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— Ainda sob guarda no torreão.

— Deixe-me sozinho um pouco, amigo velho, preciso pensar. Tenho que decidir o que fazer. Finalmente. A Igreja está em grande perigo. — Dell'Aqua olhou pelas janelas para o adro. Então viu o Frei Perez se aproximando.

Soldi foi para a porta a fim de interceptar o monge. — Não — disse o padre-inspetor. — Eu o verei agora.

— Ah, Eminência, boa tarde — disse o Frei Perez, coçando-se sem perceber. -— Queria me ver?

— Sim. Por favor, traga a carta, Soldi.

— Ouvi dizer que a sua capela foi destruída — disse o monge.

— Danificada. Por favor, sente-se. — Dell'Aqua sentou-se na sua cadeira de espaldar alto atrás da escrivaninha, o monge à sua frente. — Ninguém se feriu, graças a Deus. Dentro de alguns dias estará nova outra vez. E a sua missão?

— Intacta — disse o monge, com satisfação evidente. — Houve incêndios em toda a nossa volta depois dos tremores e muitos morreram, mas não fomos tocados. O olho de Deus vela por nós. — Depois acrescentou, crítico: — Ouvi dizer que pagãos estiveram assassinando pagãos a noite passada.

— Sim. Uma das nossas mais importantes convertidas, a Senhora Maria, foi morta na escaramuça.

— Ah, sim. Também recebi relatórios. "Mate-o, Yoshinaka", disse a Senhora Maria, e deu início à carnificina. Ouvi dizer que ela até tentou matar alguns pessoalmente, antes de cometer suicídio.

Dell'Aqua corou. — O senhor não compreende nada sobre os japoneses depois de todo esse tempo, e até fala um pouco da língua deles.

— Compreendo heresia, estupidez, matança e interferência política, e falo a língua pagã muito bem. Compreendo muita coisa sobre esses pagãos.

— Mas não sobre boas maneiras.

— A palavra de Deus não exige boas maneiras. É a Palavra. Oh, sim. Também compreendo sobre adultério. O que pensa sobre adultério — e meretrizes, Eminência?

A porta abriu-se. Soldi estendeu a carta do papa a Dell'Aqua e saiu.

O padre-inspetor passou o papel ao monge, saboreando a própria vitória. — Isto é de Sua Santidade. Chegou ontem por um mensageiro especial vindo de Macau.

O monge pegou a ordem papal e leu-a. Ordenava, com o acordo formal do rei da Espanha, que todos os padres de todas as ordens religiosas deviam, no futuro, viajar para o Japão apenas via Lisboa, Goa e Macau; que todos estavam proibidos, sob pena de excomunhão imediata, de ir diretamente de Manila para o Japão; e, finalmente, que todos os padres que não jesuítas deviam deixar o Japão imediatamente e dirigir-se para Manila, de onde poderiam, se seus superiores assim o desejassem, regressar ao Japão, mas somente via Lisboa, Goa e Macau.

O Frei Perez examinou com atenção o selo, a assinatura e a data, releu cuidadosamente a ordem, depois riu zombeteiro, e atirou a carta sobre a mesa. — Não acredito nisso!

— É uma ordem de Sua Santidade o...

— É mais uma heresia contra o rebanho de Deus, contra nós e todos os mendicantes que levamos a Palavra aos pagãos. Com esse ardil ficamos proibidos de vir ao Japão para sempre, porque os portugueses, instigados por certas pessoas, vão tergiversar para sempre e nunca nos concederão passagem ou vistos. Se isto for genuíno, serve apenas para provar o que vimos dizendo há anos: os jesuítas podem corromper até o vigário de Cristo em Roma!

Dell'Aqua se controlou. — O senhor recebeu ordem de partir. Ou será excomungado.

— As ameaças jesuíticas não têm significado, Eminência. O senhor não fala com a língua de Deus, nunca falou, nunca falará. Não são soldados de Cristo. Servem a um papa, a um homem, Eminência. São políticos, homens da terra, homens do luxo com suas sedas pagãs e terras e poder e riquezas e influência. O Senhor Jesus Cristo veio ao mundo disfarçado de homem simples, que se coçava, andava descalço e cheirava mal. Nunca partirei — nem os meus irmãos!

Dell'Aqua nunca estivera tão furioso na vida. — O-senhor nunca sairá-do-Japão!

