— Algumas talvez queiram — disse Yabu.
— O senhor pode decidir isso mais tarde, Yabu-san. Beneficiaria nosso amo que todas cometessem seppuku aqui. E as crianças.
— Sim.
— Depois guarnecemos os muros e em seguida abrimos os portões ao amanhecer. Combateremos até o meio-dia. Será o bastante. Depois aqueles que sobrarem voltarão para dentro e atearão fogo a esta parte do castelo. Se eu estiver vivo, ficaria honrado se o senhor fosse o meu assistente.
— Naturalmente.
Sumiyori sorriu, malicioso. — Isto vai dilacerar o reino, neh? Todas essas mortes e o seppuku dela. Vai se espalhar como fogo — vai devorar Osaka, neh? Acha que isso atrasará o Exaltado? Seria esse o plano do nosso amo?
— Não sei. Ouça, Sumiyori, vou voltar à minha casa por um momento. Vá me buscar assim que a senhora volte. — Aproximou-se do Anjin-san, sentado na escada principal. — Ouça, Anjin-san — disse Yabu furtivamente —, talvez eu tenha um plano. Secreto, neh? "Secreto", compreende?
— Sim. Compreendo. — Sinos tocaram a mudança de hora. O tempo soou na cabeça de todos, o começo da hora do Macaco, seis badaladas do turno da tarde, três da tarde. Muitos se voltaram para o sol e, sem pensar, mediram-no.
— Que plano? — perguntou mais tarde.
Blackthorne. Fique por perto.
— Conversamos. Não diga nada, compreendeu? — Sim.
Em silêncio Yabu encaminhou-se para o portão com dez marrons. Vinte cinzentos se engataram à escolta e, juntos, desceram a avenida. A casa de hóspedes onde Yabu se alojava não ficava longe da primeira esquina. Os cinzentos ficaram de fora do portão. Yabu fez sinal aos marrons que esperassem no jardim e entrou sozinho.
— É impossível, senhor general — disse Ochiba. — O senhor não pode deixar uma dama da posição dela cometer seppuku. Sinto muito, mas o senhor foi encurralado.
— Concordo — disse o Senhor Kiyama vigorosamente.
— Com toda a humildade, senhora — disse lshido —, qualquer coisa que eu diga ou deixe de dizer, não importa a bosta de um eta para ela. Ela já se decidiu, pelo menos Toranaga já.
— Claro que ele está por trás disso — disse Kiyama enquanto Ochiba recuava ante a grosseria de Ishido. — Sinto muito, mas ele o superou em astúcia de novo. Ainda assim o senhor não pode deixá-la cometer seppuku!
— Por quê?
— Por favor, desculpe, senhor general, devemos conservar nossas vozes baixas — disse Ochiba. Estavam esperando na espaçosa antecâmara do quarto de doente da Senhora Yodoko nos aposentos internos do torreão, no segundo andar. — Tenho certeza de que a culpa não foi sua e de que deve haver uma solução.
Calmamente Kiyama disse: — O senhor não pode deixá-la continuar com o plano, senhor general, porque isso estimulará cada dama no castelo.
Ishido cravou-lhe os olhos. — O senhor parece se esquecer de que alguns foram abatidos por engano e isso não criou agitação alguma entre eles — exceto deter outras tentativas de escapada.
— Esse foi um engano terrível, senhor general — disse Ochiba.
— Concordo. Mas estamos em guerra, Toranaga ainda não está em nossas mãos, e até que ele esteja morto a senhora e o herdeiro se encontram em perigo absoluto.
— Sinto muito, não estou preocupada comigo mesma, apenas com o meu filho — disse Ochiba. — Eles todos têm que estar de volta aqui dentro de dezoito dias. Aconselho-o a deixá-los partir.
— Isso é um risco desnecessário. Sinto muito. Não temos certeza se ela realmente fala a sério.
— Fala — disse-lhe Kiyama com desdém, desprezando a truculenta presença de Ishido nos opulentos e suntuosos aposentos que o lembravam claramente do táicum, seu amigo e venerado protetor. — Ela é samurai.
— Sim — disse Ochiba. — Sinto muito, mas concordo com o Senhor Kiyama. Mariko-san fará o que diz. Depois há aquela megera Etsu! Esses Maeda são um bando orgulhoso, neh?
Ishido aproximou-se da janela e olhou para fora. — No que me concerne podem todos pegar fogo. A mulher Toda é cristã, neh? O suicídio não é contra a sua religião? Um pecado especial?
