— Concordo — disse Zataki. Chegara de Tarato na véspera, de manhã, e quando soubera os detalhes da confrontação de Mariko com Ishido ficara secretamente encantado. — Se ela tivesse sido autorizada a partir ontem, conforme aconselhei, não estaríamos nessa enrascada agora.
— Não é tão sério quanto os senhores pensam. — A boca de Ishido era uma linha compacta e Ochiba sentiu aversão por ele naquele momento, repugnando-lhe que ele tivesse falhado e os tivesse encerrado a todos naquela crise. — Os ninfas estavam apenas atrás de saque — disse Ishido.
— O bárbaro é saque? — zombou Kiyama um ataque tão vasto por um bárbaro?
— Por que não? Poderiam pedir resgate por ele, neh? — Ishido encarou o daimio, que estava ladeado por Ito Teruzumi e Zataki. — Os cristãos em Nagasaki pagariam muito bem por ele, morto ou vivo... era possível. E é possível. Neh?
— É possível — concordou Zataki. — É assim que os bárbaros combatem.
— Está sugerindo, também que os cristãos planejaram e pagaram por esse ataque?
— Organizariam formalmente — disse Kiyama com firmeza —, que infame?
— Sim. Mas não é provável — interveio Ishido, não querendo que o precário equilíbrio que existia entre os regentes fosse destruído por uma discussão aberta agora. Ainda estava muito irritado de que os espiões não o tivessem prevenido sobre o esconderijo secreto de Toranaga, e ainda não compreendia
— Eu disse que como pudera ser elaborado com tanto sigilo, sem nem um sopro de rumor presente sobre ele. — Na minha opinião os ninjas estavam atrás de saque.
— É muito sensato e muito correto — disse Ito com um lampejo malicioso nos olhos. Era um homem pequeno, de meia idade, resplendentemente adornado com espadas ornamentais, embora tivesse sido arrancado da cama como todos os demais. Estava maquilado como uma mulher e tinha os dentes escurecidos. — Sim, senhor general. Mas talvez os ninjas não pretendessem cobrar resgate por ele em Nagasaki, mas em Yedo, do Senhor Toranaga. Ele não continua sendo lacaio dele?
O cenho de Ishido se ensombreceu à menção do nome. — Concordo em que devemos gastar o nosso tempo discutindo sobre o Senhor Toranaga e não sobre ninjas. Provavelmente ele ordenou o ataque, neh? É traiçoeiro o suficiente para fazer isso.
— Não, ele nunca usaria ninjas — disse Zataki. — Traição, sim, mas não esse lixo. Mercadores fariam isso — ou bárbaros. Mas não o Senhor Toranaga.
Kiyama observava Zataki, odiando-o. — Os nossos amigos portugueses não poderiam instigar tal interferência nos nossos assuntos. Nunca!
— O senhor acreditaria que eles e/ou os padres deles conspirariam com um dos daimios cristãos de Kyushu para combater os não-cristãos — a guerra apoiada por uma invasão estrangeira? — Quem? Diga-me. Tem provas?
— Ainda não, Senhor Kiyama. Mas os rumores correm e um dia terei provas. — Zataki voltou-se para Ishido. — O que podemos fazer em relação a esse ataque? Qual é a saída do dilema? — perguntou, e olhou de relance para Ochiba. Ela observava Kiyama, depois seus olhos moveram-se na direção de Ishido, depois de volta a Kiyama, e ele nunca a tinha visto mais desejável.
— Todos concordamos — disse Kiyama — que é evidente que o Senhor Toranaga tramou para que fôssemos enredados por Toda Mariko-sama, por mais corajosa que ela tenha sido, por mais impelida pelo dever e honrada, Deus tenha piedade dela. Ito arrumou uma dobra nas saias do seu quimono impecável. — Mas o senhor não concorda que seria um estratagema perfeito para o Senhor Toranaga atacar seus próprios vassalos desse modo? Oh, Senhor Zataki, sei que ele nunca usaria ninjas, mas é esperto o bastante para levar os outros a tomar-lhe as idéias e acreditar que são suas. Neh?
— Tudo é possível. Mas usar ninjas não seria característico dele. É inteligente demais para usá-los. Ou para levar alguém a fazer isso. Não são dignos de confiança. E por que forçar Mariko-sama? Muito melhor esperar e nos deixar cometer o erro. Estávamos encurralados. Neh?