— Diante de Deus, não sairei! Mas esta é a última vez que venho aqui. Se no futuro o senhor me quiser ver, venha à nossa santa missão, venha e sirva aos pobres, aos doentes e aos indesejados, como fez Cristo. Lave-lhes os pés, como fez Cristo, e salve a sua própria alma antes de ser tarde demais. — O senhor recebeu ordem, sob pena de excomunhão, de partir do Japão imediatamente.

— Ora vamos, Eminência, não estou excomungado e nunca estarei. Claro que aceito o documento, a menos que tenha caducado. Vem datado de 16 dc setembro de 1598, quase dois anos atrás. Tem que ser verificado, é importante demais para ser aceito imediatamente — e isso levará no mínimo quatro anos.

— Claro que não caducou! — Engana-se. Como Deus é meu juiz, acredito que tenha caducado. Dentro de poucas semanas, no máximo dentro de alguns meses, teremos finalmente um arcebispo no Japão. Um bispo espanhol! As cartas que tenho de Manila relatam que a ordem real é esperada a qualquer momento.

— Impossível! Isto é território português e nossa província!

— Era português. Era jesuítico. Mas agora tudo mudou. Com a ajuda dos nossos irmãos e a orientação divina, o rei da Espanha derrotou o seu geral em Roma.

— Isso é um absurdo. Mentiras e boatos. Pela sua alma imortal, obedeça às determinações do vigário de Cristo.

— Obedecerei. Escreverei a ele hoje mesmo, prometo-lhe. Enquanto isso, aguardo um bispo espanhol, um vice-rei espanhol e um novo capitão do Navio Negro — também espanhol! Isso também deve fazer parte da ordem real. Também temos amigos em altos postos e, finalmente, eles venceram os jesuítas, de uma vez por todas! Fique com Deus, Eminência. — O Frei Perez levantou-se, abriu a porta e saiu.

Na antecâmara, Soldi observou-o partir, depois voltou correndo para a sala. Assustado pela cor de Dell'Aqua, correu para o frasco de conhaque e serviu um pouco de bebida. — Eminência?

Dell'Aqua meneou a cabeça e continuou a fitar o vazio, inexpressivo. Durante o ano anterior houvera inquietantes notícias dos seus delegados na corte de Filipe da Espanha, em Madri, sobre a crescente influência dos inimigos da Companhia.

— Não é verdade, Eminência. Os espanhóis não podem vir aqui. Não pode ser verdade.

— Pode ser verdade, facilmente. Facilmente demais. — Dell'Aqua tocou a ordem papal. — Este papa pode estar morto, o nosso geral morto... até o rei da Espanha. Enquanto isso... — Pôs-se de pé e ergueu-se em toda a sua altura. — Enquanto isso nós nos prepararemos para o pior e rezaremos por ajuda, faremos o melhor que pudermos. Mande o Irmão Miguel trazer Kiyama aqui imediatamente.

— Sim, Eminência. Mas Kiyama nunca esteve aqui antes. Seria pouco provável que viesse agora.

— Diga a Miguel que use quaisquer argumentos que julgar necessários, mas deve trazer Kiyama aqui antes do crepúsculo. Depois mande imediatamente a notícia sobre a guerra a Martim, para ser passada a Toranaga o mais rápido possível. Escreva você os detalhes, que quero mandar uma mensagem particular junto. Depois, mande alguém trazer Ferreira aqui.

— Sim, Eminência. Mas quanto a Kiyama, com certeza Miguel não será capaz...

— Diga a Miguel que lhe ordene vir aqui, em nome de Deus, se necessário! Somos soldados de Cristo, vamos à guerra — à guerra de Deus! Depressa!

CAPÍTULO 59

— Anjin-san?

Blackthorne ouviu seu nome no sonho. Vinha de muito longe, parecendo ecoar para sempre. — Hai? — respondeu.

Depois ouviu repetir o nome e uma mão o tocou, seus olhos se abriram e se concentraram na meia-luz do amanhecer, sua consciência fluiu de volta e ele se sentou ereto. O médico estava novamente ajoelhado ao lado da sua cama. Kiritsubo e a Senhora Ochiba erguiam-se ali perto, olhando-o atentamente. Havia cinzentos por toda parte na sala. Lanternas a óleo bruxuleavam validamente.