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- Ficará isolado, sim. Mas no final não acho que perderá, senhor. Imploro-lhe que não desobedeça ao Senhor Toranaga, e não saia de Yedo apenas para examinar o navio bárbaro, não importa quão incomum Omi diga que ele é. Por favor, mande Zukimoto a Anjiro.

- E se o navio contiver um tesouro? Prata ou ouro? Você confiaria em Zukimoto ou em qualquer um dos nossos oficiais?

- Não - dissera a esposa.

Então, naquela noite, ele se insinuara para fora de Yedo secretamente, com apenas quinze homens, e agora tinha riqueza e poder para além de todos os seus sonhos, e cativos inigualáveis, um dos quais ia morrer naquela noite. Providenciara para que uma cortesã e um menino estivessem prontos para mais tarde.

Ao amanhecer, no dia seguinte, retornaria a Yedo. Ao pôr-do-sol, no dia seguinte, as armas e o tesouro iniciariam sua viagem secreta.

As armas! pensou ele, exultante. As armas e o plano, juntos, me darão poder para fazer Ishido vencer, ou Toranaga, seja quem for que eu escolha. Então me tornarei um regente, no lugar do perdedor, neh? Depois o regente mais poderoso. Por que não até shogun? Sim. Tudo é possível agora.

Deixou-se devanear agradavelmente. Como usar as vinte mil moedas de prata? Posso reconstruir o calabouço do castelo. E comprar cavalos especiais -para os canhões. E expandir a nossa rede de espionagem. E quanto a Ikawa Jikkyu? Será que mil moedas seriam suficientes para subornar os cozinheiros de Ikawa Jikkyu para envenená-lo? Mais que suficientes! Quinhentas, talvez até cem moedas, nas mãos certas, fosse muito. Nas mãos de quem?

O sol vespertino infiltrava-se obliquamente pela pequena janela aberta na parede de pedra. A água do banho estava muito quente, aquecida por uma lareira a lenha construída na parede interna. A casa era de Omi e se erguia numa pequena colina que dominava a aldeia e a enseada. O jardim dentro de seus muros era esmerado, sereno e suficiente.

A porta da sala de banho se abriu. O homem cego inclinou-se.

- Kasigi Omi-san me mandou, senhor. Sou Suwo, o massagista dele. - Era alto, muito magro e velho, com o rosto enrugado.

- Bom. - Yabu sempre tivera horror a ficar cego. Pelo que podia se lembrar, sempre tivera sonhos em que acordava na escuridão, sabendo que era dia, abrindo a boca para gritar, sabendo que era desonroso gritar, mas gritando assim mesmo. Depois o despertar verdadeiro e o suor escorrendo. Mas esse horror à cegueira pareceu aumentar-lhe o prazer de ser massageado pelo cego.

Viu a cicatriz de corte na têmpora direita do homem e a fenda profunda no crânio, logo abaixo dela. É um corte de espada, disse a si mesmo. Será que foi isso que causou a cegueira? Será que ele já foi samurai um dia? De quem? Será que é um espião?

Yabu sabia que o homem fora revistado muito cuidadosamente pelos seus guardas antes de ser autorizado a entrar, portanto não temia uma arma oculta. Sua estimada espada comprida estava ao seu alcance, uma lâmina antiga feita pelo mestre espadeiro Murasama. Observou o velho tirar o quimono de algodão e pendurá-lo sem procurar o suporte. Tinha mais cicatrizes de espada no peito. Sua tanga estava muito limpa. Ajoelhou-se, esperando pacientemente.

Yabu saiu do banho quando o outro ficou pronto e deitou-se no banco de pedra. O velho enxugou Yabu cuidadosamente, passou óleo perfumado nas mãos e começou a massagear os músculos do pescoço e das costas do daimio.

A tensão começou a desaparecer à medida que os dedos muito fortes se moviam sobre Yabu, esquadrinhando em profundidade com surpreendente habilidade.

- Isso é bom. Muito bom - disse um momento depois.

- Obrigado, Yabu-sama - disse Suwo. "Suma", que significava "senhor", era uma cortesia obrigatória quando alguém se dirigia a um superior.

- Você serve Omi-san há muito tempo?

- Há três anos, senhor. Ele é muito gentil com um homem velho.

- E antes disso?

