- Obrigada, mas, por favor, desculpe-me, preciso ir para casa agora. A senhora realmente me faz uma grande honra. Talvez mais tarde.
- Claro, Kiku-san. Você honra nossa aldeia com sua presença.
Kiku sorriu e fingiu não notar os olhares inquisitivos. Para deixar mais picante o dia deles, e o dela, fingiu uma dorzinha nas regiões inferiores.
Isto vai correr pela aldeia inteira, pensou feliz, enquanto se curvava, estremecia novamente e se afastava como se estivesse estoicamente dissimulando uma dor intensa, as dobras dos quimonos oscilando à perfeição, e a sombrinha inclinada para dar-lhe exatamente aquela luz mais maravilhosa. Estava muito contente de ter ganhado aquele quimono e a sombrinha. Num dia insípido o efeito nunca teria sido tão dramático.
- Ah, pobre, pobre criança! É tão bonita, neh? Que vergonha! Terrível! - disse a mãe de Mura com um suspiro de cortar o coração.
- O que é terrível, Saiko-san? - perguntou a esposa de Mura, vindo para a varanda.
- Você não viu o sofrimento da pobre garota? Não viu como ela estava bravamente tentando escondê-lo? Pobre criança! Apenas dezessete anos e ter que passar por tudo isso!
- Ela tem dezoito anos - disse Mura secamente.
- Tudo o quê, senhora? - disse uma das empregadas ansiosamente, juntando-se a eles. A velha olhou em torno para ter certeza de que todos a escutavam e abaixando a voz: - Ouvi dizer - deixou escapar -, ouvi dizer que ela ficará... ficará inutilizada... por três meses.
- Oh, não! Pobre Kiku-san! Oh! Mas por quê?
- Ele usou os dentes. Fiquei sabendo da melhor fonte.
- Oh!
- Oh!
- Mas por que foi que ele quis o menino, senhora? Com certeza, ele não...
- Ah! Vão embora! De volta ao trabalho, boas-para-nada! Isto não é para os ouvidos de vocês! Vamos, fora, todas! O patrão e eu temos que conversar.
Enxotou-as todas da varanda. Até a esposa de Mura. E sorveu o chá, afável e muito contente.
Mura rompeu o silêncio.
- Dentes?
- Dentes. Corre o boato de que os gritos o fazem grande porque ele foi assustado por um dragão quando era pequeno - disse ela num fôlego só. - Ele sempre tem um menino junto para lembrá-lo de quando era menino, petrificado, mas na realidade o menino fica lá só para se deitar com ele, para exauri-lo - de outro modo ele arrancaria tudo com os dentes, pobre garota.
Mura suspirou. Foi até o pequeno telheiro ao lado do portão dianteiro e peidou involuntariamente quando começou a se aliviar no balde. Gostaria de saber o que realmente aconteceu, disse a si mesmo, excitado. Por que será que Kiku-san estava sofrendo? Talvez o daimio realmente use os dentes! Que extraordinário!
Saiu, sacudindo-se para não sujar a tanga, e rumou através da praça, profundamente absorto. Puxa, como eu gostaria de ter uma noite com a Senhora Kiku! Que homem não gostaria? Quanto será que Omi-san teve que pagar à Mama-san dela - que no final nós é que vamos ter que pagar? Dois kokus? Dizem que a Mama-san dela, Gyoko-san, pediu e obteve dez vezes a paga regular.
Conseguiu cinco kokus por uma noite. Kiku-san certamente valeria isso, neh? Corre o boato de que ela tem tanta prática aos dezoito anos quanto uma mulher duas vezes mais velha. Consta que é capaz de prolong... liih, que alegria ela é! Se fosse eu como eu começaria?
Distraidamente ajeitou-se dentro da tanga enquanto os pés o levavam para fora da praça, pelo caminho batido até o pátio de funeral.
A pira fora preparada. A delegação de cinco homens da aldeia já se encontrava lá.
Era o lugar mais agradável da aldeia, onde as brisas do mar eram mais frescas no verão e a vista, melhor. Perto ficava o santuário xintó da aldeia, um minúsculo telhado de palha sobre um pedestal para o kami, o espírito, que vivia ali, ou poderia querer viver ali, se lhe agradasse. Um teixo retorcido, plantado antes de a aldeia nascer, inclinava-se ao vento.
