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Naquele mesmo dia, quando Yabu voltava do escritório de Ishido com o salvo-conduto, fora abordado em particular por um samurai que nunca vira antes.

— A sua cooperação é solicitada, Yabu-san. — Para quê e por quem?

— Por alguém a quem o senhor fez um oferecimento ontem. — Que oferecimento?

— Em troca de salvo-condutos para o senhor e o Anjin-san, o senhor providenciaria que ela estivesse desarmada durante a emboscada na sua viagem... Por favor, não toque na espada, Yabu-san, há quatro arqueiros aguardando um sinal!

— Como ousa me desafiar? Que emboscada? — blefara ele, sentindo os joelhos fracos, pois não havia dúvida agora de que o homem era intermediário de Ishido. Na véspera, à tarde, ele fizera o oferecimento secreto por meio dos seus próprios intermediários, numa desesperada tentativa de poupar alguma coisa ao naufrágio que Mariko causara aos seus planos para o Navio Negro e o futuro. Na mesma hora soubera que era uma idéia extravagante. Teria sido difícil, se não impossível, desarmá-la e continuar vivo, conseqüentemente correndo perigo de ambos os lados, e quando Ishido, através de intermediários, rejeitara a idéia, ele não se surpreendera.

— Não sei de nada sobre emboscada alguma — vociferara ele, desejando que Yuriko estivesse ali para ajudá-lo a sair daquele pântano.

— Ainda assim, o senhor é convidado a participar de uma, embora não do modo como o senhor planejou.

— Quem é o senhor?

— Em troca o senhor fica com Izu, o bárbaro e o navio dele — assim que a cabeça do principal inimigo estiver no pó. Desde que, é claro, ela seja capturada viva e o senhor permaneça em Osaka até o dia e jure fidelidade.

— A cabeça de quem? — dissera Yabu, tentando pôr o cérebro a funcionar, entendendo apenas agora que Ishido usara a sua solicitação para liberar os salvo-condutos meramente como uma artimanha, de modo que o oferecimento secreto pudesse ser feito em segurança e negociado.

— É sim ou não? — perguntara o samurai.

— Quem é o senhor e de que está falando? — Ele estendera o pergaminho. — Aqui está o salvo-conduto do Senhor Ishido. Nem mesmo o senhor general pode cancelar isto depois do que aconteceu.

— Isso é o que muitos dizem. Mas, sinto muito, os bois vão cagar ouro em pó antes que o senhor ou qualquer pessoa seja autorizada a insultar o Senhor Yaemon... Por favor, tire a mão da espada!

— Então tome cuidado com a língua! — Naturalmente, desculpe. Concorda?

— Sou governador de Izu agora, e tenho Totomi e Suruga prometidas — dissera Yabu, dando início ao trato. Sabia que embora estivesse encurralado, assim como Mariko, Ishido se encontrava igualmente encurralado, porque o dilema que Mariko precipitara ainda existia.

— Sim, é verdade dissera o samurai. — Mas não tenho — autorização para negociar.

Os termos são esses. É sim ou não?

Yabu terminou de limpar a espada e arrumou o lençol sobre a figura aparentemente adormecida de Sumiyori. Depois enxugou o suor do rosto e das mãos, conteve a raiva, soprou a lâmpada, e abriu a porta. Os dois marrons esperavam alguns passos adiante no corredor. Curvaram-se.

— Eu o acordarei ao amanhecer, Sumiyori-san — disse Yabu à escuridão. Depois, a um dos samurais: — Você fique de guarda aqui. Ninguém deve entrar. Ninguém! Providencie para que o capitão não seja perturbado, ele precisa descansar.

— Sim, senhor.

O samurai tomou seu novo posto e Yabu seguiu a passos largos pelo corredor, acompanhado pelo outro guarda, subiu um lanço da escada até a seção central principal daquele andar e cruzou-a, rumando para a sala de audiência e os apartamentos que ficavam na ala leste. Logo chegou ao corredor sem saída da sala de audiência. Guardas curvaram-se e permitiram-lhe entrar. Outro samurai abriu a porta para o corredor e o conjunto de aposentos particulares. Yabu bateu à porta.

