Выбрать главу

Os gritos começaram quando a lua ia alta.

Yabu estava ajoelhado no jardim interno da casa de Omi.

Imóvel. Observava o luar batendo na árvore florida, os ramos de azeviche contra o céu mais claro, as flores em cachos, agora ligeiramente matizadas. Uma pétala caiu em espiral e ele pensou:

"Beleza

Não é menor

Por cair

Na brisa".

Outra pétala pousou. O vento suspirou e levou outra. A árvore tinha mal e mal a altura de um homem, enfiada entre rochas cobertas de musgo que pareciam ter crescido da terra, tão inteligentemente haviam sido colocadas.

Yabu precisou de toda a sua vontade para se concentrar na árvore, no céu e na noite, para sentir o toque suave do vento, aspirar-lhe o perfume do mar, para pensar em poemas e, ao mesmo tempo, manter os ouvidos atentos ao sofrimento. Sua coluna parecia flexível. Apenas a vontade o fazia esculpido como as rochas. Essa lucidez dava-lhe um nível de sensualidade indizível.

E esta noite era mais forte e mais violenta do que jamais fora.

- Omi-san, quanto tempo nosso senhor ficará lá? - perguntou a mãe de Omi num sussurro assustado, dentro da casa.

- Não sei.

- Os gritos são terríveis. Quando vão parar?

- Não sei - disse Omi.

Estavam sentados atrás de uma tela, no segundo melhor quarto. O melhor quarto, o da mãe, fora cedido a Yabu, e estes dois quartos davam para o jardim que ele construíra com tanto esforço. Podiam ver Yabu através da gelosia, a árvore traçando-lhe desenhos rígidos no rosto, o luar reluzindo nos punhos de suas espadas.

Estava usando um haori escuro, um gibão, sobre o quimono escuro.

- Quero ir dormir - disse a mulher, tremendo. - Mas não posso dormir com todo esse barulho. Quando vai terminar?

- Não sei. Seja paciente, mãe - disse Omi suavemente.

- O barulho, cessará logo. Amanhã o Senhor Yabu voltará para Yedo. Por favor, seja paciente. - Mas Omi sabia que a tortura continuaria até o amanhecer. Fora planejada assim.

Tentou se concentrar. Como seu senhor feudal meditava em meio aos gritos, tentou novamente seguir-lhe o exemplo. Mas o berro seguinte o trouxe de volta e ele pensou: Não posso, não posso, ainda não. Não tenho o controle dele, ou o poder.

Isso é poder? perguntou a si mesmo.

Podia ver claramente o rosto de Yabu. Tentou ler a estranha expressão na face do daimio: o leve retorcer dos lábios cheios com um salpico de saliva nos cantos, olhos transformados em fendas escuras, movendo-se apenas com as pétalas. É quase como se ele estivesse a ponto de atingir um orgasmo, sem se tocar. Isso é possível? Era a primeira vez que Omi se via em contato íntimo com o tio, pois era um elo muito secundário na cadeia do clã, e seu feudo de Anjiro, bem como a área circundante, pobre e sem importância. Omi era o mais novo de três filhos, e o pai, Mizuno, tinha seis irmãos. Yabu era o mais velho, o chefe do clã Kasigi; Mizuno era o segundo filho. Omi estava com vinte e um anos e tinha um filho bebê.

- Onde está a sua miserável esposa? - sussurrou a velha, queixosa. - Quero que ela me esfregue as costas e os ombros.

- Ela teve que ir visitar o pai, não se lembra? Ele está muito doente, mãe. Deixe-me fazê-lo para a senhora.

- Não. Você pode mandar chamar uma empregada daqui a pouco. Sua esposa não tem consideração. Poderia ter esperado alguns dias. Faço todo esse trajeto desde Yedo para visitá-los. Levei duas semanas fazendo uma viagem terrível, e o que acontece? Estou aqui há apenas uma semana e ela parte. Devia ter esperado! Boa para nada, isso é o que ela é. Seu pai cometeu um péssimo engano arranjando o seu casamento com ela. Você deveria dizer a ela que ficasse longe definitivamente. Divorcie-se dessa boa-para-nada de uma vez por todas. Não sabe nem me fazer uma massagem nas costas de modo adequado. Esses gritos medonhos! Por que não param?

- Vão parar. Muito brevemente.

- Você devia lhe dar uma boa surra.

