- Saia de cima do meu pé, seu gorila amaldiçoado!
- Cale a boca, seu apanhador de merda! - disse Pieterzoon amavelmente. - Ei, Vinck, afaste-se um pouco, seu velho peido desdentado, você ocupa mais espaço do que qualquer um! Por Deus, eu poderia usar uma cerveja gelada! Afaste-se.
- Não posso, Pieterzoon. Estamos mais apertados aqui do que a bunda de uma virgem.
- É o capitão-mor. Ficou com o espaço todo. Dêem-lhe um empurrão. Acordem-no! - disse Maetsukker.
- Hein? O que é que há? Deixem-me em paz. O que está acontecendo? Estou doente. Tenho que ficar deitado. Onde estamos?
- Deixem-no em paz. Ele está doente. Vamos, Maetsukker, levante-se, pelo amor de Deus. - Zangado, Vinck empurrou Maetsukker e atirou-o contra a parede. Não havia espaço suficiente para todos se deitarem, ou mesmo sentarem confortavelmente, ao mesmo tempo. O capitão-mor, Paulus Spillbergen, estava deitado ao comprido sob o alçapão, onde havia o melhor ar, a cabeça apoiada no seu capote enrolado. Blackthorne estava encostado a um canto, olhando fixamente para o alçapão. A tripulação o deixara em paz e permanecera à distância dele, preocupada, da melhor maneira que pudera, reconhecendo-lhe, de longa experiência, o estado de espírito e a violência tempestuosa e explosiva que sempre espreitava logo abaixo da sua aparência tranqüila.
Maetsukker perdeu o controle e desferiu um soco na virilha de Vinck.
- Deixe-me em paz ou eu o mato, seu bastardo!
Vinck voou para cima dele, mas Blackthorne agarrou a ambos e bateu-lhes a cabeça contra a parede.
- Calem-se, todos vocês - disse calmamente. Fizeram o que lhes foi ordenado. - Vamos nos dividir em grupos. Um grupo dorme, outro senta, e outro fica em pé. Spillbergen fica deitado até se recuperar. Aquele canto é a latrina. - Dividiu-os. Quando se reorganizaram, a situação tornou-se mais suportável. Temos que dar o fora daqui dentro de um dia ou estaremos fracos demais, pensou Blackthorne. Quando descerem a escada para nos trazer comida ou água. Terá que ser esta noite ou amanhã à noite.
Por que nos puseram aqui? Não representamos ameaça. Poderíamos ajudar o daimio. Será que ele vai compreender? Era o meu único meio de mostrar-lhe que o padre é o nosso verdadeiro inimigo. Será que vai compreender? O padre compreendeu.
- Talvez Deus possa perdoar-lhe pelo sacrilégio, mas eu não - dissera o Padre Sebastio, muito calmamente. - Não descansarei enquanto você e o seu mal não forem aniquilados.
O suor pingava-lhe pelas faces e o queixo. Enxugou-o distraidamente, ouvidos sintonizados na cela, como ficavam quando ele estava a bordo e dormindo, ou de guarda e devaneando: apenas para tentar ouvir o perigo antes que ele ocorresse.
Temos que dar o fora daqui e tomar o navio. Gostaria de saber o que Felicity está fazendo. E as crianças. Vejamos, Tudor tem sete anos agora e Lisbeth... Estamos a um ano, onze meses e seis dias de Amsterdã, mais trinta e sete dias abastecendo e vindo de Chatham para cá, mais os onze dias de idade que ela já tinha antes do embarque em Chatham. É essa a idade dela, exatamente - se tudo estiver bem. Deve estar. Felicity estará cozinhando, tomando precauções, limpando e tagarelando enquanto as crianças crescem, tão fortes e destemidas quanto a mãe. Será ótimo estar em casa de novo, caminharmos juntos pela praia e pelas florestas e clareiras e pela beleza que é a Inglaterra.
Através dos anos ele se treinara a pensar neles como personagens de uma peça. Pessoas que a gente amou e por quem sofreu, numa peça que não termina nunca. De outro modo a dor de estar longe seria excessiva. Quase que podia contar os dias que passara em casa nos onze anos de casamento. Poucos, pensou, muito poucos. - É uma vida dura para uma mulher, Felicity - ele lhe dissera antes. E ela dissera: - Qualquer vida é dura para uma mulher. - Tinha dezessete anos então, era alta, seu cabelo era comprido e sensu...
