— Por que deu o dicionário ao Inglês, padre? — perguntara ele a Alvito em Mishima. — Certamente deveria ter adiado isso. — Sim, Rodrigues — confidenciara-lhe o Padre Alvito —, e eu não precisava ter me desviado do meu caminho para ajudá-lo. Mas estou convencido de que existe uma chance de convertê-lo. Tenho certeza. Toranaga está liquidado agora... É apenas um homem e uma alma. Tenho que tentar salvá-lo.
Padres, pensou Rodrigues. Leche em todos os padres. Mas não em Dell'Aqua e Alvito. Oh, minha Nossa Senhora, peço desculpas por todos os meus maus pensamentos sobre ele e o Padre Alvito. Perdoe-me e destrua o Inglês de algum modo antes que eu o tenha sob as minhas vistas. Não desejo matá-lo por causa do meu voto sagrado, embora, diante da Senhora, eu saiba que ele deve morrer depressa.
O timoneiro em serviço virou a ampulheta e tocou oito badaladas. Era pleno meio-dia.
CAPÍTULO 55
Mariko caminhava pela avenida apinhada de gente e banhada de sol, rumo aos portões na extremidade. Atrás dela vinha uma guarda pessoal de dez marrons. Usava um quimono verde-claro, luvas brancas e um chapéu de viagem verde-escuro, de aba larga, atado sob o queixo por uma fita dourada. Protegia-se do sol com uma sombrinha iridescente. Os portões abriram-se girando sobre os gonzos e ficaram abertos.
Estava tudo muito calmo na avenida. Cinzentos alinhavam-se de ambos os lados e em todas as ameias. Ela podia ver o Anjin-san no parapeito da sua ala do castelo, Yabu ao lado dele e no pátio, a coluna à espera, com Kiri e a Senhora Sazuko. Todos os marrons estavam cerimoniosamente no adro, sob o comando de Yoshinaka, exceto vinte deles que se erguiam no parapeito com Blackthorne e dois a cada janela que dava para o adro.
Ao contrário dos cinzentos, nenhum dos marrons usava armadura ou portava arcos. Suas únicas armas eram espadas. Muitas mulheres, mulheres samurais, também observavam, algumas das janelas de outras casas fortificadas que se alinhavam ao longo da avenida, e outras de parapeitos. Outras, ainda, erguiam-se na avenida entre os cinzentos, algumas crianças alegremente vestidas com elas. Todas as mulheres carregavam sombrinhas, embora algumas portassem espadas, direito que tinham caso desejassem.
Kiyama se encontrava próximo ao portão com meia centena dos seus homens, não cinzentos.
— Bom dia, senhor — disse-lhe Mariko, e curvou-se. Ele retribuiu a reverência e ela atravessou a arcada.
— Alô, Kiri-san, Sazuko-san. Como estão bonitas! Está tudo pronto?
— Sim — retrucaram elas, com falsa jovialidade.
— Bom. — Mariko subiu ao seu palanquim aberto e sentou-se, as costas eretas. — Yoshinaka-san! Por favor, em marcha. Imediatamente o capitão deu um salto à frente e gritou as ordens. Vinte marrons formaram-se numa vanguarda e se puseram em marcha. Carregadores levantaram o palanquim sem cortinas de Mariko e seguiram os marrons através do portão, o palanquim de Kiri e o da Senhora Sazuko logo atrás, a jovem segurando o bebê nos braços.
Quando o palanquim de Mariko surgiu à luz do sol do lado de fora dos muros, um capitão de cinzentos avançou entre a vanguarda e o palanquim, e postou-se diretamente no caminho dela. A vanguarda parou abruptamente. O mesmo fizeram os carregadores.
— Por favor, com licença — disse ele a Yoshinaka —, posso ver os seus papéis?
— Sinto muito, capitão, mas não necessitamos de papéis — respondeu Yoshinaka em meio a grande silêncio.
— Sinto muito, mas o Senhor General Ishido, governador do castelo, capitão da guarda pessoal do herdeiro, com a aprovação dos regentes, instituiu ordens para o castelo todo, que têm que ser executadas.
— Sou Toda Mariko-noh-Buntaro — disse Mariko formalmente —, e tenho ordem do meu suserano, Senhor Toranaga, de escoltar suas damas ao seu encontro. Gentilmente deixe-nos passar.
