- Amaldiçoe o que quiser, Pieterzoon. Mas não a bebida. É a substância da vida.
- Eu diria que estamos num cano de esgoto, enterrados até o queixo, e a maré está subindo depressa. - Vinck girou os olhos nas órbitas. - Sim, muito depressa.
- Nunca pensei que atingiríamos terra - disse Maetsukker. Parecia-se com um furão, exceto que não tinha dentes. Nunca. E menos ainda o Japão. Papistas nojentos e fedorentos! Nunca sairemos vivos daqui! Gostaria que tivéssemos algumas armas. Que desembarque podre! Eu não quis dizer nada, piloto - apressou-se a esclarecer, quando Blackthorne o olhou -, apenas má sorte, isso é tudo.
Mais tarde os criados lhes trouxeram comida de novo. Sempre a mesma coisa: verduras - cozidas e cruas - com um pouco de vinagre, sopa de peixe e o mingau de trigo ou cevada. Todos desprezaram os pedacinhos de peixe cru e pediram carne e bebida. Mas não foram compreendidos, e depois, quase ao pôr-do-sol, Blackthorne foi embora. Cansara-se dos medos deles, dos ódios e obscenidades. Disse-lhes que voltaria após o amanhecer.
Nas ruas estreitas, as lojas estavam movimentadas. Achou a sua rua e o portão da casa. As manchas na terra tinham sido varridas e o corpo desaparecera. É quase como se eu tivesse sonhado a coisa toda, pensou. O portão do jardim abriu-se antes que ele pudesse tocá-lo.
O velho jardineiro, ainda de tanga, embora o vento estivesse fresco, sorriu e curvou-se.
- Konbanwa.
- Alô - disse Blackthorne, sem pensar. Subiu os degraus, parou, lembrando-se das botas. Tirou-as e foi descalço até a varanda e o quarto. Atravessou um corredor, mas não conseguiu encontrar seu quarto.
- Onna! - chamou.
Apareceu uma velha.
- Hai?
- Onde está Onna?
A velha franziu o cenho e apontou para si mesma.
- Onna?
- Oh, pelo amor de Deus - disse Blackthorne, irritado.
- Onde é o meu quarto? Onde está Onna? - Correu outra porta de treliça. Quatro japoneses estavam sentados no chão em torno de uma mesa, comendo. Ele reconheceu um deles como o homem grisalho, o chefe da aldeia, que estivera com o padre. Todos se inclinaram. - Oh, perdão! - disse ele, e fechou a porta.
- Onna! - chamou.
A mulher pensou um instante, depois chamou-o com um gesto. Ele a seguiu por outro corredor. Ela puxou uma porta para o lado. Ele reconheceu seu quarto pelo crucifixo. Os acolchoados já estavam estendidos.
- Obrigado - disse, aliviado. - Agora, vá buscar Onna!
A velha afastou-se, silenciosa. Ele sentou-se, a cabeça e o corpo doendo, e desejou que houvesse uma cadeira, perguntando a si mesmo onde as guardavam. Como chegar a bordo? Como conseguir algumas armas? Deve haver um modo. Ouviu passos abafados voltando e viu três mulheres agora, a velha, uma garota de rosto redondo, e a de meia-idade.
A velha apontou para a garota, que parecia um pouco assustada.
- Onna.
- Não. - Blackthorne levantou-se, mal-humorado, e sacudiu um dedo na frente da mulher de meia-idade. - Esta é Onna, por Deus! Você não sabe seu nome? Onna! Estou com fome. Posso comer alguma coisa? - Esfregou o estômago, parodiando fome. Elas se entreolharam. Então a mulher de meia-idade sacudiu os ombros, disse alguma coisa que fez as outras rir, foi até a cama e começou a se despir. As outras duas se acocoraram, de olhos arregalados e expectantes.
Blackthorne estava apavorado.
- O que está fazendo?
