Felizmente obedeceram. O daimio proferiu alguma coisa gutural e o padre traduziu isso como uma advertência para que ele dissesse a verdade, e a dissesse rapidamente. Blackthorne pedira uma cadeira, mas o padre disse que os japoneses não usavam cadeiras e não havia nenhuma no Japão.
Blackthorne estava concentrado no padre enquanto este falava com o daimio, procurando um indício, uma passagem entre os recifes.
Há arrogância e crueldade no rosto do daimio, pensou. Aposto como é um verdadeiro bastardo. O japonês do padre não é fluente. Ah, viu isso? Irritação e impaciência. O daimio pediu outra palavra, uma palavra mais clara? Acho que sim. Por que o jesuíta está usando vestes alaranjadas? O daimio é católico?
Olhe, o jesuíta é muito respeitoso e está suando um bocado. Aposto que o daimio não é católico. Preste atenção! Talvez ele não seja católico. Se for, não lhe dará acolhida alguma. Como será que você pode usar esse bastardo miserável? Como falar diretamente com ele? Como é que você vai lidar com o padre? Como desacreditá-lo? Qual é a isca? Vamos, pense! Você sabe o suficiente sobre jesuítas...
- O daimio diz para você se apressar e responder às perguntas dele.
- Sim. Claro, desculpe. Meu nome é John Blackthorne. Sou inglês, piloto-mor de uma frota neerlandesa. Nosso porto de partida é Amsterdã.
- Frota? Que frota! Está mentindo. Não há frota alguma. Por que um inglês é piloto de um navio holandês?
- Tudo na sua hora. Primeiro, por favor, traduza o que eu disse. Vamos!
Blackthorne decidiu jogar. Sua voz endureceu abruptamente e rompeu o calor da manhã.
- Que vá! Primeiro traduza o que eu disse, espanhol! Agora!
O padre corou.
- Sou português! Já lhe disse. Responda à pergunta.
- Estou aqui para falar com o daimio, não com você. Traduza o que eu disse. seu lixo sem mãe! - Blackthorne viu o padre avermelhar-se ainda mais e sentiu que isso não passara despercebido ao daimio. Seja prudente, preveniu a si mesmo. Esse bastardo amarelo vai cortá-lo em pedaços mais depressa do que um cardume de tubarões se você passar da conta. - Diga ao senhor daimio! - Blackthorne fez deliberadamente uma profunda reverência para a plataforma e sentiu um suor gelado começar a porejar enquanto se comprometia irreversivelmente com o rumo da sua ação.
O Padre Sebastio sabia que seu treinamento deveria fazê-lo impermeável aos insultos do pirata e ao plano evidente de desacreditá-lo frente ao daimio. Mas pela primeira vez isso não ocorreu e ele se sentiu perdido. Quando o mensageiro de Mura levara a notícia do navio à sua missão na província vizinha, ele ficara agitado com as implicações. Não pode ser holandês nem inglês! - pensara. Nunca houvera um navio herético no Pacífico, com exceção dos do arquidiabólico corsário Drake, e nunca ali na Ásia. As rotas eram secretas e guardadas. Ele se preparara imediatamente para partir e enviara uma mensagem urgente, por pombo-correio, a seu superior em Osaka, desejando ter podido consultá-lo primeiro, sabendo que era jovem, quase inexperiente o novo no Japão, há uns escassos dois anos ali, ainda não ordenado e sem competência para lidar com essa emergência. Correra para Anjiro, esperando e rezando para que a notícia não fosse verdadeira. Mas o navio era holandês e o piloto, inglês, e toda a sua repugnância pelas satânicas heresias de Lutero, Calvino, Henrique VIII e a arquiinimiga Elizabeth, filha bastarda deste último, o dominara completamente. E ainda lhe anuviara o discernimento.
- Padre, traduza o que o pirata disse - ouviu o daimio dizer.
Ó bendita mãe de Deus, ajude-me a fazer a sua vontade. Ajude-me a ser forte diante do daimio, dê-me o dom das línguas e deixe-me convertê-lo à verdadeira fé.