— Sim, mas ela terá um assistente, portanto não será suicídio.
— E se não tiver? — O quê?
— Digamos que ela fosse desarmada e não tivesse assistente? — Como o senhor poderia fazer isso?
— Capturando-a. Confinando-a com criadas cuidadosamente escolhidas até que Toranaga atravessasse as nossas fronteiras. — Ishido sorriu. — Então ela poderá fazer o que quiser. Eu ficaria encantado em ajudá-la.
— Como poderia capturá-la? — perguntou Kiyama. — Ela sempre teria tempo para cometer seppuku, ou para usar a própria faca.
— Talvez. Mas digamos que ela pudesse ser capturada, desarmada e confinada por alguns dias. Esses "alguns dias" não são vitais? Não é por isso que ela está insistindo em ir hoje, antes que Toranaga cruze as nossas fronteiras e se castre?
— Poderia ser feito? — perguntou a Senhora Ochiba. — Possivelmente — disse Ishido.
Kiyama ponderou sobre a idéia. — Dentro de dezoito dias Toranaga deve estar aqui. Poderia protelar junto à fronteira por mais quatro dias, no máximo. Ela teria que ser detida por uma semana no máximo.
— Ou para sempre — disse Ochiba. — Toranaga vem adiando tanto que às vezes penso que nunca chegará.
— Ele tem que vir até o vigésimo segundo dia — disse Ishido. — Ah, senhora, a idéia foi brilhante, brilhante.
— Com certeza a idéia foi sua, senhor general? — A voz de Ochiba era apaziguadora, embora estivesse muito cansada devido à noite insone. — E quanto ao Senhor Sudara e minha irmã? Estão com Toranaga agora?
— Não, senhora. Ainda não. Serão trazidos para cá por mar. — Ela não deve ser tocada — disse Ochiba. — Nem seu filho.
— Seu filho é herdeiro direto de Toranaga, que é herdeiro dos Minowara. Meu dever para com o herdeiro, senhora, me faz assinalar isso novamente.
— Minha irmã não deve ser tocada. Nem o seu filho. — Como desejar, senhora.
— Senhor — disse ela a Kiyama —, quão boa cristã é Mariko-san?
— Pura — respondeu Kiyama na hora. — A senhora se refere a suicídio sendo pecado? Eu... eu acho que ela respeitaria isso ou a sua alma eterna estaria perdida, senhora. Mas não sei se...
— Então há uma solução mais simples — disse Ishido sem pensar. — Mande o sumo-sacerdote dos cristãos ordenar a ela que pare de incomodar os dirigentes legais do império!
— Ele não tem poder para isso — disse Kiyama. E acrescentou, com a voz ainda mais cheia de farpas: — Isso é interferência política — coisa a que o senhor foi sempre severamente contra, e com razão.
— Parece que os cristãos interferem apenas quando lhes convém — disse Ishido. — Foi apenas uma sugestão.
A porta interna se abriu e um médico apareceu. Tinha o rosto grave, a exaustão o envelhecia. — Sinto muito, senhora, ela a está chamando.
— Está morrendo? — perguntou Ishido.
— Está perto da morte, senhor general, sim, mas quando, não sei.
Ochiba atravessou às pressas o comprido aposento, cruzou a porta interna, seu quimono azul justo, as saias ondulando graciosamente. Os dois homens a observaram. A porta se fechou. Por um momento os dois evitaram os olhos um do outro, depois Kiyama disse: — Acha mesmo que a Senhora Toda poderia ser capturada?
— Sim — disse Ishido, olhando para a porta.
Ochiba atravessou o aposento ainda mais opulento e se ajoelhou ao lado dos futons. Criadas e médicos rodeavam-nos. A luz do sol filtrava-se pelas venezianas de bambu e deslizava pelos entalhes dourados e vermelhos das vigas, colunas e portas. A cama de Yodoko estava rodeada de biombos decorativos entalhados. Ela parecia adormecida, o rosto exangue emoldurado pelo capuz de seu hábito budista, os pulsos — magros, as veias nodosas, e Ochiba pensou em como era triste envelhecer. A idade é tão injusta para as mulheres. Não para os homens, apenas para as mulheres. Os deuses me protejam da velhice, orou. Buda proteja meu filho e o ponha em segurança no poder e me proteja apenas enquanto eu for capaz de protegê-lo e ajudá-lo.