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Seus olhos voltaram a fitar Ferreira e Rodrigues. Estavam ambos pesadamente armados. Assim como os marujos. Atiradores postavam-se indolentes por perto dos dois pequenos canhões apontados para a praia, mas na realidade estavam encarregados das armas. Reconheceu o grande vulto de Pesaro, o contramestre, seguindo pelo passadiço com um grupo de homens. Seus olhos seguiram-nos, e seu sangue gelou. Um alto queimadeiro estava erguido sobre a terra amontoada na extremidade oposta do ancoradouro. Havia madeira empilhada em torno da base.

— Ah, capitão-piloto, como vai?

Dell'Aqua vinha vindo através dos portões, fazendo Miguel parecer um anão ao seu lado. O padre-inspetor estava usando um hábito jesuítico, sua altura imensa e a luxuriante barba cinza e branca dando-lhe a agourenta dignidade de um patriarca bíblico, um inquisidor em cada polegada, aparentemente benigno, pensou Blackthorne. Fitou os olhos castanhos, achando estranho ter que levantar os olhos para qualquer homem, e mais estranho ainda ver compaixão naqueles olhos. Mas sabia que não haveria piedade atrás deles, e não esperava compaixão alguma. — Ah, padre-inspetor, como vai? — replicou, os camarões agora pesando-lhe no estômago, enjoando-o.

— Vamos?

— Por que não?

Então a inquisição será a bordo, pensou Blackthorne, com um medo desesperado, desejando ter pistolas ao cinto. Você seria o primeiro a morrer, Eminência.

— Fique aqui, Miguel — disse Dell'Aqua. Depois olhou na direção da fragata portuguesa. Seu rosto se endureceu e ele se pôs em movimento.

Blackthorne hesitou. Miguel e os samurais o observavam estranhamente.

— Sayonara, Anjin-san — disse Miguel. — Vá com Deus. Blackthorne assentiu brevemente e começou a caminhar por entre os samurais, esperando que lhe caíssem em cima para lhe arrancar as espadas. Mas deixaram-no passar sem o molestar. Ele parou e olhou para trás, o coração disparado.

Por um momento sentiu-se tentado a sacar a espada e atacar. Mas não havia escapatória daquele modo. Não lutariam com ele. Muitos tinham lanças, portanto o acertariam e o desarma riam, ele seria amarrado e passado adiante. Não irei amarrado, prometeu a si mesmo. Seu único caminho era para a frente e lá suas espadas eram impotentes contra as armas de fogo. Investiria contra as armas, mas simplesmente lhe mutilariam os joelhos e ele seria amarrado ...

— Capitão Blackthorne, venha — chamou Dell'Aqua.

— Sim, só um instante, por favor. — Blackthorne chamou Miguel com um gesto. — Ouça, irmão, lá na praia você disse que eu era um samurai digno. Falou a sério?

— Sim, Anjin-san. Isso e todo o resto.

— Então peço-lhe um favor, como samurai — disse, calmamente mas com urgência.

— Que favor?

— Morrer como samurai.

— A sua morte não está nas minhas mãos. Está na mão de Deus, Anjin-san.

— Sim. Mas peço esse favor a você. — Blackthorne apontou para o queimadeiro distante. — Aquilo não é jeito. É infame. Perplexo, Miguel olhou na direção da lorcha. E viu o queimadeiro pela primeira vez. — Bendita mãe de Deus...

— Capitão Blackthorne, por favor, venha — chamou Dell'Aqua de novo.

Com mais urgência, Blackthorne disse: — Explique ao oficial. Ele tem samurais suficientes aqui para insistir, neh? Explique a ele. Você esteve na Europa. Sabe como é lá. Não é pedir demais, neh? Por favor, sou samurai. Um deles poderia ser o meu assistente.

— Eu ... eu pedirei. — Miguel voltou para junto do oficial e começou a falar, baixo e urgentemente.

Blackthorne voltou-se e concentrou a atenção no navio. Avançou. Dell'Aqua esperou até que ele estivesse ao seu lado, então pôs-se em movimento de novo.