— Sim. Ainda estamos encurralados. — Kiyama olhou para Ishido. — E quem quer que tenha ordenado o ataque foi um imbecil, e não nos prestou serviço algum.
— Talvez o senhor general esteja certo e não seja tão sério quanto pensamos — disse Ito. — Mas é muito triste, uma morte deselegante para ela, pobre senhora.
— Isso foi o karma dela, e não estamos encurralados. — Ishido encarou Kiyama. — Foi muito afortunado que ela tivesse aquela toca aferrolhada para onde correr, ou aquela ralé a teria capturado.
— Mas não a capturaram, senhor general, e ela cometeu uma forma de seppuku, e o mesmo fizeram os outros, e agora, se não deixarmos todos se irem, haverá mais mortes de protesto e não podemos nos permitir isso — disse Kiyama.
Não concordo. Todos devem ficar aqui — pelo menos até que Toranaga-sama entre em nossos domínios, sorriu. — Esse será um dia memorável.
Acha que ele não fará isso? — perguntou Zataki.
O que penso não tem valor, Senhor Zataki. Logo saberemos o que ele vai fazer. Seja o que for, não faz diferença. Toranaga deve morrer, se é para o herdeiro herdar. — Ito olhou para Ishido. — O bárbaro já morreu, senhor general?
Ishido balançou a cabeça e olhou Kiyama. — Seria azar que ele morresse agora, ou que ficasse mutilado, um homem corajoso assim, Neh?
— Acho que ele é uma praga e quanto mais depressa morrer, melhor. O senhor esqueceu?
— Ele nos poderia ser útil. Concordo com o Senhor Zataki — e com o senhor — em que Toranaga não é nenhum imbecil. Tem que haver uma boa razão para Toranaga estimá-lo. Neh?
— Sim, tem razão novamente — disse Ito. — O Anjin-san agiu bem para um bárbaro, não? Toranaga estava certo em fazê-lo samurai. — Olhou para Ochiba. — Quando ele lhe deu a flor, senhora, considerei o gesto poético, digno de um cortesão.
Houve uma aquiescência geral.
— E a competição de poesia, senhora? — perguntou Ito. — Deve ser cancelada, sinto muito — disse Ochiba. — Sim — concordou Kiyama.
— O senhor havia decidido participar? — perguntou ela. — Não — respondeu ele. — Mas agora eu poderia dizer:
Num ramo sem vida. A tempestade caiu... Lágrimas de um verão escuro.
— Deixemos que isso seja o epitáfio dela. Ela era samurai — disse Ito calmamente. — Compartilho dessas lágrimas de verão.
— Por mim — disse Ochiba —, eu preferiria um final diferente:
Num ramo sem vida. A neve ouviu... Silêncio de inverno.
Mas concordo, Senhor Ito. Também acho que todos nós compartilharemos dessas lágrimas de verão escuro.
— Não, sinto muito, senhora, mas está enganada — disse Ishido. — Haverá lágrimas, sim, mas serão Toranaga e seus aliados quem as derramará. — Começou a conduzir a reunião para um encerramento. — Darei início a um inquérito sobre o ataque ninja imediatamente. Duvido que jamais descubramos a verdade. Enquanto isso, por questão de segurança pessoal, todos os passes serão lamentavelmente cancelados e todas as pessoas lamentavelmente proibidas de partir até o vigésimo segundo dia.
— Não — disse Onoshi, o leproso, o último dos regentes, do seu lugar solitário do outro lado da sala, onde se encontrava, invisível, atrás das cortinas opacas da sua liteira. — Sinto muito, mas isso é exatamente o que o senhor não pode fazer. Agora deve deixar todos partirem. Todos.
— Por quê?
A voz de Onoshi era malévola e destemida. — Se não o fizer, desonrará a senhora mais corajosa do reino, desonrará a Senhora Kiyama Achiko e a Senhora Maeda. Deus tenha piedade da alma delas. Quando esse ato infame for do conhecimento comum, só Deus, o pai, sabe que prejuízo causará ao herdeiro — e a todos nós, se não formos cautelosos.
Ochiba sentiu um calafrio. Um ano atrás, quando Onoshi viera prestar seus respeitos ao táicum moribundo, os guardas haviam insistido para que as cortinas da liteira fossem abertas, para o caso de Onoshi ter armas ocultas, e ela vira o meio rosto devastado — sem nariz, sem orelhas, coberto de crostas —, os olhos fanáticos e candentes, o toco da mão esquerda e a direita, boa, agarrada à espada curta.