O Padre Sebastio reuniu toda a habilidade que tinha e começou a falar com mais confiança.
Blackthorne ouviu com cuidado, tentando distinguir as palavras e os significados. O padre falou "Inglaterra", "Blackthorne", o apontou para o navio, lindamente ancorado na baía.
- Como chegou aqui? - perguntou o Padre Sebastio.
- Pelo estreito de Magalhães. Estamos a cento e trinta e seis dias de lá. Diga ao daimio...
- Está mentindo. O estreito de Magalhães é secreto. Você veio pela África e índia. Você terá que dizer a verdade de qualquer modo. Usam tortura aqui.
- O estreito era secreto! Um português nos vendeu um portulano. Um dos seus vendeu vocês por um pouco do ouro de Judas. Vocês são todos estrume! Agora os navios de guerra ingleses, e holandeses, conhecem o caminho através do Pacífico. Há uma esquadra - vinte navios de linha ingleses, navios de guerra com sessenta canhões - atacando Manila bem neste instante. O seu império está acabado!
- Está mentindo!
Sim, pensou Blackthorne, sabendo que não havia meio de provar a mentira exceto indo até Manila.
- Essa esquadra vai devastar as suas rotas marítimas e aniquilar as suas colônias. Há outra esquadra holandesa com chegada aqui prevista para qualquer semana. O porco luso-espanhol está de volta ao chiqueiro, e o pênis do seu geral jesuíta está no ânus dele, que é o lugar onde deve estar! - Voltou-se e curvou-se para o daimio.
- Deus o amaldiçoe e à sua boca imunda!
- Ano mono wa nani o moshite oru! - vociferou o daimio com impaciência.
O sacerdote falou mais rápida e asperamente, e citou "Magalhães" e "Manila", mas Blackthorne achou que o daimio e seus lugar-tenentes não pareciam compreender com muita clareza.
Yabu estava se cansando daquele julgamento. Olhou para a enseada, para o navio que o obcecava desde que recebera a mensagem secreta de Omi, e perguntou novamente a si mesmo se aquele era o presente dos deuses que esperava.
- Já inspecionou a carga, Omi-san? - perguntara assim que chegara naquela manhã, respingado de lama e muito cansado.
- Não, senhor. Achei melhor lacrar o navio até que o senhor viesse pessoalmente, mas os porões estão cheios de engradados e fardos. Espero ter agido corretamente. Aqui estão todas as chaves. Confisquei-as.
- Bom. - Yabu viera de Yedo, capital de Toranaga, a mais de cem milhas de distância, com a urgência de um mensageiro, furtivamente, e com grande risco pessoal, e era vital que regressasse tão rapidamente quanto viera. A jornada levara quase dois dias por estradas enlameadas e riachos transbordantes devido à primavera, parcialmente a cavalo e parcialmente de palanquim.
- Irei até o navio imediatamente.
- Deveria ver os estrangeiros, senhor - dissera Omi com uma risada. - São inacreditáveis. A maioria tem olhos azuis, como gatos siameses, e cabelo dourado. Mas a melhor notícia é que eles são piratas...
Omi lhe falara sobre o padre, sobre o que este relatara a respeito daqueles corsários, o que o pirata dissera e o que acontecera; a animação de Yabu triplicara. Dominara a impaciência para ir a bordo e quebrar os lacres. Em vez disso tomara um banho, trocara a roupa e ordenara que os bárbaros fossem trazidos à sua presença.
- Você, padre - disse com voz cortante, praticamente incapaz de compreender o mau japonês do sacerdote. - Por que ele está tão furioso com você?
- Ele é mau. Pirata. Adora o Diabo.
Yabu inclinou-se para Omi, o homem à sua esquerda.
- Você entende o que ele está dizendo, sobrinho? Está mentindo? O que acha?
- Não sei, senhor. Quem sabe no que é que os bárbaros realmente acreditam? Imagino que o padre acha que o pirata é adorador do Diabo. Claro que isso tudo é um absurdo.