— Por favor, desculpe-me — senhor, o que o senhor faz é assunto seu. Eu estou preocupada apenas com as ordens do meu senhor e com a minha vergonha. — Deu-lhe as costas e voltou calmamente até a frente da coluna. — Kazuko-san! Ordeno-lhe que por favor nos leve para fora do castelo!
Ele avançou. — Meu nome é Miyai Kazuko, capitão, da família Serata, do Terceiro Exército do Senhor Toranaga. Por favor, saia do caminho.
— Eu sou Biwa Jiro, capitão da guarnição do Senhor General Ishido. Minha vida não tem valor; ainda assim o senhor não passará — disse o cinzento.
Com o repentino grito de batalha "Toranagaaaaa!", Kazuko investiu contra o cinzento. As espadas retiniram à medida que os golpes e contragolpes foram aparados. Os dois homens faziam círculos. O cinzento era bom, muito bom, assim como Kazuko. As espadas ressoavam no choque. Ninguém mais se movia. Kazuko venceu, mas ficou gravemente ferido e ergueu-se sobre o inimigo, oscilando sobre os pés, e com o braço bom brandiu a espada no ar, soltando o seu grito de guerra, regozijando-se com a sua vitória: — Toranagaaaaa! — Não houve aplauso à sua vitória. Todos sabiam que isso seria inadequado no ritual que os envolvia agora.
Kazuko forçou um pé à frente, depois o outro, e cambaleando ordenou: — Sigam-me! — numa voz fragmentada. Ninguém viu de onde vieram as setas, mas elas o massacraram. E o ânimo dos marrons mudou de fatalismo para ferocidade ante o insulto ao valor de Kazuko. Ele já estava morrendo rapidamente, e teria caído logo, sozinho, ainda cumprindo o seu dever, ainda a liderá-los para fora do castelo. Outro oficial dos marrons se precipitou com vinte homens para formar uma nova vanguarda, e o resto amontoou-se em torno de Mariko, Kiri e a Senhora Sazuko.
— Avante! — gritou, ríspido, o oficial.
Pôs-se em marcha e os vinte samurais o seguiram. Como sonâmbulos, os carregadores levantaram os seus fardos e, trôpegos, se puseram em movimento, desviando-se dos cadáveres. Então, cem passos à frente, mais vinte cinzentos com um oficial se moveram silenciosamente das centenas que esperavam. Os carregadores pararam. A vanguarda acelerou o passo.
— Alto! — Os oficiais se curvaram brevemente um ao outro e anunciaram cada um a sua linhagem.
— Por favor, saia do caminho.
— Por favor, mostre-me os seus papéis.
Desta vez os marrons arremeteram imediatamente com gritos de "Toranagaaaaa!", que foram respondidos com "Yaemoooooonn!", e a carnificina teve início. E cada vez que um cinzento tombou, outro avançou friamente, até que todos os marrons estivessem mortos. O último cinzento limpou sua lâmina e embainhou-a, barrando sozinho a passagem. Outro oficial avançou com vinte marrons da companhia atrás das liteiras.
— Esperem — ordenou Mariko. Pálida, desceu do palanquim, pôs a sombrinha de lado, pegou a espada de Yoshinaka no chão, desembainhou-a e começou a avançar sozinha.
— O senhor sabe quem eu sou. Por favor, saia do meu caminho.
— Sou Kojima Harutomo, Sexta Legião, capitão. Por favor, desculpe-me, a senhora não pode passar — disse o cinzento com orgulho.
Ela arremeteu, mas o golpe foi aparado. O cinzento recuou e ficou na defensiva, embora pudesse tê-la matado sem esforço. Foi-se retirando lentamente avenida abaixo, ela o seguindo, mas ele a fez se esforçar por cada passo. Hesitantemente a coluna pôs-se em movimento atrás dela. Novamente ela tentou trazer o cinzento à luta, cortando, golpeando, sempre atacando ferozmente, mas o samurai se esquivava, evitando-lhe os golpes, guardando-se, não atacando, deixando-a se exaurir. Mas fazia isso gravemente, com dignidade, com toda a cortesia, concedendo-lhe a honra que lhe era devida. Ela atacou de novo, mas ele aparou o assalto violento que teria dominado um espadachim inferior, e recuou outro passo. A transpiração dela escorria. Um marrom começou a avançar para ajudá-la, mas o seu oficial calmamente ordenou-lhe que parasse, sabendo que ninguém podia interferir. Samurais de ambos os lados esperavam o sinal, ansiando pela ordem para matar.
