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- As ordens do Senhor Toranaga foram absolutamente claras, senhor. Se ele voltar e descobrir...

- Sim. Se ele voltar, senhora. Ainda acho que ele se colocou numa armadilha. O Senhor Ishido tem oitenta mil samurais apenas no Castelo de Osaka e em torno dele. Toranaga ir até lá com umas poucas centenas de homens foi atitude de um louco.

- Ele é muito astuto para se arriscar desnecessariamente - disse ela confiante.

- Se eu fosse Ishido e o tivesse no meu laço, eu o mataria imediatamente.

- Sim - disse Yuriko -, mas a mãe do herdeiro ainda está como refém em Yedo até que Toranaga regresse. O Senhor General Ishido não vai ousar tocar em Toranaga até que ela esteja de volta, em segurança, a Osaka.

- Eu o mataria. Não faz diferença que a Senhora Ochiba viva ou morra. O herdeiro está a salvo em Osaka. Com Toranaga morto, a sucessão é certa. Toranaga é a única ameaça real ao herdeiro, o único com a possibilidade de usar o conselho de regentes, usurpar o poder do taicum e matar o menino.

- Por favor, desculpe-me, senhor, mas talvez o Senhor General Ishido consiga o apoio dos outros três regentes e desacredite Toranaga, e esse é o fim de Toranaga, neh? - disse a consorte.

- Sim, senhora, se Ishido pudesse ele o faria, mas não acho que possa. Ainda. Nem Toranaga. O taicum escolheu os cinco regentes de modo muito inteligente. Desprezaram-se tanto, uns aos outros, que é quase impossível se porem de acordo em qualquer coisa. - Antes de tomar o poder, os cinco grandes daimios haviam publicamente jurado fidelidade eterna ao taicum moribundo, ao seu filho e aos seus desígnios. Haviam prestado juramentos públicos, sagrados, de concordar quanto a um critério de unanimidade no conselho, e feito o voto de entregar o reino intacto a Yaemon quando este atingisse o décimo quinto aniversário. - Critério de unanimidade significa que nada pode ser realmente mudado até que Yaemon herde.

- Mas algum dia, senhor, quatro regentes se unirão contra um, por ciúme, medo ou ambição, neh? Os quatro vão distorcer as ordens do taicum o suficiente para conseguirem a guerra, neh?

- Sim. Mas será uma guerra curta, senhora, e esse um sempre será esmagado e suas terras divididas pelos vencedores, que terão, então, que designar um quinto regente e, com o tempo, serão quatro contra um e novamente um será esmagado e suas terras confiscadas, tudo conforme o que o taicum planejou. Meu único problema é decidir quem será o um desta vez, Ishido ou Toranaga.

- É Toranaga quem vai ficar isolado.

- Por quê?

- Os outros o temem demais porque todos sabem que ele, secretamente, quer ser shogun, por mais que proteste o contrário.

Shogun era o último posto que um mortal podia atingir no Japão. "Shogun" significava supremo ditador militar. Apenas um daimio de cada vez podia possuir o título. E apenas Sua Alteza Imperial, o imperador reinante, o Divino Filho do Céu, que vivia segregado com as famílias imperiais em Kyoto, podia outorgar o título.

Com a atribuição do título de shogun, vinha o poder absoluto - o selo e o mandato do imperador. O shogun governava em nome do imperador. Todo poder derivava do imperador, porque ele descendia diretamente dos deuses. Portanto, todo daimio que se opusesse ao shogun estava automaticamente em revolta contra o trono, era imediatamente banido e todas as suas terras confiscadas.

O imperador reinante era adorado como divindade porque era descendente em linha direta da deusa do Sol, Amaterasu Omikami, um dos filhos dos deuses Izanagi e Izanami, que, do firmamento, haviam formado as ilhas do Japão. Por direito divino, o imperador reinante possuía toda a terra, reinava e era obedecido sem contestação. Mas na prática há mais de seis séculos o poder efetivo provinha de trás do trono.

