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— O que vai acontecer na galera, — Não sei, Anjin-san.

Agora estavam nas ruas da cidade, aproximando-se do mar. Miguel dobrou uma esquina e saiu num mercado de peixe aberto. Criadas bonitas, criadas gordas, velhas senhoras, jovens, homens, compradores, vendedores e crianças, todos o olharam pasmados, depois começaram a se curvar apressadamente. Blackthorne seguiu os samurais por entre as barracas, cestos, tabuleiros de bambu com todos os tipos de peixe, peixe rutilante de água, expostos com toda a limpeza — muitos nadando em tanques, pitus e camarões, lagostas, caranguejos e lagostins. Limpo assim em Londres, nunca, pensou ele, distraído, nem os peixes nem os vendedores. Então viu uma fileira de barracas de comida a um lado, cada uma com um pequeno braseiro, e sentiu todo o perfume de lagostins cozinhando.

— Jesus! — Sem pensar, mudou de direção. Imediatamente os samurais lhe barraram o caminho. — Gomen nasai, kinjiru — disse um deles.

— Iyé! — retrucou Blackthorne de modo igualmente áspero. — Watashi tabetai desu, neh? Watashi Anjin-san, neh? Estou com fome. Sou o Anjin-san!

Blackthorne começou a empurrá-los. O oficial apressou-se para interceptá-lo. Rapidamente Miguel voltou atrás e falou, apaziguador, embora com autoridade, pedindo permissão que, relutantemente, foi concedida.

— Por favor, Anjin-san — disse ele -, o oficial diz que o senhor pode comer se quiser. O que gostaria?

— Um pouco disto, por favor. — Blackthorne apontou para os camarões gigantes, sem cabeça e cortados ao longo do comprimento, a carne branca e rosada, as cascas torradas à perfeição. — Um pouco disto. — Não conseguia arrancar os olhos deles. — Por favor, diga ao oficial que não como há quase dois dias e de repente fiquei esfomeado. Sinto muito.

O peixeiro era um velho com três dentes e uma pele coriácea, e usava apenas uma tanga. Estava inchado de orgulho de que a sua barraca tivesse sido escolhida, e pegou os cinco melho res pitus com pauzinhos ágeis, estendeu-os com capricho sobre uma bandeja de bambu e pôs outros a assar.

— Dozo, Anjin-san!

— Domo. — Blackthorne sentia o estômago roncando. Queria se empanturrar. Ao invés disso, pegou um com os pauzinhos novos, mergulhou-o no molho e comeu com prazer. Estava delicioso.

— Irmão Miguel? — perguntou, oferecendo. Miguel pegou um, mas apenas por educação. O oficial recusou, agradecendo. Blackthorne terminou aquele prato e comeu mais dois. Poderia ter comido mais dois, mas resolveu não fazê-lo por uma questão de boas maneiras e também porque não queria forçar o estômago.

— Domo — disse, pousando o prato com um polido arroto obrigatório. — Bimi desu! Delicioso.

O homem sorriu, curvou-se, e os feirantes por perto curvaram-se, e então Blackthorne percebeu, para seu horror, que não tinha dinheiro. Corou.

— O que foi? — perguntou Miguel.

— Eu, há, eu não tenho dinheiro algum comigo... ou, há, coisa alguma para dar ao homem. Eu ... você poderia me emprestar, por favor?

— Não tenho dinheiro, Anjin-san. Não carregamos dinheiro. Houve um silêncio embaraçado. O vendedor sorria, esperando pacientemente. Então, com igual embaraço, Miguel voltou-se para o oficial e pediu-lhe dinheiro em voz baixa. O oficial ficou friamente furioso com Blackthorne. Falou bruscamente a um de seus homens, que avançou e pagou generosamente ao feirante, para ser agradecido profusamente, enquanto, róseo e transpirando, Miguel se voltava e se punha em marcha novamente. Blackthorne alcançou-o. — Desculpe, mas isso... isso nunca me aconteceu! É a primeira vez que compro qualquer coisa aqui. Nunca tive dinheiro, por mais maluco que isso soe, e nunca pensei ... Nunca usei dinheiro...

— Por favor, esqueça, Anjin-san. Não foi nada.

— Por favor, diga ao oficial que lhe pagarei quando chegarmos ao navio.

Miguel fez o que lhe foi pedido. Caminharam em silêncio algum tempo, Blackthorne tomando posições mentalmente. Na extremidade da rua ficava a praia, o mar calmo e monótono sob a luz do crepúsculo, Então ele viu onde estavam e apontou para a esquerda, para uma rua larga que corria no sentido leste-oeste. — Vamos por ali.

— Este caminho é mais rápido, Anjin-san.

