Para seu espanto, viu os olhos do capitão mudarem, o homem se contrair e curvar-se, profunda e humildemente. O homem manteve-se curvo, apresentando-se indefeso. — Por favor... por favor, desculpe a minha falta de maneiras. Eu ... eu fui ronin, mas... mas o senhor general deu-me uma segunda chance. Por favor, desculpe a minha falta de maneiras, Anjin-san. — A voz estava entrecortada de vergonha.
Era tudo muito irreal e Blackthorne ainda estava pronto para investir, esperando para investir, esperando a morte e não a vitória. Olhou para os outros samurais. Como um único homem, curvaram-se e mantiveram-se curvados como o capitão, outorgando-lhe a vitória.
Após um momento Blackthorne curvou-se rigidamente. Mas não como um igual. Eles se mantiveram curvados até que ele se voltasse e tomasse o corredor, Miguel seguindo-o, saindo para a escada principal, descendo os degraus até o adro. Agora não sentia dor alguma. Estava invadido apenas por um ardor enorme. Cinzentos o observavam, e o grupo de samurais que o escoltou, e a Miguel, até o primeiro posto de controle manteve-se cuidadosamente fora do alcance da sua espada. Um homem foi enviado à frente, às pressas.
No posto de controle seguinte, o novo oficial curvou-se polidamente como um igual e ele retribuiu a reverência. O passe foi examinado meticulosa mas corretamente. Outra escolta levou-os ao posto seguinte, onde tudo se repetiu. Dali rumaram para o fosso interno, depois para o seguinte. Ninguém interferiu. Os samurais mal prestavam atenção nele.
Gradualmente ele foi notando que a cabeça quase não doía. O suor secara. Soltou os dedos do punho da espada e flexionou-os um momento. Parou junto a uma fonte num muro, bebeu e borrifou água na cabeça.
A escolta cinzenta parou e esperou polidamente, e o tempo todo ele tentava entender por que perdera o favor e a proteção de lshido e da Senhora Ochiba. Nada mudou, pensou, aflito. Levantou os olhos e viu Miguel a fitá-lo. — O que você quer?
— Nada, senhor — disse Miguel polidamente. Depois o rosto do padre se iluminou com um sorriso, cheio de cordialidade. — Ah, senhor, fez-me um grande serviço lá atrás, fazendo aquele cabrón de modos repugnantes beber a própria urina. Oh, foi ótimo de ver! — disse, e acrescentou em latim: — Agradeço-lhe.
— Não fiz nada por você — disse Blackthorne em português, não querendo falar em latim.
— Sim. Mas que a paz esteja com o senhor. Saiba que Deus se move por caminhos misteriosos. Foi um serviço para todos os homens. Aquele ronin foi envergonhado e mereceu. É uma coisa repugnante insultar o bushido.
— Você também é samurai?
— Sim, senhor, tenho essa honra — disse Miguel. — Meu pai é primo do Senhor Kiyama e meu clã é da província de Hizen, em Kyushu. Como o senhor sabia que ele era ronin?
Blackthorne tentou se lembrar. — Não tenho certeza. Talvez porque ele disse que era de Kaga e isso fica muito longe e Mariko... a Senhora Toda disse que Kaga é no extremo norte. Não sei... não me lembro realmente do que disse.
O oficial da escolta aproximou-se. — Por favor, com licença, Anjin-san, mas este sujeito o está perturbando?
— Não. Não, obrigado. — Blackthorne pôs-se em movimento de novo. O passe foi verificado novamente, com cortesia, e eles prosseguiram.
O sol estava baixo agora, mas ainda faltavam algumas horas para o escurecer, e diabinhos de poeira rodopiavam em espirais minúsculas nas correntes de ar quente. Passaram por muitos es tábulos, todos os cavalos com a cara para fora — lanças, chuços e selas prontas para partida imediata, samurais tratando dos cavalos e limpando equipamento. Blackthorne ficou pasmado com a quantidade de animais.
— Quantos cavalos, capitão? — perguntou.
— Milhares, Anjin-san. Dez, vinte, trinta mil aqui e em outros pontos do castelo.
Quando cruzavam o penúltimo fosso, Blackthorne chamou Miguel com um gesto. — Você está me levando à galera?
— Sim. Foi o que me disseram que fizesse, senhor. — A nenhum outro lugar?