Seis séculos atrás houvera um cisma quando duas das três grandes famílias samurais rivais, semi-reais - Minowara, Fujimoto e Takashima -, apoiaram pretendentes rivais ao trono e mergulharam o reino numa guerra civil. Depois de sessenta anos os Minowara prevaleceram sobre os Takashima, e os Fujimoto, a família que permanecera neutra, esperaram sua vez.

A partir daí, ciosamente preservando o próprio poder, os shoguns Minowara dominaram o reino, decretaram a hereditariedade do seu shogunato e começaram a casar algumas filhas com a linhagem imperial. O imperador e toda a corte imperial eram mantidos completamente isolados em palácios e jardins murados no pequeno enclave de Kyoto, muitas vezes na penúria, com as atividades perpetuamente limitadas a observar os rituais de xinto, a antiga religião animista do Japão, e a ocupações intelectuais, tais como caligrafia, pintura, filosofia e poesia.

A corte do Filho do Céu era fácil de dominar porque, embora possuísse toda a terra, não tinha rendimento. Somente os daimios, samurais, possuíam rendimentos e o direito a cobrar impostos.

Era por isso então que, embora todos os membros da corte imperial estivessem acima de todos os samurais em posição, viviam de um estipêndio atribuído à corte conforme o capricho do shogun, do kwampaku — o conselheiro-chefe civil — ou da junta militar governante no momento. Poucos eram generosos. Alguns imperadores tiveram até que negociar as próprias assinaturas por comida.

Muitas vezes não havia dinheiro suficiente para uma coroação. Os shoguns Minowara acabaram perdendo o poder para outros, os descendentes dos Takashima ou dos Fujimoto. E como as guerras civis continuassem ferrenhas através dos séculos, o imperador tornou-se cada vez mais um instrumento do daimio que fosse forte o bastante para tomar posse física de Kyoto. No momento em que o novo conquistador de Kyoto massacrava o shogun reinante e sua linhagem, devia - desde que fosse Minowara, Takashima ou Fujimoto -, com humildade, jurar fidelidade ao trono e, submisso, convidar o impotente imperador a lhe conceder o agora vago posto de shogun. Depois, como seus antecessores, tentaria estender o próprio poder para fora de Kyoto até ser, por sua vez engolido por outro. Imperadores casavam-se, abdicavam ou ascendiam ao trono conforme o capricho do shogun. Mas sempre a estirpe do imperador reinante permanecia inviolada e contínua.

De modo que o shogun era todo-poderoso. Até ser derrubado. Muitos foram depostos através dos séculos, enquanto o império se fragmentava em várias facções menores. Nos últimos cem anos, nenhum daimio isolado tivera poder suficiente para se tornar shogun. Doze anos antes o General Nakamura, camponês, tivera o poder e obtivera o mandato do atual imperador, Go Nijo.

Mas Nakamura não pôde ocupar o cargo de shogun, apesar do muito que o desejara, porque nascera camponês. Tivera que se contentar com o título civil, muito inferior, de kwampaku, conselheiro-chefe, e mais tarde, quando renunciara a esse título em favor do filho menor de idade, Yaemon - embora conservando o poder, como era de hábito -, tivera que se contentar com o de taicum. Por costume histórico, somente os descendentes das prolíferas, antigas e semidivinas famílias Minowara, Takashima e Fujimoto tinham direito ao posto de shogun.

Toranaga descendia dos Minowara. Yabu podia traçar a própria linhagem até um vago ramo secundário da família Takashima, o suficiente para uma conexão, se ele algum dia pudesse se tornar supremo.

- , senhora - disse Yabu -, claro que Toranaga quer ser shogun, mas nunca conseguirá. Os outros regentes o desprezam e temem. Neutralizam-no, conforme planejou o taicum. - Inclinou-se para frente e estudou a esposa atentamente. - Você diz que Toranaga vai perder para Ishido?