Yabu deu as costas ao padre, detestando-o. Gostaria de poder crucificá-lo hoje e apagar o cristianismo dos seus domínios de uma vez por todas. Mas não podia. Embora ele e todos os outros daimios tivessem poder total em seus respectivos territórios, ainda estavam sujeitos à autoridade superior do conselho de regentes, a junta militar dirigente à qual o taicum legara legalmente o poder durante a minoridade de seu filho, e sujeitos também aos editos que o taicum emitira em vida, que ainda estavam todos legalmente em vigor. Um desses, promulgado anos antes, tratava dos bárbaros portugueses e ordenava que fossem todos protegidos e que, dentro dos limites do bom senso, sua religião devia ser tolerada e seus padres autorizados, dentro dos limites do bom senso, a fazer prosélitos e a converter.
- Você, padre! O que mais o pirata disse? O que estava lhe dizendo? Vamos! Perdeu a língua?
- Pirata diz coisas ruins. Ruins. Sobre mais velejares de guerra piratas, muitos.
- O que quer dizer com "velejares de guerra"?
- Desculpe, senhor, não entendo.
- Velejares de guerra não faz sentido, neh?
- Ah! Pirata diz outros guerra barcos estar em Manila, nas Filipinas.
- Omi-san, você compreende o que ele está dizendo?
- Não, senhor. A pronúncia é assustadora, é quase uma linguagem desarticulada. Está dizendo que há mais navios piratas a leste do Japão?
- Você, padre! Esses navios piratas estão ao largo da nossa costa? A leste? Hein?
- Sim, senhor. Mas acho que ele mente. Falou em Manila.
- Não compreendo. Onde é Manila?
- A leste. Uma viagem de muitos dias.
- Se aparecerem navios piratas aqui, daremos a eles uma agradável acolhida, seja Manila onde for.
- Por favor, desculpe-me, não o compreendo.
- Não importa - disse Yabu, com a paciência esgotada.
Já decidira que os estrangeiros deviam morrer e antecipava com prazer essa perspectiva. Obviamente aqueles homens não se incluíam no edito do taicum, que especificava "bárbaros portugueses", e de qualquer modo eram piratas. Pelo que podia se lembrar, sempre odiara os bárbaros, seu mau cheiro, sua imundície e seus nojentos hábitos de comer carne, sua religião estúpida, sua arrogância, e suas maneiras detestáveis. Mais do que isso, ele se sentia humilhado, como todos os daimios, pela opressão deles sobre a Terra dos deuses. Fazia séculos que existia um estado de guerra entre China e Japão. A China não permitia o comércio. A seda chinesa era vital para tornar suportável o longo, quente e úmido verão japonês. Durante gerações apenas uma quantidade mínima de seda contrabandeada escorregara pelas malhas da fiscalização, para ser encontrada no Japão a um custo enorme. Então, sessenta e tantos anos atrás, os primeiros bárbaros chegaram. O imperador chinês em Pequim deu-lhes uma minúscula base permanente em Macau, no sul da China, e concordou em comerciar seda por prata. O Japão tinha prata em abundância. Logo o comércio estava florescendo. Ambos os países prosperaram. Os intermediários, os portugueses, enriqueciam, e seus padres - jesuítas na maioria - logo se tornaram vitais para o comércio. Só eles haviam tentado aprender japonês e chinês, e por isso podiam agir como negociadores e intérpretes. À medida que o comércio foi crescendo, os padres foram se tornando mais essenciais. Agora o comércio anual era imenso e tocava a vida de cada samurai. De modo que os padres tinham que ser tolerados, assim como a difusão da sua religião, ou os bárbaros levantariam âncoras e o comércio cessaria.
Havia atualmente uma grande quantidade de daimios cristãos importantes, e muitas centenas de milhares de convertidos, na maioria em Kyushu, a ilha meridional que ficava mais próxima da China e abrigava o porto português de Nagasaki. Sim, pensou Yabu, temos que tolerar os padres e os portugueses, mas não estes bárbaros, os novos, os inacreditáveis homens de cabelo dourado e olhos azuis. Sentiu-se invadido pela animação. Agora, finalmente, poderia satisfazer a curiosidade de saber como um bárbaro morreria quando submetido à tortura. E tinha onze homens, onze testes diferentes, para experimentar. Nunca se interrogara por que a agonia dos outros o agradava. Apenas sabia que agradava e que por isso era algo a procurar e a gozar.