Na multidão, uma criança escondeu os olhos nas saias da mãe. Gentilmente ela a forçou a olhar e se ajoelhou. — Por favor, olhe, meu filho — murmurou. — Você é samurai.
Mariko sabia que não agüentaria muito tempo mais. Estava arquejando agora devido ao esforço e podia sentir a malevolência que pairava ao seu redor. Então, à frente e em toda a volta, cinzentos começaram a se afastar dos muros e o laço em torno da coluna rapidamente se cerrou. Alguns cinzentos caminharam para tentar cercar Mariko e ela parou de avançar, sabendo que podia, com toda a facilidade, ser encurralada, desarmada e capturada, o que destruiria tudo imediatamente. Agora marrons moveram-se para assisti-Ia e o resto tomou posições em torno das liteiras. O ânimo na avenida era agourento agora, cada homem comprometido, o odor adocicado de sangue nas narinas de cada um. A coluna foi espremida junto do portão e Mariko viu como seria fácil para os cinzentos separá-los se desejassem e deixá-los impotentes no meio da rua.
— Esperem! — gritou ela. Todos pararam. Fez uma meia mesura ao seu atacante, depois, cabeça erguida, deu-lhe as costas e se dirigiu para Kiri. — Sinto... sinto muito, mas não é possível lutar por entre estes homens, no momento — disse, o peito arfando. — Nós... nós devemos voltar um instante. — O suor escorria-lhe pelo rosto quando atravessou o alinhamento de homens. Chegando junto de Kiyama, parou e curvou-se. — Esses homens me impediram de cumprir o meu dever, de obedecer ao meu suserano. Não posso viver com essa vergonha, senhor. Cometerei seppuku ao pôr-do-sol. Formalmente lhe peço que seja meu assistente.
— Não. A senhora não fará isso.
Os olhos dela faiscaram e sua voz ressoou destemida: — A menos que sejamos autorizados a obedecer ao nosso suserano, conforme o nosso direito, cometerei seppuku ao pôr-do-sol.
Curvou-se e caminhou na direção do portão. Kiyama curvou-se para ela e seus homens fizeram o mesmo. Então todos os que estavam na avenida e nas ameias e nas janelas, todos se curvaram em homenagem. Mariko atravessou a arcada, passou pelo adro, cruzou o jardim. Seus passos a levaram à rústica casa de chá isolada. Entrou e, uma vez sozinha, chorou silenciosamente por todos os homens que haviam morrido.
CAPÍTULO 56
— Lindo, neh? — Yabu apontava para os mortos lá embaixo.
— Por favor? — perguntou Blackthorne. — Foi um poema. Compreende "poema"? — Compreendo a palavra, sim.
— Foi um poema, Anjin-san. Não vê?
Se Blackthorne soubesse as palavras, teria dito: — Não, Yabu-san. Mas vi claramente pela primeira vez o que realmente estava na cabeça dela, no momento em que deu a primeira ordem e Yoshinaka matou o primeiro homem. Poema? Foi um ritual extraordinário, sem sentido, corajoso e hediondo, onde a morte é tão formalizada e inevitável quanto na Inquisição espanhola, e todas as mortes meramente um prelúdio para a de Mariko. Estão todos comprometidos agora, Yabu-san — você, eu, o castelo, Kiri, Ochiba, Ishido, todo mundo —, tudo porque ela decidiu fazer o que decidiu que era necessário. E quando decidiu? Há muito tempo, neh? Ou, mais corretamente, Toranaga tomou a decisão por ela.
— Sinto muito, Yabu-san, não palavras suficientes — disse ele.
Yabu mal o ouviu. Havia silêncio nas ameias e na avenida, todos tão imóveis quanto estátuas. Então a avenida começou a voltar à vida, vozes abafadas, movimentos contidos, o sol batendo, à medida que cada um ia saindo do seu transe.
Yabu suspirou, cheio de melancolia. — Foi um poema, Anjin-san — disse novamente, e se afastou do parapeito.
Quando Mariko pegara a espada e avançara sozinha, Blackthorne tivera vontade de pular para a arena e saltar em cima do seu atacante para protegê-la, arrancar a cabeça do cinzento antes que ela fosse abatida. Mas, como todo mundo, não fizera nada. Não porque tivesse medo. Já não tinha medo de morrer. A coragem dela mostrara-lhe a inutilidade daquele medo e ele chegara a um acordo consigo mesmo há muito tempo, naquela noite na aldeia com a faca.