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E o bushido? perguntava-lhes ele sempre de volta.

Nunca lhe responderam.

Nunca, nem em seus sonhos mais extravagantes, pensara que jamais teria recursos para conseguir quinhentas armas. Mas agora as tinha de graça e só ele sabia como usá-las. Mas a favor de que lado? O de Toranaga ou de Ishido? Ou deveria esperar, e talvez ser o eventual vencedor?

- Igurashi-san, você viajará à noite e manterá segurança estrita.

- Sim, senhor.

- Isto deve permanecer em segredo, Mura, ou a aldeia será eliminada.

- Não se dirá nada, senhor. Posso falar pela minha aldeia. Não posso falar pela viagem ou por outras aldeias. Quem pode saber onde há espiões? Mas por nós nada será dito.

Depois Yabu fora até a sala-forte. Continha o que presumiu que fosse pilhagem pirata: placas de ouro e prata, cálices, candelabros e ornamentos, algumas pinturas religiosas em molduras ornamentadas. Um baú continha roupas de mulher, elaboradamente bordadas a fio de ouro e pedras coloridas.

- Fundirei a prata e o ouro em lingotes e os porei no tesouro - dissera Zukimoto. Era um homem hábil, pedante, na casa dos quarenta anos, que não era samurai. Anos antes fora um sacerdote-guerreiro budista, mas o taicum, o Senhor Protetor, havia aniquilado o seu mosteiro numa campanha para expurgar a terra de certos mosteiros e seitas budistas de guerreiros militantes, que não aprovavam sua soberania absoluta. Por meio de suborno Zukimoto conseguira escapar daquela morte prematura e se tornara mascate, em seguida um pequeno mercador de arroz. Há dez anos juntara-se ao comissariado de Yabu e agora era indispensável.

- Quanto às roupas, talvez o fio de ouro e as gemas tenham valor. Com a sua permissão, vou mandar empacotá-las e enviá-las a Nagasaki, com alguma coisa mais que eu possa aproveitar. - O porto de Nagasaki, na costa extremo-meridional da ilha de Kyushu, ao sul, era o entreposto e mercado legal dos portugueses. - Os bárbaros talvez paguem bem por essas bugigangas.

- Bom. E quanto aos fardos no outro porão?

- Todos contém um tecido pesado. Praticamente inútil para nós, senhor, sem nenhum valor comercial em absoluto. Mas isto deve agradar-lhe. - Zukimoto abrira a caixa-forte. A caixa continha vinte mil moedas de prata cunhadas. Dobrões espanhóis. Da melhor qualidade.

Yabu mexeu-se na água. Enxugou o suor do rosto e do pescoço com a toalhinha branca e mergulhou mais fundo no banho quente perfumado. Se há três dias, disse ele a si mesmo, um adivinho tivesse antecipado que tudo isto aconteceria, você lhe teria comido a língua por dizer mentiras impossíveis.

Três dias atrás ele estava em Yedo, a capital de Toranaga. A mensagem de Omi chegara ao pôr-do-sol. Evidentemente o navio tinha que ser investigado de imediato. Mas Toranaga ainda se encontrava em Osaka para a confrontação final com o Senhor General Ishido e, na sua ausência, convidara Yabu e todos os daimios amigos da vizinhança a esperar até que retornasse. Um convite assim não podia ser recusado sem sinistros resultados.

Yabu sabia que ele e os outros daimios independentes e respectivas famílias eram meramente proteção adicional à segurança de Toranaga e, embora naturalmente a palavra jamais devesse ser usada, eram reféns contra o regresso de Toranaga da inexpugnável fortaleza do inimigo em Osaka, onde o encontro estava se realizando. Toranaga era presidente do conselho de regentes que o taicum designara no seu leito de morte para governar o império durante a minoridade de seu filho Yaemon, agora com sete anos de idade. Havia cinco regentes, todos eminentes daimios, mas apenas Toranaga e Ishido tinham poder efetivo.

Yabu considerara cuidadosamente todas as razões para ir a Anjiro, os riscos envolvidos, e as razões para ficar. Depois mandara chamar a esposa e a consorte favorita. Uma consorte era uma amante formal, legal. Um homem podia ter tantas quantas quisesse, mas apenas uma esposa de cada vez.

