dos quartos, alguém coloca a cabeça para fora e diz oi, olá e como vai e você está ótima. Mas ela só está ali há oito horas, um dia no máximo. Como é que parece conhecer todo mundo?