— Não sei. Mas logo serão todos destruídos.
— Como, senhor general? Como o senhor fará isso quando tanta coisa depende da boa vontade deles?
— Promessas — até que Toranaga esteja morto. Aí eles cairão uns sobre os outros. Dividimos e governamos. Não é isso o que faz Toranaga, o que o senhor táicum fez? Kiyama quer o Kwanto, neh? Pelo Kwanto ele obedecerá. Por isso foi-lhe prometido, para um momento no futuro. Onoshi? Quem sabe o que esse louco deseja... exceto cuspir na cabeça de Toranaga e na de Kiyama antes de morrer?
— E se Kiyama descobrir a sua promessa a Onoshi — que todas as terras de Kiyama serão dele —, ou que o senhor pretende manter sua promessa a Zataki e não a ele?
— Mentiras, senhora, espalhadas por inimigos. — Ishido olhou para ela. — Onoshi quer a cabeça de Kiyama. Kiyama quer o Kwanto. Assim como Zataki.
— E o senhor, senhor general? O que deseja?
— Primeiro o herdeiro em segurança aos quinze anos, depois governando o reino em segurança. E a senhora e ele seguros e protegidos até lá. Nada mais.
— Nada?
— Não, senhora.
Mentiroso, pensou Ochiba. Colheu uma flor perfumada, aspirou-lhe o aroma e ofereceu-a a ele. — Adorável, neh?
— Sim, adorável — disse Ishido, pegando-a. — Obrigado.
— O funeral de Yodoko-sama foi lindo. Merece ser cumprimentado, senhor general.
— Sinto muito que ela tenha morrido — disse Ishido polidamente. — O seu conselho era sempre valioso.
Andaram a esmo, em silêncio, um momento. — Elas já partiram? Kiritsubo-san, a Senhora Sazuko e seu filho? — perguntou Ochiba.
— Não. Partirão amanhã. Depois do funeral da Senhora Toda. Muitos partirão amanhã, o que é grave.
— Sinto muito, mas isso faz diferença? Agora que todos concordamos em que Toranaga-sama não virá aqui?
— Acho que sim. Mas não é importante, não enquanto detivermos o Castelo de Osaka. Não, senhora, temos que ser pacientes, conforme Kiyama sugeriu. Esperaremos até o dia. Então marcharemos.
— Por que esperar? O senhor não pode marchar agora? — Vai levar tempo reunir as nossas hostes.
— Quantos enfrentarão Toranaga? — Trezentos mil homens. Pelo menos oitenta mil dentro dos muros, e três vezes o número de Toranaga.
— E a minha guarnição? — Deixarei uma elite de mais cinqüenta mil nas passagens. — E Zataki?
— Trairá Toranaga. No final ele o trairá.
— O senhor não acha curioso que o Senhor Sudara, minha irmã e todos os filhos dela estejam visitando Takato?
— Não. Claro que Zataki fingiu algum acordo secreto com o meio irmão. Mas é apenas um truque, nada mais. Ele o trairá. — Ele deveria... ele tem o mesmo sangue corrompido — disse ela com desagrado. — Mas eu ficaria muito aborrecida se alguma coisa acontecesse à minha irmã ou a seus filhos.
— Nada acontecerá, senhora, tenho certeza.
— Se Zataki estava pronto a assassinar a própria mãe... neh? Tem certeza de que ele não o trairá?
— Não. Não no final. Porque odeia a Toranaga mais do que a mim, senhora, e respeita a senhora e deseja o Kwanto acima de tudo. — Ishido sorriu para os andares que se elevavam acima dele. — Enquanto o castelo for nosso e o Kwanto existir para ser oferecido, não há nada a temer.
— Esta manhã tive medo — disse ela, segurando uma flor junto ao nariz, apreciando o perfume, desejando que ela extinguisse o travo de medo que ainda perdurava. — Tive vontade de sair correndo, mas aí me lembrei do adivinho.
— Hein? Oh, ele. Tinha me esquecido — disse Ishido, divertido mas sério. Era o adivinho, o emissário chinês, que predissera que o táicum morreria no leito deixando um filho saudável para segui-lo, que Toranaga morreria pela espada na meia idade, que Ishido morreria muito velho, como o general mais famoso do reino, os pés firmes no solo. E que a Senhora Ochiba terminaria seus dias no Castelo de Osaka, rodeada pelos maiores nobres do império.
— Sim — repetiu Ishido. — Eu tinha me esquecido dele. Toranaga é de meia-idade, neh?
