Ochiba levantou o olhar para ele, uma promessa não dita nos olhos. — Rezarei pelo sucesso... e pelo seu regresso seguro. O peito dele se apertou. Ele esperara muito tempo. — Obrigado, senhora, obrigado — disse, compreendendo-a. — Não lhe falharei.
Ela se curvou e deu-lhe as costas. Que impertinência, estava pensando. Como se eu fosse tomar um camponês por marido! Agora, devo realmente descartar Toranaga?
Dell'Aqua estava ajoelhado em oração diante do altar nas ruínas da pequena capela. A maior parte do telhado e de uma parede estava desmoronada, mas o terremoto não danificara o presbitério, e nada tocara o belo vidro colorido da janela, ou a Nossa Senhora esculpida que era o seu orgulho.
O sol da tarde incidia através das vigas quebradas. Lá fora, trabalhadores já estavam removendo entulho do jardim, consertando e conversando e, misturados à tagarelice deles, Dell'Aqua podia ouvir os gritos das gaivotas vindos da praia e sentir um travo na brisa, parte sal, parte fumaça, algas marinhas e pântanos. O odor transportou-o para casa, a sua quinta perto de Nápoles, onde, misturados aos odores do mar, havia o perfume dos limões e laranjas e o de pães frescos assando, e massa e alho e abbacchio assando sobre brasas, e, na grande vila, a voz de sua mãe, dos irmãos e irmãs e seus filhos, todos felizes, alegres e vivos, aquecidos pelo sol dourado.
Ó minha Nossa Senhora, deixe-me voltar para casa em breve, orou ele. Estou longe há muito tempo. De casa e do Vaticano. Nossa Senhora, alivie-me do fardo. Perdoe-me, mas estou farto de japoneses, Ishido, matança, peixe cru, Toranaga, Kiyama, cristãos de arroz, tentar manter viva a sua Igreja. Dê-me a sua força.
E proteja-nos dos bispos espanhóis. Os espanhóis não compreendem o Japão ou os japoneses. Eles destruirão o que começamos pela sua glória. E perdoe a sua serva, a Senhora Maria e tome-a sob a sua guarda. Vele por...
Ouviu alguém entrar na nave. Quando terminou as orações, levantou-se e voltou-se.
— Desculpe interrompê-lo, Eminência — disse o Padre Soldi —, mas o senhor queria saber imediatamente. Há uma mensagem cifrada do Padre Alvito. De Mishima. O pombo acabou de chegar.
— E?
— Ele só diz que verá Toranaga hoje. A noite passada foi impossível porque Toranaga estava fora de Mishima, mas espera-se que regresse ao meio-dia de hoje. A mensagem está datada desta manhã.
Dell'Aqua tentou reprimir o desapontamento, depois olhou as nuvens e o tempo, buscando confiança. A notícia do ataque ninja e da morte de Mariko tinha sido enviada a Alvito ao amanhecer, a mesma mensagem por dois pombos, por questão segurança.
— As notícias logo estarão lá — disse Soldi. — Sim. Sim, com certeza espero que sim.
Dell'Aqua saiu da capela, tomou o claustro e rumou para os seus escritórios. Soldi, pequeno, um passarinho, tinha que se apressar para acompanhar as grandes passadas do padre-inspetor. — Há mais uma coisa de extrema importância, Eminência disse Soldi. — Nossos informantes relatam que pouco depois de amanhecer os regentes votaram pela guerra.
Dell'Aqua parou. — Guerra?
— Parece que estão convencidos de que Toranaga nunca virá a Osaka, ou o imperador. Por isso decidiram em conjunto ir contra o Kwanto.
— Não há engano nisso?
— Não, Eminência. É a guerra. Kiyama acabou de mandar um aviso pelo Irmão Miguel, que confirma a nossa fonte. Miguel acabou de voltar do castelo. A votação foi unânime.
— Dentro de quanto tempo?
— No momento em que souberem que o imperador não virá aqui.
— A guerra não terminará nunca. Deus tenha piedade de nós! E abençoe Mariko — pelo menos Kiyama e Onoshi foram prevenidos da perfídia de Toranaga.
— E quanto a Onoshi, Eminência? E quanto à perfídia dele contra Kiyama?