À frente, Blackthorne viu Ferreira deixar a popa, empertigado, descer o convés principal, pistolas ao cinto, florete do lado. Rodrigues o observava, a mão direita na coronha de uma arma de cano longo. Pesaro e dez marujos já estavam preparados no quebra-mar, apoiados a mosquetes com baionetas. E a sombra comprida do queimadeiro se esticava na direção de Blackthorne.

Oh, Deus, um par de pistolas, dez bons lobos-do-mar e um canhão, pensou ele, quando a brecha se fechou inexoravelmente. Oh, Deus, não me deixe ser envergonhado...

— Boa noite, Eminência — disse Ferreira, os olhos vendo apenas Blackthorne. — Então, Ingl...

— Boa noite, capitão-mor. — Dell'Aqua apontou encolerizado para o queimadeiro. — Aquilo é idéia sua?

— Sim, Eminência.

— Volte para o seu navio! — Isto é uma decisão militar. — Volte para o seu navio!

— Não! Pesaro! — Imediatamente o contramestre e o grupo armado de baionetas pôs-se em guarda e avançou para Blackthorne. Ferreira sacou a pistola. — Então, Inglês, encontramo-nos de novo.

— Isso é coisa que não me satisfaz em absoluto. — A espada de Blackthorne saiu da bainha. Segurou-a desajeitadamente com as duas mãos, o punho quebrado machucando-o.

— Esta noite você ficará satisfeito no inferno — disse Ferreira, sombrio.

— Se você tivesse um pouco de coragem, lutaria de homem a homem. Mas você não é homem, é um covarde, um covarde espanhol sem colhões.

— Desarmem-no! — ordenou Ferreira.

Imediatamente os dez homens avançaram, baionetas apontadas. Blackthorne recuou, mas foi cercado. Baionetas cutucaramlhe as pernas e ele golpeou um atacante, mas quando o homem recuou, outro atacou por trás. Então Dell'Aqua voltou a si e gritou: — Baixem as armas! Diante de Deus, ordeno que parem! Os marujos ficaram confusos. Todos os mosquetes apontavam para Blackthorne, que se erguia indefeso, encurralado, espada em riste.

— Voltem, todos vocês! — ordenou Dell'Aqua. — Voltem! Diante de Deus, voltem! São animais?

— Quero esse homem! — disse Ferreira.

— Eu sei, e já lhe disse que não pode tê-lo! É surdo? Deus me dê paciência! Ordene que seus homens voltem a bordo! Ordeno-lhe que faça meia-volta e vá embora!

— Ordena a mim?

— Sim. Ordeno ao senhor! Sou capitão-mor, governador de oficial-chefe de Portugal na Ásia, e esse homem é uma ameaça ao Estado, à Igreja, ao Navio Negro e a Macau! Diante de Deus, eu o excomungarei e a toda a sua trise este homem for ferido. Estão ouvindo?

A tripulação girou para os mosqueteiros, que recuaram, atemorizados. Menos Pesaro. Este permaneceu no lugar, desafiador, a pistola frouxa na mão, esperando a ordem de Ferreira. — Subam naquele navio e saiam do caminho!

— Está cometendo um erro — vociferou Ferreira. — é uma ameaça! Sou comandante militar na Ásia e digo — Isto é assunto da Igreja, não milit...

Blackthorne estava perplexo, quase incapaz de pensar ou enxergar, a cabeça novamente explodindo de dor. Tudo acontecera tão depressa, num momento protegido, no momento seguinte não, num momento entregue à Inquisição, no momento seguinte livre, para ser traído de novo e agora defendido pelo inquisidorchefe. Nada fazia sentido.

Ferreira estava gritando: — Advirto-o novamente! Como Deus é o meu juiz, o senhor está cometendo um erro e informarei Lisboa!

— Ele que...

— Enquanto isso ordene que seus homens voltem a bordo ou eu o removo do posto de capitão-mor do Navio Negro!

— O senhor não tem poder para isso!

— A menos que ordene a seus homens que voltem a bordo e que não toquem no Inglês, imediatamente, eu o declararei excomungado — e qualquer homem que sirva sob suas ordens, em qualquer comando, excomungado, e amaldiçôo-o e a todos que o servem, em nome de Deus!