Mais tarde Omi subiu o caminho. Com ele vieram Zukimoto e quatro guardas. Manteve-se a distância. Quando se curvou formalmente para a pira e para o corpo amortalhado, quase desconjuntado, que jazia sobre ela, todos se curvaram com ele em homenagem ao bárbaro que morrera para que os companheiros pudessem viver.
A um sinal dele, Zukimoto avançou e acendeu a pira. Zukimoto havia pedido a Omi o privilégio e a honra lhe fora concedida. Curvou-se uma última vez. Depois, quando o fogo estava bem aceso, todos se afastaram.
Blackthorne mergulhou a mão na borra do barril, cuidadosamente mediu meia xícara de água e deu-a a Sonk. Sonk tentou tomá-la aos goles para fazê-la durar, a mão tremendo, mas não conseguiu. Sorveu de um trago o líquido morno, lamentando tê-lo feito no momento em que ele passou pela sua garganta ressecada, e tateou fatigado de volta a seu lugar junto da parede, passando por cima dos que estavam no turno de ficar deitado. O chão agora era um lodo profundo, o mau cheiro e as moscas hediondos. Uma tênue claridade chegava ao buraco através das ripas do alçapão.
Vinck era o seguinte na fila da água. Pegou sua xícara e ficou contemplando-a, sentado perto do barril, Spillbergen do outro lado.
- Obrigado - murmurou melancolicamente.
- Apresse-se! - disse Jan Roper, com o corte no rosto já supurando. Era o último na fila e, estando tão próximo, sua garganta o torturava. - Apresse-se, Vinck, pelo amor de Cristo!
- Desculpe. Pegue, tome você - murmurou Vinck, estendendo-lhe a xícara, esquecido das moscas que o cobriam.
- Beba, seu idiota! É a última que vai receber até o pôr-do-sol! Beba! - Jan Roper empurrou a xícara de volta para as mãos do homem. Vinck não levantou os olhos para ele, mas obedeceu, infeliz, e mais uma vez deslizou de volta ao seu inferno particular.
Jan Roper pegou sua xícara de água de Blackthorne. Fechou os olhos e fez uma oração de graças silenciosa. Era um dos que estavam em pé, sentindo doer os músculos das pernas. A xícara mal e mal continha dois goles.
Quando todos haviam recebido sua ração, Blackthorne afundou a mão no barril e sorveu agradecido. Tinha a boca e a língua ásperas, queimadas e cobertas de pó.
Estava infestado de moscas, suor e imundície. O peito e as costas estavam seriamente machucados.
Observou o samurai que fora deixado na cela. Estava amontoado contra a parede, entre Sonk e Croocq, ocupando tão pouco espaço quanto possível, e não se movia há horas. Fitava friamente o vazio, vestido só com a tanga, com escoriações violentas por todo o corpo, um grosso vergão em torno do pescoço.
Quando Blackthorne voltara a si, a cela se encontrava em completa escuridão. Os gritos enchiam o buraco, e ele pensou que tivesse morrido e estivesse nas sufocantes profundezas do inferno. Sentiu-se sugado para uma lama viscosa e que causava arrepios além de qualquer medida, gritara e farejara em pânico, incapaz de respirar, até que, após uma eternidade, ouvisse: — Está tudo bem, piloto, você não morreu, está tudo bem. Acorde, acorde, pelo amor de Cristo, isto não é o inferno mas poderia muito bem ser. Ó abençoado Senhor Jesus, ajude-nos a todos! Quando recuperou totalmente a consciência, contaram-lhe sobre Pieterzoon e os barris de água do mar.
- Oh, Senhor Jesus, tire-nos daqui! - choramingou alguém.
- O que estão fazendo com o coitado do Pieterzoon? O que estão fazendo com ele? Oh, Deus nos ajude. Não posso agüentar esses gritos.
- Oh, Senhor, deixe o coitado morrer! Deixe-o morrer!
- Cristo Deus, pare esses gritos! Por favor, pare esses gritos!
O buraco e os gritos de Pieterzoon haviam dado a medida de todos, forçando-os a olhar para dentro de si mesmos. E nenhum homem gostara do que vira.
A escuridão ainda torna as coisas piores, pensara Blackthorne. Fora uma noite interminável no buraco.
Com o crepúsculo os gritos se extinguiram. Quando o amanhecer escoara até eles, viram o samurai esquecido.