— Não tenho provas disso, Soldi. É coisa forçada demais. Não posso acreditar que Onoshi fizesse isso.
— Mas se fizer, Eminência?
— Neste exato momento não é possível, mesmo que tenha sido planejado. Agora precisam um do outro.
— Até o falecimento do Senhor Toranaga...
— Você não precisa me lembrar da inimizade desses dois, ou de que eles não têm escrúpulos; Deus perdoe a ambos. — Pôs-se em movimento de novo.
Soldi alcançou-o. — Devo mandar essa informação ao Padre Alvito?
— Não. Ainda não. Primeiro tenho que resolver o que fazer. Toranaga ficará sabendo bem depressa, pelas suas próprias fontes. Deus tome esta terra sob a sua guarda e tenha piedade de todos nós.
Soldi abriu a porta para o padre-inspetor. — O único outro assunto de importância é que o conselho formalmente recusou que ficássemos com o corpo da Senhora Mariko. Ela terá um funeral cerimonial amanhã e não fomos convidados.
— Era de se esperar, mas é esplêndido que queiram honrá-la assim. Mande algum dos nossos buscar uma parte das suas cinzas — isso será permitido. As cinzas serão enterradas em solo santificado em Nagasaki. — Endireitou um quadro automaticamente e sentou-se atrás da escrivaninha. — Direi um réquiem por ela aqui — o réquiem completo, com toda a pompa e cerimônia que pudermos, será quando os seus despojos forem formalmente enterrados. Ela será sepultada em solo de catedral, como uma filha muito abençoada da Igreja. Providencie uma placa, contrate os melhores artistas, calígrafos — tudo deve ser perfeito. A abençoada coragem e auto-sacrifício dela serão um enorme encorajamento ao nosso rebanho. Muito importante, Soldi.
— E a neta de Kiyama, senhor? As autoridades nos deixarão ficar com o corpo. Ele insistiu.
— Ótimo. Então os seus despojos devem ser enviados para Nagasaki imediatamente. Consultarei Kiyama sobre quão importante ele deseja que o funeral seja.
— O senhor realizará o serviço, Eminência?
— Sim, desde que seja possível que eu saia daqui.
— O Senhor Kiyama ficaria muito satisfeito com essa honra. — Sim, mas devemos nos certificar de que as suas exéquias não prejudiquem as da Senhora Maria. As de Maria são, politicamente, muitíssimo importantes.
— Claro, Eminência. Compreendo perfeitamente.
Dell'Aqua examinou o seu secretário. — Por que não confia em Onoshi?
— Desculpe, Eminência, provavelmente porque ele é leproso e me petrifica de terror. Peço desculpas.
— Peça desculpas a ele, Soldi, ele não tem culpa pela doença — disse Dell'Aqua. — Não temos provas da conspiração.
— As outras coisas que a senhora disse eram verdadeiras. Por que não isso?
— Não temos provas. É tudo suposição. Sim, suposição.
Dell'Aqua moveu o frasco de água, observando a luz se refrangendo. — Nas minhas orações, senti o cheiro de flores de laranjeira e de pães frescos, e, oh, como gostaria de ir para casa.
Soldi suspirou. — Sonho com abbacchio, Eminência, e com carne pizzaiola ou um jarro de Lacrima Christi e... Deus me perdoe pelas fomes da fome! Logo poderemos ir para casa, Eminência. No próximo ano. Pelo próximo ano estará tudo acomodado aqui.
— Nada estará acomodado aqui no próximo ano. Essa guerra nos atingirá. Prejudicará a Igreja e os fiéis terrivelmente.
— Não, Eminência. Kyushu será cristã vença quem vencer — disse Soldi confiantemente, querendo consolar o superior. — Essa ilha pode esperar pelo bom tempo de Deus. Há mais que o suficiente a fazer em Kyushu, Eminência, não há? Três milhões de almas a converter, meio milhão de fiéis a quem atender. Depois há Nagasaki e o comércio. Eles precisam ter comércio. Ishido e Toranaga vão se rasgar em pedaços. O que importa isso? São ambos anticristãos, pagãos e assassinos.
— Sim. Mas infelizmente o que acontecer em Osaka e em Yedo controlará Kyushu. O que fazer, o que fazer? — Dell'Aqua pôs de lado a melancolia. — E o Inglês? Onde está agora?