- Ikimasho! - disse ela, puxando para o lado a larga faixa de cintura e abrindo o quimono. Tinha os seios chatos e murchos, e uma vasta barriga. Estava absolutamente claro que ela ia se pôr na cama. Ele balançou a cabeça, disse-lhe que se vestisse, pegou-lhe o braço e começaram todos a tagarelar e a gesticular, e a mulher a ficar bastante zangada. Tirou a longa combinação e, nua, tentou voltar para a cama. O alvoroço se interrompeu e todas se curvaram quando o chefe da aldeia chegou silenciosamente pelo corredor.
- Nanda? Nanda? - perguntou.
A velha explicou o que estava acontecendo.
- Você quer esta mulher? - perguntou, incrédulo, num português com sotaque pesado, quase incompreensível, apontando para a mulher nua.
- Não. Não, claro que não. Só queria que Onna me trouxesse comida. - Blackthorne apontou-a impaciente. - Onna!
- "Onna" quer dizer "mulher". - O japonês apontou para cada uma: - Onna, onna, onna. Você quer onna?
Blackthorne sacudiu a cabeça, cansado.
- Não. Não, obrigado. Cometi um engano. Desculpe. Qual é o nome dela?
- Por favor?
- Qual é o nome dela?
- Ah! Namae é Haku. Haku.
- Haku?
- Hai. Haku!
- Desculpe, Haku-san. Pensei que "onna" fosse seu nome.
O homem explicou a Haku e ela não ficou nem um pouco satisfeita. Mas ele disse alguma coisa e elas todas olharam para Blackthorne, riram por trás das mãos e saíram. Haku afastou-se nua, levando o quimono no braço, com uma vasta dose de dignidade.
- Obrigado - disse Blackthorne, furioso com a própria estupidez.
- Esta minha casa. Meu namae Mura.
- Mura-san. O meu é Blackthorne.
- Por favor?
- Meu namae. Blackthorne.
- Ah, Berr-rakk-fon. - Mura tentou várias vezes, mas não conseguiu dizer o nome. Acabou desistindo e continuou a estudar o colosso à sua frente. Era o primeiro bárbaro que via, com exceção do Padre Sebastio e do outro padre, muitos anos atrás. Mas de qualquer modo, pensou, os padres têm cabelo e olhos pretos e altura normal. Mas este homem alto, de cabelo dourado, barba dourada, olhos azuis e uma estranha palidez na pele onde ela é coberta e uma vermelhidão onde é exposta. Surpreendente! Eu pensava que todos os homens tivessem cabelo preto e olhos escuros. Nós todos temos. Os chineses têm, e a China não é o mundo todo, com exceção da terra dos bárbaros portugueses do sul? Surpreendente! E por que o Padre Sebastio odeia tanto este homem? Porque é um adorador de Satã? Eu não pensaria isso, porque o Padre Sebastio poderia expulsar o Diabo se quisesse. Puxa, nunca tinha visto o bom padre tão zangado! Nunca. Surpreendente! Olhos azuis e cabelo dourado são a marca de Satã?
Mura olhou Blackthorne e lembrou-se de como tentara interrogá-lo a bordo do navio e depois, quando este capitão ficara inconsciente, resolvera trazê-lo para sua casa porque era o líder e devia merecer consideração especial. Haviam-no deitado sobre o acolchoado e o despiram, muito curiosos.
- As partes sem par dele certamente são impressionantes, neh? - dissera Saiko, a mãe de Mura. - Pergunto a mim mesma quão grandes não devem ser quando eretas.
- Grandes - respondera ele, e todos riram, a mãe, a esposa, os amigos, os criados e o médico.
- Suponho que as mulheres deles devam ser... devam ser igualmente dotadas - dissera Niji, sua esposa.
- Que absurdo, garota - dissera a mãe. - Um bom número das nossas cortesãs poderiam alegremente fazer a acomodação necessária. - Meneou a cabeça, espantada. - Nunca tinha visto nada como ele em toda a minha vida. Muito esquisito mesmo, neh?
Lavaram-no e ele não saíra do estado de coma. O médico não achara prudente mergulhá-lo num banho propriamente dito até que despertasse. — Talvez devêssemos nos lembrar, Mura-san, de que não sabemos como o bárbaro realmente é - dissera com cauteloso bom senso. — Sinto muito, mas poderíamos matá-lo por engano. Obviamente ele está no limite de suas forças. Devemos praticar a paciência.