— Anjin-san? — disse baixinho.

Não houve resposta. Ele empurrou a shoji. O quarto estava vazio, a shoji interna entreaberta. Ele franziu o cenho, depois fez sinal ao acompanhante que esperasse e atravessou correndo o quarto até o corredor interno fracamente iluminado. Chimmoko interceptou-o, uma faca na mão. Sua cama em desordem estava no corredor, junto à porta de um dos quartos.

— Oh, sinto muito, senhor, eu estava cochilando — disse, baixando a faca. Mas não se moveu do caminho.

— Eu estava procurando o Anjin-san.

— Ele e a minha ama estão conversando, senhor, com Kiritsubo-san e a Senhora Achiko.

— Por favor, diga-lhe que eu gostaria de vê-lo um momento. — Certamente, senhor. — Polidamente Chimmoko apontou o outro quarto para Yabu, esperou até que ele estivesse lá, e fechou a shoji interna. O guarda no corredor principal observava inquisitivamente.

Num instante a shoji se abriu de novo e Blackthorne entrou. Estava vestido e portando a espada curta.

— Boa noite, Yabu-san — disse.

— Sinto muito incomodá-lo, Anjin-san. Só queria ver — ter certeza de que estava tudo bem, compreende?

— Sim, obrigado. Não se preocupe.

— A Senhora Toda está bem? Não está doente?

— Está ótima agora. Muito cansada, mas ótima. Logo amanhece, neh?

Yabu assentiu. — Sim. Só quis ter certeza de que ia tudo bem. Compreende?

— Sim. Esta tarde o senhor disse "plano", Yabu-san. Lembra-se? Por favor, que plano secreto?

— Não secreto, Anjin-san — disse Yabu, arrependendo-se de ter sido tão aberto. — O senhor compreendeu mal. Digamos que apenas alguns devem saber do plano... muito difícil escapar de Osaka, neh? Devemos escapar ou... — Yabu simulou passar uma faca no pescoço. — Compreende?

— Sim. Mas agora temos passe, neh? Agora seguro sair de Osaka. Neh?

— Sim. Partimos logo. De barco muito bom. Logo arranjaremos homens em Nagasaki. Compreende?

— Sim.

Muito amistoso, Yabu foi embora. Blackthorne fechou a porta atrás dele e voltou ao corredor interno, deixando a sua porta interna entreaberta. Passou por Chimmoko e entrou no outro quarto. Mariko estava apoiada em futons, parecendo mais diminuta do que nunca, mais delicada e mais bela. Kiri estava ajoelhada sobre uma almofada. Achiko estava adormecida, enrodilhada a um lado.

— O que ele queria, Anjin-san? — disse Mariko. — Só ver se estávamos bem.

Mariko traduziu para Kiri.

— Kiri disse se o senhor lhe perguntou sobre o “plano”? — Sim. Mas ele se esquivou à pergunta. Talvez tenha mudado de idéia. Não sei. Talvez eu me tenha enganado, mas pensei que esta tarde ele tivesse alguma coisa planejada ou estivesse planejando alguma coisa.

— Trair-nos?

— Claro. Mas não sei como. Mariko sorriu-lhe. — Talvez o senhor se tenha enganado. Estamos salvos agora.

A jovem Achiko murmurou no sono e eles a olharam. Ela pedira para ficar com Mariko, assim como a velha Senhora Etsu, que estava dormindo sonoramente num quarto contíguo. As outras senhoras haviam partido ao pôr-do-sol, dirigindo-se cada uma à sua casa. Todas haviam enviado requisições formais de permissão para partida imediata. Já correra o rumor pelo castelo de que perto de cento e cinco pessoas também se apresentariam no dia seguinte. Kiyama mandara chamar Achiko, esposa do seu neto, mas ela se recusara a se afastar de Mariko. Imediatamente o daimio a repudiara e exigira a posse da criança. Ela entregara o filho. Agora estava em meio a um pesadelo, mas passou e ela dormiu pacificamente de novo. Mariko olhou para Blackthorne.