Seus ouvidos lhe disseram para se acautelar.
Os homens estavam sentados, encostados ou tentando dormir.
Vinck e Pieterzoon, bons amigos, conversavam tranqüilamente.
Van Nekk, como os outros, fitava o espaço. Spillbergen estava meio desperto, e Blackthorne pensou que o homem era mais forte do que deixara qualquer um crer.
Houve um súbito silêncio quando ouviram os passos acima da cabeça. Os passos pararam. Vozes abafadas, ásperas, numa língua de sons estranhos. Blackthorne pensou reconhecer a voz do samurai - Omi-san? Sim, era esse o nome dele -, mas não conseguiu ter certeza. Num instante as vozes cessaram e os passos se afastaram.
- Acha que vão nos alimentar, piloto? - disse Sonk.
- Sim.
- Eu saberia o que fazer com um drinque. Uma cerveja gelada, por Deus - disse Pieterzoon.
- Cale a boca - disse Vinck. - Você sozinho é suficiente para fazer um homem tranqüilo transpirar.
Blackthorne tinha consciência da sua camisa encharcada. E do mau cheiro. Pelo Senhor Deus, eu tomaria um banho, pensou, o repentinamente sorriu, lembrando-se.
Mura e os outros o haviam carregado para dentro da sala quente naquele dia e o deitaram num banco de pedra, com os membros ainda adormecidos e movendo-se lentamente.
As três mulheres, lideradas pela velha, começaram a despi-lo o ele tentara detê-las, mas cada vez que se movia um dos homens lhe apertava um nervo e o deixava impotente; apesar do muito que xingou e praguejou, continuaram a despi-lo até deixá-lo nu.
Não que se sentisse envergonhado de ficar nu na frente de uma mulher, acontecia simplesmente que o ato de despir-se era sempre realizado privadamente e esse era o costume. Além disso, não gostava de ser despido por ninguém, especialmente por aqueles nativos incivilizados. Mas ser despido publicamente como um bebê indefeso e lavado como um bebê com água quente, contendo sabão o perfume, enquanto todos tagarelavam e sorriam vendo-o de costas, era demais. Depois tivera uma ereção e, quanto mais tentava impedir que acontecesse, pior se tornava - pelo menos foi o que pensou, mas as mulheres não. Os olhos delas cresceram e ele começou a corar. Jesus, Senhor Deus, Um e único, não posso estar corando, mas estava e isso pareceu aumentar-lhe o tamanho. A velha bateu palmas de admiração e disse alguma coisa a que todos assentiram com mais veemência.
Mura dissera com enorme gravidade:
- Capitão-san, Mãe-san lhe agradece, o melhor dia da vida dela, agora morre feliz! - e inclinaram-se, ele e os outros, ao mesmo tempo. Foi nessa altura que Blackthorne percebeu o cômico da situação e começou a rir. Os outros ficaram surpresos, depois se puseram a rir também, a risada levou-lhe a potência embora, a velha ficou um pouco triste, e disse isso, o que o fez rir ainda mais, assim como a todos. Em seguida deitaram-no gentilmente no imenso calor da água profunda, que ele não conseguiu suportar muito tempo; estenderam-no ofegante sobre o banco mais uma vez. As mulheres o enxugaram e depois apareceu um velho cego. Blackthorne jamais conhecera massagem. Inicialmente tentara resistir aos dedos esquadrinhadores, mas depois deixou-se seduzir pela mágica deles o se viu quase como uni gato enquanto os dedos descobriam as nodosidades e davam passagem ao sangue ou ao elixir que espreitava por sob pele, músculos e tendões.
Depois ajudaram-no a ir para a cama, estranhamente fraco, meio em sonho, e a garota estava lá. Foi paciente com ele, e depois de dormir, quando ele teve força, tomou-a com cuidado.
Não lhe perguntou o nome e de manhã, quando Mura, tenso o muito assustado, o arrancara ao sono, ela já se tinha ido.
Blackthorne suspirou. A vida é maravilhosa, pensou.
Na cela, Spillbergen gemia novamente, Maetsukker embalava-lhe a cabeça e lamentava-se não de dor, mas de medo, e o rapaz Croocq estava a ponto de estourar. Jan Roper disse: