Mas nada da senhora. Uma sobrancelha arqueada talvez, ou um dar de ombros hesitante, um alisar delicado de um penteado perfeito ou de uma dobra do quimono era tudo o que se permitia.
E sempre suficiente, se a garota tivesse juízo.
Quando os gritos cessaram, Yabu permanecera como estátua ao luar pelo que parecera uma eternidade e depois se levantara. Imediatamente ela correra de volta para o outro quarto, o quimono de seda suspirando como o mar de meia-noite. O menino estava assustado, tentando não demonstrá-lo, e enxugou as lágrimas que a tortura causara. Ela lhe sorrira tranqüilizadora, forçando uma calma que não sentia. Então Yabu apareceu à porta. Estava banhado em suor, o rosto tenso e os olhos semicerrados. Kiku ajudou-o a tirar as espadas, depois o quimono encharcado e a tanga. Enxugou-o, ajudou-o a pôr um quimono fresco e amarrou o cinto de seda.
Começara a saudá-lo, mas ele lhe pusera um dedo gentil sobre os lábios. Depois se dirigira para a janela e olhara a lua declinando, como que enlevado, balançando-se levemente sobre os pés. Ela permaneceu tranqüila, sem medo, pois o que havia a temer? Ele era um homem e ela uma mulher, treinada para ser mulher, para dar prazer, do modo que fosse. Mas não para dar ou receber dor.
Havia outras cortesãs especializadas nessa forma de sensualidade.
Um apertão aqui e ali, talvez uma mordida, bem, isso era parte do prazer-dor de dar e receber, mas sempre dentro da razão, pois a honra estava envolvida e ela era uma dama do Mundo do Salgueiro de primeira classe, nunca para ser menosprezada, a ser sempre honrada. Mas parte do seu treinamento era saber como manter um homem dócil dentro dos limites. Às vezes um homem ficava indócil e então era terrível. Pois a dama estava sozinha. Sem direitos.
Seu penteado estava impecável com exceção de minúsculas mechas de cabelo, cuidadosamente soltas sobre as orelhas para sugerir um desalinho erótico, mas, ao mesmo tempo, para realçar a pureza do conjunto. O quimono vermelho e preto, axadrezado, bordado com o mais puro. verde, que lhe aumentava a brancura da pele, estava apertado à minúscula cintura por uma larga faixa rija, um obi, de um verde iridescente. Ela podia ouvir a arrebentação na praia agora e um vento leve que farfalhava o jardim.
Finalmente Yabu se voltara e olhara para ela, depois para o menino.
O menino tinha quinze anos, era o filho de um pescador local, aprendiz, no mosteiro das proximidades, de um monge budista que era artista, pintor e ilustrador de livros. O menino era um dos que gostavam de ganhar dinheiro, daqueles que apreciavam sexo com meninos e não com mulheres.
Yabu fez-lhe um gesto. Obedientemente o menino, que agora também superara o medo, afrouxou a faixa do quimono com uma elegância estudada. Não usava tanga mas uma combinação de mulher que chegava quase ao chão. Tinha o corpo macio, curvilíneo e quase sem pêlos. Kiku lembrou-se de como o quarto estivera tranqüilo, os três aproximados pela tranqüilidade e pelos gritos extintos, ela e o menino esperando que Yabu indicasse o que era ordenado. Yabu em pé ali entre os dois, balançando-se levemente, olhando de um para o outro.
Finalmente fizera um sinal para ela. Graciosamente ela desatara a fita do obi, desenrolara-o gentilmente e deixara-o cair. As dobras de seus três quimonos, leves como teia, abriram-se sussurrantes e revelaram a combinação que lhe acentuava os quadris.
Yabu se deitou e, a uma ordem sua, os dois se deitaram também, um de cada lado dele. Ele pôs-lhes as mãos sobre si e abraçou aos dois. Aqueceu-se rapidamente, mostrando-lhes como usar as unhas nos flancos dele, urgindo-os, seu rosto uma máscara, mais depressa, mais depressa e depois o estremecimento, o grito violento de dor absoluta. Por um instante, ficou deitado, arquejando, os olhos apertados, o peito arfante, depois se virara e quase instantaneamente caíra no sono.