- Vaguei de aldeia em aldeia. Alguns dias aqui, meio ano ali, como uma borboleta na brisa de verão. - A voz de Suwo era tão calmante quanto suas mãos. Decidira que o daimio queria conversar e esperou pacientemente pela próxima pergunta. Parte da sua arte era saber o que lhe era exigido e quando. Às vezes seus ouvidos lhe diziam isso, mas na maior parte delas eram os dedos que pareciam destrancar o segredo da mente do homem ou da mulher. Seus dedos estavam lhe dizendo que se acautelasse contra aquele homem, que ele era perigoso e inconstante, por volta dos quarenta anos, bom cavaleiro e excelente espadachim. Além disso que seu fígado estava mal e ele morreria dentro de dois anos. O saquê, e provavelmente os afrodisíacos, o matariam. - O senhor é forte para a sua idade, Yabu-sama.

- Você também. Quantos anos tem, Suwo?

O velho riu, mas seus dedos não paravam nunca.

- Sou o homem mais velho do mundo, do meu mundo. Todas as pessoas que conheci estão mortas há muito tempo. Devo ter mais de oitenta anos, não estou certo. Servi o Senhor Yoshi Chikitada, avô do Senhor Toranaga, quando o feudo do clã não era maior do que esta aldeia. Até me encontrava no acampamento no dia em que foi assassinado.

Yabu deliberadamente manteve o corpo relaxado com um esforço de vontade, mas sua mente se aguçou e ele começou a ouvir atentamente.

- Aquele foi um dia horrível, Yabu-sama. Não sei qual era a minha idade, mas minha voz ainda era firme. O assassino foi Obata Hiro, um filho do aliado mais poderoso dele. Talvez o senhor conheça a história, como o jovem decepou a cabeça do Senhor Chikitada com um único golpe de espada. Era uma lâmina Murasama, e foi isso o que deu início à superstição de que todas as lâminas Murasama trazem azar para o clã Yoshi.

Será que ele está me contando isso por causa da minha espada Murasama? - perguntou Yabu a si mesmo. Muita gente sabe que eu tenho uma. Ou é apenas um velho, lembrando-se de um dia especial na sua longa vida?

- Como era o avô de Toranaga? - perguntou, simulando falta de interesse, testando Suwo.

- Alto, Yabu-sama. Mais alto do que o senhor e muito mais magro quando o conheci. Tinha vinte e cinco anos no dia em que morreu. - A voz de Suwo animou-se. - Yabu-sama, ele aos doze anos já era um guerreiro, e nosso suserano aos quinze, quando seu pai foi morto numa escaramuça. Naquela época o Senhor Chikitada era casado e já havia gerado um filho. Foi uma pena que ele tivesse que morrer. Obata Hiro era amigo dele, assim como vassalo, tinha dezessete anos, mas alguém lhe envenenou a mente, dizendo que Chikitada planejara matar-lhe o pai traiçoeiramente. Claro que eram tudo mentiras, mas isso não trouxe Chikitada de volta para nos guiar. O jovem Obata ajoelhou-se diante do corpo e inclinou-se três vezes. Disse que fizera aquilo por respeito filial ao pai e agora desejava reparar o insulto a nós e ao nosso clã cometendo seppuku. Deram-lhe permissão. Primeiro lavou a cabeça de Chikitada com as próprias mãos e colocou-a em posição de reverência. Depois se rasgou de lado a lado e morreu bravamente com grande cerimônia, um dos nossos homens agindo como auxiliar e removendo-lhe a cabeça com um único golpe. Mais tarde o pai veio buscar a cabeça do filho e a espada Murasama. As coisas ficaram ruins para nós. O único filho do Senhor Chikitada foi levado como refém para algum lugar e sobre nossa parte do clã se abateram tempos de desgraça. Isso foi...

- Você está mentindo, velho. Você nunca esteve lá. - Yabu se voltara e estava encarando o homem, que ficara paralisado instantaneamente. - A espada foi quebrada e destruída depois da morte de Obata.

- Não, Yabu-sama. Essa é a lenda. Eu vi o pai chegar e pegar a cabeça e a espada. Quem quereria destruir uma obra de arte como aquela? Teria sido sacrilégio. O pai dele a recuperou.

- O que fez com ela?

- Ninguém sabe. Alguns dizem que a atirou no mar porque gostava do nosso Senhor Chikitada e o honrava como a um irmão. Outros dizem que a enterrou e que está à espera do neto, Yoshi Toranaga.