— Sim, mas por aí temos que passar pela missão jesuítica e pela lorcha portuguesa. Prefiro fazer um desvio e tomar o caminho comprido.

— Disseram-me que fosse por aqui.

— Vamos pelo outro caminho. — Blackthorne parou. O oficial perguntou o que estava acontecendo e Miguel explicou. O oficial apontou-lhe que continuasse — pelo caminho de Miguel.

Blackthorne ponderou os resultados de uma recusa. Seria forçado, ou amarrado e carregado, ou arrastado. Nenhuma das alternativas lhe convinha, então deu de ombros e foi em frente. Deram na rua larga que margeava a praia. Meia ri à frente estavam os ancoradouros e depósitos jesuíticos, e cem passos adiante, o navio português. Mais além, cerca de duzentos passos, a sua galera, longe demais para que ele visse homens a bordo.

Blackthorne pegou uma pedra e atirou-a zunindo no mar. — Vamos caminhar pela praia um pouco.

— Claro, Anjin-san. — Miguel desceu para a areia. Blackthorne caminhou pelos baixios, apreciando o frio do mar, o sussurrar da leve arrebentação.

— É uma hora excelente do dia, neh?

— Ah, Anjin-san — disse Miguel com uma súbita e aberta amistosidade -, há muitas horas, Nossa Senhora me perdoe, em que eu gostaria de não ser um sacerdote, mas apenas o filho de meu pai, e esta é Uma delas.

— Por quê?

— Eu gostaria de levá-lo em segredo, o senhor e o seu estranho navio, de Yokohama para Hizen, para a nossa grande enseada de Sasebo. Então lhe pediria para negociar comigo — pedir-lhe-ia que me mostrasse e aos nossos capitães marítimos as peculiaridades do seu navio e a sua técnica marítima. Em troca lhe ofereceria os melhores professores do reino, professores de bushido, cha-no-y11, hara-gei, ki, meditação zazen, arranjo de flores, e todos os conhecimentos especiais e únicos que possuímos. — Eu gostaria disso. Por que não fazemos agora?

— Não é possível hoje. Mas o senhor já sabe muito e num tempo muito curto, neh? Mariko-sama foi uma excelente professora. O senhor é um samurai digno. E tem uma qualidade que é rara aqui: imprevisibilidade. O táicum a tinha, Toranaga-sama também a tem. O senhor entende, geralmente somos pessoas muito previsíveis.

— Você é? — Sim.

— Então preveja me encontro.

— Sinto muito, não existe, Anjin-san — disse Miguel.

— Não acredito. Como soube que o meu navio está em Yokohama?

— É de conhecimento comum.

— É?

— Quase tudo a seu respeito — e o fato de ter defendido o Senhor Toranaga, e a Senhora Maria, Senhora Toda — é bem conhecido. E respeitado.

— Também não acredito nisso. — Blackthorne pegou outra pedra e atirou-a roçando as ondas. Prosseguiram, Blackthorne cantando de boca fechada uma cantiga do mar, gostando muito de Miguel. Logo o seu caminho foi bloqueado por um quebramar. Contornaram-no e subiram para a rua mais uma vez. O depósito e a missão jesuítica eram altos, pairando contra o céu avermelhado. Ele viu os irmãos leigos de hábito laranja guardando a entrada de pedra em arco, e sentiu-lhes a hostilidade. Mas isso não o afetou. Sua cabeça começou a doer de novo.

Conforme esperava, Miguel rumou para os portões da missão. Ele se preparou, decidido a que teriam que deixá-lo inconsciente antes que ele entrasse e o forçassem a entregar as armas. — Você só estava me guiando até a galera, hein?

— Sim, Anjin-san. — Para seu espanto, Miguel fez-lhe sinal que parasse do lado de fora da entrada. — Nada mudou. Disseram-me que informasse ao padre-inspetor quando passássemos por aqui. Sinto muito, mas o senhor terá que esperar um momento.

Pego desprevenido, Blackthorne observou-o atravessar sozinho os portões. Esperara que a missão fosse o término da jornada. Primeiro uma inquisição e um julgamento, com tortura, depois entregue ao capitão-mor. Olhou para a lorcha, cem passos à frente. Ferreira e Rodrigues estavam na popa, e marujos armados se apinhavam no convés principal. Passando o navio, a estrada do ancoradouro serpeava ligeiramente e ele mal podia ver a sua galera. Homens o observavam das amuradas e ele pensou reconhecer Yabu e Vinck entre eles, mas não conseguiu ter certeza. Parecia haver algumas mulheres a bordo também, mas não sabia quem poderiam ser. Rodeando a galera havia cinzentos. Muitos cinzentos.