No silêncio eles contiveram o fôlego, tentando esconder a própria surpresa. Acabara tão depressa.
O menino arqueara uma sobrancelha, espantado.
- Será que fomos inábeis, Kiku-san? Quero dizer, tudo aconteceu tão depressa - sussurrou ele.
- Fizemos tudo o que ele quis - disse ela.
- Ele certamente atingiu as nuvens e a chuva - disse o menino. - Pensei que a casa fosse desabar.
Ela sorriu.
- Sim.
- Estou contente. Primeiro fiquei com muito medo. É muito bom agradar.
Juntos, enxugaram Yabu gentilmente e cobriram-no com o acolchoado. Depois o menino deitou-se de costas langorosamente, meio apoiado num cotovelo e reprimindo um bocejo.
- Por que você não dorme também? - disse ela.
O menino puxou o quimono mais para junto do corpo e mudou de posição para ajoelhar diante dela, que estava sentada ao lado de Yabu, a mão direita acariciando suavemente o braço do daimio, acalmando seu sono trêmulo.
- Nunca tinha estado com um homem e uma mulher ao mesmo tempo, Kiku-san - sussurrou o menino.
- Nem eu.
O menino franziu o cenho.
- Nunca estive com uma garota, também. Quero dizer, nunca me deitei com uma.
- Gostaria de ter a mim? - perguntou ela polidamente. - Se esperar um pouquinho, tenho certeza de que nosso senhor não acordará.
O menino franziu a testa de novo. Depois:
- Sim, por favor -, e mais tarde: - Foi muito estranho, Senhora Kiku.
Ela sorriu interiormente.
- Qual você prefere?
O menino pensou um longo tempo, os dois deitados em paz, nos braços do outro.
- Este jeito dá muito mais trabalho.
Ela afundou a cabeça no ombro dele e beijou-lhe a nuca para esconder o sorriso.
- Você é um amante maravilhoso – sussurrou – Agora deve dormir, após tanto trabalho. - Acariciou-o até que pegasse no sono, depois deixou-o e foi para os outros acolchoados.
A outra cama estava fria. Ela não quis se mover para o calor de Yabu com receio de perturbá-lo. Logo seu lado estava quente.
As sombras da shoji estavam nítidas. Os homens são uns bebês, pensou ela. Tão cheios de orgulho tolo. Todo o sofrimento desta noite por uma coisa tão transitória. Por uma paixão que em si mesma não passa de uma ilusão, neh?
O menino mexeu-se no sono. Por que foi que você se ofereceu a ele? perguntou ela a si mesma. Pelo prazer dele - por ele e não por mim, embora tenha me divertido, passado o tempo e dado a ele a tranqüilidade de que necessitava. Por que você não dorme um pouquinho? Mais tarde. Dormirei mais tarde, disse a si mesma.
Quando chegou a hora, deslizou da tepidez e levantou-se. Seus quimonos se abriram num sussurro e o ar esfriou-lhe a pele. Rapidamente cingiu os trajes com perfeição e amarrou o obi. Um rápido, mas cuidadoso toque no penteado. E na maquilagem.
Partiu sem nenhum ruído.
O samurai de sentinela na entrada da varanda inclinou-se e ela retribuiu a reverência, e logo se encontrava à luz do amanhecer. Sua empregada estava à espera.
- Bom dia, Kiku-san.
- Bom dia.
O sol causou uma sensação ótima e lavou a noite. É muito bom estar viva, pensou ela.
Deslizou os pés para dentro das sandálias, abriu a sombrinha carmesim e atravessou o jardim, para o caminho que levava à aldeia, através da praça, à casa de chá que era sua residência temporária. A empregada seguiu-a.
- Bom dia, Kiku-san - chamou Mura, curvando-se. Estava descansando momentaneamente na varanda de sua casa, tomando chá, o fraco chá verde do Japão. Sua mãe o servia.
- Bom dia, Kiku-san - ecoou esta última.
- Bom dia, Mura-san. Bom dia, Saiko-san, a senhora está com ótima aparência - replicou Kiku.
- Como vai? - perguntou a mãe, seus velhíssimos olhos cravados na garota. - Que noite terrível! Tome um chá conosco, por favor. Você parece pálida, criança.