— Não, senhor.
— Quem lhe disse?
— O Senhor Kiyama. E o padre-inspetor, senhor.
— Ah, ele! Prefiro Anjin-san, não "senhor" ... padre.
— Por favor, desculpe-me, Anjin-san, mas não sou um padre. Não fui ordenado.
— Quando será?
— Quando Deus quiser — disse Miguel confiantemente. — Onde está Yabu-san?
— Não sei, sinto muito.
— Você está apenas me levando ao meu navio, a nenhum outro lugar?
— Sim, Anjin-san.
— E depois estou livre?
Livre para
— Disseram-me que lhe perguntasse pois para guiá-lo até o navio, nada mais. geiro, um guia.
— Diante de Deus?
— Sou apenas um guia, Anjin-san.
— Onde aprendeu a falar português tão bem? E latim?
— Fui um dos quatro... dos quatro acólitos enviados pelo padre-inspetor a Roma. Tinha treze anos, Uraga-noh-Tadamasa, doze.
— Ah! Agora me lembro. Uraga-san me disse que você foi um deles. Você era amigo dele. Soube que morreu?
— Sim. Fiquei doente ao ser informado.
— Foram cristãos que fizeram isso.
— Foram assassinos que fizeram isso, Anjin-san. Serão julgados, esteja certo.
Após um momento, Blackthorne disse:
— E Roma?
— Detestei. Todos nós detestamos. Tudo, a comida, a sujeira, a feiúra. São todos etas lá — inacreditável! Levamos oito anos para chegar lá e voltar, e, oh, como bendisse Nossa Senhora quando finalmente voltei.
— E a Igreja? Os padres?
— Detestáveis. Muitos deles — disse Miguel calmamente. — Fiquei chocado com seus costumes, amantes, ganância, pompa, hipocrisia e falta de educação — e seus dois critérios, um para o rebanho, outro para os pastores. Foi tudo odioso... e no entanto encontrei Deus entre alguns, Anjin-san. Muito estranho. Encontrei a verdade, nas catedrais, nos claustros e entre os padres. — Miguel olhou para ele com inocência, uma ternura irradiando dele. — Foi raro, Anjin-san, muito raramente encontrei um vislumbre — isso é verdade. Mas realmente encontrei a verdade e Deus, e sei que o cristianismo é o único caminho para a vida eterna... por favor, desculpe-me, o cristianismo católico.
— Você viu os autos-de-fé, a Inquisição, as celas, julgamentos de feitiçaria?
— Vi muitas coisas terríveis. Muito poucos homens são sábios — a maioria é de pecadores e muito mal ocorre na terra em nome de Deus. Mas não é mal de Deus. Este mundo é um vale de lágrimas e apenas uma preparação para a paz eterna. — Orou em silêncio um momento, depois, revigorado, levantou os olhos. — Até alguns hereges podem ser bons, neh?
— Talvez — replicou Blackthorne, gostando dele.
O último fosso e o último portão, o portão sul principal. O último posto de controle, e o passe foi retido. Miguel atravessou o último rastrilho. Blackthorne seguiu-o. Fora do castelo, cem samurais os esperavam. Homens de Kiyama. Viu-lhes os crucifixos, a hostilidade, e parou. Miguel não. O oficial fez sinal a Blackthorne que continuasse. Ele obedeceu. Os samurais estreitaram-se atrás e à volta dele, encerrando-o no meio. Carregadores e comerciantes naquela via principal dispersavam-se, curvavam-se e rastejavam até que eles tivessem passado. Alguns erguiam cruzes patéticas e Miguel os abençoava, tomando a dianteira pela ligeira vertente, passando pelo pátio funerário onde o buraco não fumegava mais, cruzando a ponte e seguindo para a cidade, em direção ao mar. Cinzentos e outros samurais vinham da cidade por entre pedestres. Quando viram Miguel, fizeram uma carranca e o teriam forçado a se afastar para o lado não fosse a massa de samurais de Kiyama.
Blackthorne seguia Miguel. Já não sentia medo, embora continuasse desejando escapar. Mas não havia para onde correr, ou onde se esconder. Em terra. Sua única segurança estava a bordo do Erasinus, partindo para o largo, uma tripulação completa com ele, com provisões e armas.