- Sim. - Omi pensou na esposa, Midori, e o coração deu um pulo no peito. Era tão bonita, agradável, gentil e inteligente, tinha uma voz tão clara e sua música era tão boa quanto a de qualquer cortesã de Izu.

- Midori-san, você deve partir imediatamente - dissera-lhe ele em particular.

- Omi-san, meu pai não está tão doente assim, e meu lugar é aqui, servindo sua mãe, neh? - respondera ela. - Se nosso daimio vai chegar, esta casa tem que ser preparada. Oh, Omi-san, isto é tão importante, o momento mais importante de toda a sua vida de devoção, neh? Se o Senhor Yabu ficar impressionado, talvez lhe dê um feudo melhor, você merece tanto! Se qualquer coisa acontecesse enquanto eu estivesse longe, eu nunca me perdoaria, e esta é a primeira vez que você tem uma oportunidade de se superar e ela deve ser bem sucedida. Ele tem que vir. Por favor, há tanta coisa para fazer!

- Sim, mas eu gostaria que você partisse imediatamente, Midori-san. Fique só dois dias, depois volte correndo para casa.

Ela rogara, mas ele insistira, e ela partira. Quisera-a longe de Anjiro antes que Yabu chegasse e enquanto o homem fosse um hóspede em sua casa. Não que o daimio fosse se atrever a tocá-la sem permissão — isso era impensável, porque ele, Omi, teria então o direito, a honra e o dever, por lei, de destruir o daimio. Mas notara Yabu a observá-la logo depois de se casarem, em Yedo, e quisera afastar uma possível fonte de irritação, tudo o que pudesse perturbar ou estorvar seu senhor enquanto estivesse ali. Era tão importante impressionar Yabu-sama com sua lealdade filial, sua precaução e sua opinião. E por enquanto tudo tivera um êxito que ultrapassava a possibilidade. O navio fora um achado, a tripulação, outro. Tudo era perfeito.

- Pedi ao kami da nossa casa que zele por você - dissera Midori antes de se ir, referindo-se ao espírito xintó particular que tinha a casa deles a seu cuidado -, e mandei uma oferenda ao templo budista, para preces. Disse a Suwo que se exceda em perfeição, e mandei um recado a Kiku-san. Oh, Omi-san, por favor, deixe-me ficar.

Ele sorrira e a pusera a caminho, com lágrimas a borrar-lhe a maquilagem.

Omi sentia-se triste por estar sem ela, mas contente de que tivesse partido. Os gritos a teriam feito sofrer muitíssimo.

Sua mãe estremeceu com o tormento que o vento trazia, moveu-se ligeiramente para minorar a dor nos ombros, sentindo as juntas péssimas. É a brisa marítima do oeste, pensou. No entanto, aqui é melhor do que em Yedo. Pantanoso demais lá, e mosquitos demais também.

Podia apenas ver o suave contorno de Yabu no jardim. Secretamente ela o odiava e queria vê-lo morto. Uma vez que Yabu estivesse morto, Mizuno, seu marido, seria daimio de Izu e chefiaria o clã. Isso seria excelente, pensou ela. Então todos os outros irmãos, esposas e filhos seriam subservientes a ela e, naturalmente, Mizuno-san faria de Omi o herdeiro, quando Yabu morresse e se fosse. Outra dor no pescoço a fez mover-se ligeiramente.

- Vou chamar Kiku-san - disse Omi, referindo-se à cortesã que esperava pacientemente por Yabu no quarto ao lado, com o menino. - Ela é muito, muito hábil.

- Estou bem, apenas cansada, neh? Oh, muito bem. Ela pode me fazer uma massagem.

Omi dirigiu-se ao quarto ao lado. A cama estava pronta. Consistia em cobertores de cima e de baixo chamados futons, colocados sobre o chão de esteiras. Kiku curvou-se, tentou sorrir e murmurou que ficaria honrada em tentar usar sua modesta habilidade na muito honorável mãe da casa. Estava até mais pálida do que de costume e Omi podia ver que os gritos também a estavam desgastando. O menino estava tentando não demonstrar o próprio medo.

Quando os gritos começaram, Omi tivera que usar a sua habilidade para persuadi-la a ficar.

- Oh, Omi-san, não posso suportar, é terrível. Sinto muito, por favor, deixe-me ir. Quero tapar os ouvidos, mas o som me passa pelas mãos. Pobre homem, é terrível - dissera ela.