— Sim. — Novamente Ochiba sentia a profundidade do olhar dele, e foi como se seus rins se fundissem com o pensamento de um homem de verdade em cima dela, dentro dela, abraçando-a, tomando-a, dando-lhe uma nova vida dentro dela. Desta vez uma concepção honrosa, não como a última, quando ela se perguntara horrorizada como seria a criança e como se pareceria.
Que tola você é, Ochiba, disse a si mesma, enquanto perambulavam pelos caminhos perfumados e sombreados. Afaste esses pesadelos imbecis — não passam disso. Você estava pensando num homem.
De repente Ochiba teve vontade de que Toranaga estivesse ali ao seu lado e não Ishido, que Toranaga fosse senhor do Castelo de Osaka e senhor do tesouro do táicum, protetor do herdeiro e general-chefe dos exércitos de oeste, e não Ishido. Então não haveria problemas. Juntos eles possuiriam o reino, o reino todo, e agora, hoje, neste momento, ela o chamaria para o leito ou para uma clareira convidativa e amanhã ou no dia seguinte eles se casariam, e, acontecesse o que acontecesse no futuro, hoje ela possuiria e seria possuída e estaria em paz.
Ponha os sonhos de lado, Ochiba, disse-se ela. Seja realista como o táicum — ou como Toranaga.
— O que vai fazer com o Anjin-san? — perguntou.
Ishido riu. — Protegê-lo, deixá-lo tomar o Navio Negro talvez, ou usá-lo como ameaça contra Kiyama e Onoshi, se for necessário. Ambos o odeiam, neh? Oh, sim, ele é uma espada na garganta deles — e na imunda Igreja deles.
— No jogo de xadrez entre o herdeiro e Toranaga, como julgaria o valor do Anjin-san, senhor general? Um peão? Um cavaleiro, talvez?
— Ah, senhora, no Grande Jogo, meramente um peão — disse Ishido imediatamente. — Mas no jogo do herdeiro contra os cristãos, uma torre, facilmente uma torre, talvez duas.
— O senhor não acha que os jogos estão interligados?
— Sim, interligados, mas o Grande Jogo será decidido por daimio contra daimio, samurai contra samurai, e espada contra espada. Naturalmente, em ambos os jogos, a senhora é a rainha.
— Não, senhor general, por favor, desculpe-me, não uma rainha — disse ela, contente de que ele percebesse isso. Depois, por questão de segurança, mudou de assunto. — Corre o boato de que o Anjin-san e Mariko-san "travesseiravam" juntos.
— Sim. Sim, também ouvi dizer. Deseja saber a verdade sobre isso?
Ochiba meneou a cabeça. — Seria impensável que isso tivesse acontecido.
Ishido observava-a atentamente. — A senhora acha que haveria algum valor em destruir a honra dela? Agora? E junto com a dela, a de Buntaro-san?
— Não quis dizer nada, senhor general, nada disso. Só estava me perguntando... apenas uma tolice de mulher. Mas é como o Senhor Kiyama disse esta manhã: lágrimas de um verão escuro, triste, muito triste, neh?
— Eu preferi o seu poema, senhora. Prometo-lhe que o lado de Toranaga terá as lágrimas.
— Quanto a Buntaro-san, talvez nem ele nem o Senhor Hiromatsu lutem pelo Senhor Toranaga na batalha.
— Isso é um fato?
— Não, senhor general, não um fato, mas uma possibilidade. — Mas existe alguma coisa que a senhora possa fazer, talvez? — Nada, senão pedir-lhes o apoio ao herdeiro de todos os generais de Toranaga, no momento em que a batalha esteja resolvida.
— Está resolvida agora, um movimento de tenazes norte e sul e o ataque final a Odawara. — Sim, mas não de fato. Não até que exército enfrente exército no campo de batalha.
Depois perguntou: — Desculpe, mas o senhor tem certeza de que é prudente o herdeiro comandar os exércitos?
— Eu comandarei os exércitos, o herdeiro deve estar presente. Aí Toranaga não poderá vencer. Mesmo Toranaga jamais atacará o estandarte do herdeiro.
— Não seria mais seguro que o herdeiro ficasse aqui por causa de assassinos, de Amidas ... ? Não podemos pôr a vida dele em risco. Toranaga tem um braço comprido, neh?
— Sim. Mas nem tanto, e o estandarte pessoal do herdeiro torna o nosso lado legal e o de Toranaga ilegal. Conheço Toranaga. No final respeitará a lei. E apenas isso colocará a sua cabeça na ponta de um chuço. Ele está morto, senhora. Assim que estiver morto de fato, destruirei a Igreja cristã — toda ela. Então a senhora e o herdeiro estarão seguros.