- Este navio, estrangeiro, não português e pirata - disse Yabu -, está confiscado com tudo o que contém. Todos os piratas estão condenados à... - Ficou boquiaberto quando viu o chefe dos piratas subitamente saltar para cima do padre, arrancar-lhe o crucifixo de madeira do cinto, quebrá-lo em pedaços e atirá-los no chão, depois gritar bem alto alguma coisa. Quando os guardas se lançaram para ele, espadas em riste, o pirata imediatamente caiu de joelhos e fez-lhe uma profunda reverência.
- Parem! Não o matem! - Yabu estava atônito de que alguém pudesse ter a impertinência de agir com tal falta de educação na sua frente. - Esses bárbaros são absolutamente inacreditáveis!
- Sim - disse Omi, a mente fervilhando com as questões que aquela atitude implicava.
O padre ainda estava ajoelhado, contemplando fixamente os pedaços da cruz. Todos viram-no estender a mão, trêmula, e recolher o lenho violado. Disse alguma coisa ao pirata em voz baixa, quase gentil. Seus olhos se fecharam, as mãos se postaram e os lábios começaram a mover-se lentamente. O chefe pirata olhava os japoneses imóvel, os olhos azul-pálidos sem piscar, felinos, diante da sua tripulação.
- Omi-san - disse Yabu -, primeiro quero ir até o navio, depois começaremos. - Sua voz se turvou quando ele contemplou o prazer que prometera a si mesmo. - Quero começar com aquele de cabelo vermelho ali na ponta, o homem baixinho.
Omi inclinou-se mais, para chegar mais perto, e baixou a voz excitada.
- Por favor, desculpe-me, mas isso nunca aconteceu antes, senhor. Desde que os bárbaros portugueses chegaram aqui.
O crucifixo não é o símbolo sagrado deles? Não são sempre respeitosos com os padres? Exatamente como os nossos cristãos? Os padres não têm controle absoluto sobre eles?
- Vá direto ao ponto.
- Nós todos detestamos os portugueses, senhor. Exceto os cristãos entre nós, neh? Talvez esses bárbaros lhe sejam de mais valia vivos do que mortos.
- Como?
- Porque são únicos. São anticristãos! Talvez um homem sábio pudesse encontrar um meio de usar o ódio deles - ou a irreligiosidade - a nosso favor. São propriedade sua, pode fazer com eles o que quiser. Neh?
Sim. E quero-os sob tortura, pensou Yabu. Sim, mas você pode gozar disso a qualquer momento. Ouça Omi. É um bom conselheiro. Mas merece confiança agora? Será que tem um motivo secreto para dizer isso? Pense.
- Ikawa Jikkyu é cristão - ouviu o sobrinho dizer, citando o seu odiado inimigo, um dos parentes e aliados de Ishido, assentado nos seus limites ocidentais. — Não é lá que esse padre imundo tem o seu lar? Talvez estes bárbaros pudessem lhe dar a chave para abrir toda a província de Ikawa. Talvez a de Ishido. Talvez até a do Senhor Toranaga - acrescentou Omi delicadamente.
Yabu estudou o rosto de Omi, tentando alcançar o que estava por trás dele. Depois desviou o olhar para o navio. Não tinha dúvida alguma, agora, de que fora enviado pelos deuses. Sim.
Mas como um presente ou como um flagelo?
Renunciou ao próprio prazer pela segurança do seu clã.
- Concordo. Mas primeiro baixe a crista desses piratas. Ensine-lhes boas maneiras. Especialmente a ele.
- Pela morte do bom Jesus! - resmungou Vinck.
- Devíamos fazer uma prece - disse Van Nekk.
- Acabamos de fazer uma.
- Talvez fosse melhor fazermos outra. Senhor Deus no paraíso, eu saberia como usar uma pinta de conhaque agora!
Estavam amontoados numa cela profunda, uma das muitas que os pescadores usavam para armazenar peixe seco ao sol. Os samurais os haviam arrebanhado através da praça, desceram uma escada, e agora estavam trancados no subterrâneo. A cela tinha cinco passos de comprimento, cinco de largura e quatro de altura, com chão e paredes de terra. O teto era feito de pranchas de madeira com um pé de terra em cima e um único alçapão.