— Eu ficaria contente em fazer isso, senhora — disse o samurai com orgulho, plantando os pés no chão —, mas sem papéis o meta suserano diz que ninguém pode deixar o Castelo de Osaka. Por favor, desculpe-me.
— Capitão, qual é o seu nome, por favor? — disse Mariko. — Sumiyori Danzenji, senhora, capitão da Quarta Legião, a minha linhagem é tão antiga quanto a sua. — Sinto muito, Capitão Sumiyori, mas se não sair do caminho, ordenarei que o matem.
— A senhora não passará sem papéis! — Por favor, mate-o, Yoshinaka-san.
Yoshinaka avançou com um pulo sem hesitação, sua espada um arco rodopiante, e atingiu o cinzento. A lâmina enterrou-se funda no flanco do homem e foi arrancada instantaneamente, e o segundo golpe, mais violento, decepou-lhe a cabeça, que rolou no pó.
Yoshinaka limpou a lâmina e embainhou-a. — Avante! — ordenou à vanguarda. — Depressa! — A vanguarda formou-se de novo e, seus passos ecoando, pôs-se em movimento. Então, vinda de nenhum lugar, uma flecha cravou-se no peito de Yoshinaka. O cortejo parou com uma guinada. Yoshinaka silenciosamente arrancou a haste, depois seus olhos se vitrificaram e ele caiu de borco.
Um leve gemido escapou dos lábios de Kiri. Um sopro de ar tocou as extremidades da fita muito leve de Mariko. Em algum ponto na avenida os gritos de uma criança foram silenciados. Todo mundo esperava, a respiração sustida.
— Miyai Kazuko-san — chamou Mariko. — Por favor, assuma o comando.
Kazuko era jovem, alto e muito orgulhoso, bem barbeado, com faces fundas, e avançou dos marrons agrupados perto de Kiyama, que se erguia ao lado do portão. Passou a passos largos pelas liteiras de Kiri e Sazuko, deteve-se ao lado da de Mariko e curvou-se formalmente. — Sim, senhora. Obrigado.
— Vocês! — gritou aos homens à frente. — Movam-se! — Tensos, alguns com medo, todos fora de si, eles obedeceram e mais uma vez a procissão começou, Kazuko caminhando junto da liteira de Mariko. Então, cem passos à frente deles, vinte cinzentos se moveram das fileiras cerradas de samurais e se colocaram silenciosamente de atravessado na rua. Os vinte marrons fecharam a brecha. Então alguém vacilou e a vanguarda foi parando aos poucos.
— Tirem-nos do caminho! — gritou Kazuko. Imediatamente um marrom saltou à frente, os outros o seguiram, e a matança tornou-se rápida e cruel. Cada vez que um cinzento tombava, outro calmamente avançava do grupo à espera para se unir aos companheiros no massacre. Foi sempre justo, sempre equilibradamente equiparado, homem a homem, agora dezenove contra quinze, agora oito contra oito, alguns cinzentos feridos debatendo-se no pó, agora três marrons contra dois cinzentos, outro cinzento que avançou, e logo estava um a um, o último marrom, sujo de sangue e ferido, já vitorioso quatro duelos. O último cinzento liquidou-o facilmente e postou-se sozinho entre os corpos, olhando para Miyai Kazuko.
Todos os marrons estavam mortos. Quatro cinzentos jaziam feridos, dezoito mortos.
Kazuko avançou, desembainhando a espada em meio ao enorme silêncio.
— Espere — disse Mariko. — Por favor, espere, Kazuko-san.
Ele parou, mas ficou de olhos no cinzento, ansioso por lutar. Mariko desceu do palanquim e voltou até junto de Kiyama. — Senhor Kiyama, formalmente lhe peço, por favor, que ordene àqueles homens saírem do caminho.
— Sinto muito, Toda-sama, as ordens do castelo devem ser obedecidas. As ordens são legais. Mas se a senhora desejar, convocarei uma reunião dos regentes e pedirei uma orientação.
— Sou samurai. Minhas ordens são claras, de acordo com o bushido e santificadas pelo nosso código. Devem ser obedecidas e têm prioridade legal sobre qualquer direito feito pelo homem. A lei pode subverter a razão, mas a razão não pode subverter a lei. Se eu não tiver permissão para obedecer, não poderei viver com essa vergonha.
— Convocarei uma reunião imediata.