- Meu sobrinho Omi acaba de me enviar uma mensagem secreta falando que um navio bárbaro aportou em Anjiro.

- Um dos Navios Negros? - perguntara a esposa, excitada.

Referia-se aos imensos e incrivelmente ricos navios mercantes que, levados pelas monções, cobriam anualmente o percurso entre Nagasaki e a colônia portuguesa de Macau, que ficava a quase mil milhas ao sul, na China continental.

- Não. Mas talvez seja rico também. Vou partir imediatamente. Você deve dizer que fiquei doente e não posso ser perturbado por motivo algum. Estarei de volta dentro de cinco dias.

- Isso é incrivelmente perigoso - advertiu-o a esposa. - O Senhor Toranaga deu ordens específicas para que ficássemos. Estou certa de que ele fará outro acordo com Ishido e é poderoso demais para ser insultado. Senhor, nunca poderíamos ter certeza de que ninguém suspeitaria da verdade, há espiões por toda parte. Se Toranaga regressasse e descobrisse que o senhor partiu, sua ausência seria mal interpretada. Seus inimigos lhe envenenariam a mente contra o senhor.

- Sim - acrescentara a consorte. - Por favor, desculpe-me, mas o Senhor Toranaga nunca acreditaria que o senhor lhe desobedeceu apenas para examinar um navio bárbaro. Por favor, mande outra pessoa.

- Mas não se trata de um navio bárbaro comum. Não é português. Ouçam-me. Omi diz que é de um país diferente. Os homens falam entre si uma língua de som diferente, e têm olhos azuis e cabelos dourados.

- Omi-san ficou louco. Ou tomou saquê demais - dissera a esposa.

- Isto é importante demais para brincadeiras, tanto dele quanto suas.

A esposa se curvara, pedira desculpas e dissera que ele estava absolutamente certo em corrigi-la, mas que a observação não visava à troça. Ela era uma mulher pequena, magra, dez anos mais velha do que ele, que lhe dera um filho por ano durante oito anos até que seu útero murchasse, e dos filhos, cinco foram homens. Três haviam-se tornado guerreiros e morrido bravamente na guerra contra a China. Outro se tornara sacerdote budista e o último, agora com dezenove anos, era desprezado pelo pai.

A esposa, Senhora Yuriko, era a única mulher que ele jamais temera, a única a que jamais dera valor - com exceção da mãe, já falecida -, e que governava a casa com açoite de seda.

- Desculpe-me novamente, por favor - disse ela. – Omi-san entrou em pormenores sobre a carga?

- Não. Não a examinou, Yuriko-san. Diz que, como o navio era tão incomum, lacrou-o imediatamente. Nunca houve um navio não português, neh? Diz também que é um navio de guerra. Com vinte canhões nos conveses.

- Ah! Então alguém deve ir imediatamente.

- Vou eu mesmo.

- Por favor, reconsidere. Mande Mizuno. Seu irmão é inteligente e prudente. Imploro-lhe que não vá.

- Mizuno é fraco e não merece confiança.

- Então ordene-lhe que cometa seppuku e dê um jeito nele - disse ela asperamente. Seppuku, às vezes chamado de haraquiri, o suicídio ritual por estripamento, era o único modo de um samurai expiar com honra uma vergonha, um pecado, ou uma falta, e era prerrogativa exclusiva da casta dos samurais. Todos eles - tanto homens quanto mulheres - eram preparados desde a infância, tanto para o ato mesmo quanto para participar da cerimônia como auxiliar. As mulheres cometiam seppuku somente com uma faca na garganta.

- Mais tarde, não agora - disse Yabu à esposa.

- Então mande Zukimoto. Ele, com certeza, merece confiança.

- Se Toranaga não tivesse ordenado que todas as esposas e consortes também permanecessem aqui, eu mandaria você. Mas isso também seria muito arriscado. Tenho que ir. Não tenho opção. Yuriko-san, você me diz que meu tesouro está vazio. Diz que não tenho mais crédito com os imundos usurários. Zukimoto diz que estamos cobrando o imposto máximo dos meus camponeses. Preciso ter mais cavalos, equipamentos, armas, e mais samurais. Talvez o navio forneça os meios.