Ela se curvou de novo, jovialmente. — Obrigada, senhor. Nunca pensei que teria o prazer de vê-lo novamente.
— Nem eu, senhora. — Toranaga deixou um lampejo da sua felicidade se mostrar. Olhou para a garota. — Bem, Sazukosan? Onde está o meu filho?
— Com a ama-de-leite, senhor — respondeu ela sem fôlego, gozando do seu favor declarado.
— Por favor, mande alguém buscar o nosso filho imediatamente.
— Oh, por favor, senhor, com a sua permissão, posso trazê-lo pessoalmente?
— Sim, sim, se você quiser. — Toranaga sorriu e observou-a se afastar um momento, gostando muito dela. Olhou novamente para Kiri. — Está tudo bem com você? — perguntou, para os ouvidos dela apenas.
— Sim, senhor. Oh, sim... e vê-lo tão forte enche-me de alegria.
— Perdeu peso, Kiri-chan, e está mais jovem do que nunca. — Ah, sinto muito, senhor, não é verdade. Mas obrigada, obrigada.
Ele sorriu. — Seja o que for, então, assenta-lhe bem. Tragédia, solidão, estar abandonada... Estou contente de vê-Ia, Kiri-chan.
— Obrigada, senhor. Estou muito feliz de que a obediência e o sacrifício dela tenham destrancado Osaka. Ela ficaria enormemente satisfeita, senhor, de saber que teve êxito.
— Primeiro tenho que lidar com essa canalha, depois conversaremos. Há muito de que falar, neh?
— Sim, oh, sim! — Os olhos dela cintilavam. — O Filho do Céu será atrasado, neh?
— Isso seria prudente. Neh?
— Tenho uma mensagem particular da Senhora Ochiba.
— Ah? Bom! Mas isso terá que esperar. — Ele fez uma pausa. — A Senhora Mariko morreu honrosamente? Por escolha e não por acidente ou engano?
— Mariko-sama escolheu a morte. Foi seppuku. Se ela não tivesse feito o que fez, eles a teriam capturado. Oh, senhor, ela foi maravilhosa durante todos aqueles dias ruins. Tão corajosa. E o Anjin-san. Não fosse ele, ela teria sido capturada e envergonhada. Nós todas teríamos sido capturadas e envergonhadas.
— Ah, sim, os ninfas. — Toranaga bufou e seus olhos ficaram injetados, e ela estremeceu apesar de si mesma. — Ishido tem muito por que responder, Kiri-chan. Por favor, desculpe-me. — Dirigiu-se, arrogante, para o estrado e se sentou, severo e ameaçador novamente. Seus guardas o rodearam.
— Omi-san!
— Sim, senhor? — Omi avançou e curvou-se, parecendo mais velho do que antes, mais magro agora.
— Escolte a Senhora Kiritsubo até os seus aposentos, e certifique-se de que os meus estão adequados. Passarei a noite aqui. Omi fez uma saudação e se afastou, e Toranaga ficou contente de ver que a súbita alteração de planos não produziu sequer uma centelha nos olhos de Omi. Bom, pensou, Omi está aprendendo, ou seus espiões lhe informaram que secretamente ordenei a Sudara e Hiromatsu que viessem aqui, portanto não poderei partir até amanhã.
Em seguida concentrou toda a atenção no regimento. A um sinal seu, Yabu avançou e saudou-o. Toranaga retribuiu o cumprimento polidamente. — Bem, Yabu-san! Seja bem-vindo.
— Obrigado, senhor. Permita-me dizer-lhe como estou feliz de que o senhor tenha evitado a traição de Ishido.
— Obrigado. E o senhor também. As coisas não se passaram bem em Osaka. Neh?
— Não. Minha harmonia está destruída, senhor. Tive a esperança de comandar a retirada de Osaka trazendo-lhe suas senhoras em segurança, seu filho, e também a Senhora Toda, o Anjin-san, e marujos para o navio dele. Infelizmente, sinto muito, fomos ambos traídos — aqui e lá.
— Sim. — Toranaga olhou para o destroço a distância, banhado pelo mar. A cólera faiscou-lhe no rosto e todos se prepararam para a explosão. Mas não houve explosão. — Karma -— disse ele. — Sim, karma, Yabu-san. O que se pode fazer contra os elementos'? Nada. Negligência é outra coisa. Agora, quanto a Osaka, quero ouvir tudo o que aconteceu, em detalhes, assim que o regimento tiver sido dispensado e eu tiver tomado um banho.
Tenho um relatório por escrito para o senhor.
Bom. Obrigado, mas primeiro prefiro que o senhor me
conte
É verdade que o Exaltado não irá a Osaka? O que o Exaltado decide depende do Exaltado. O senhor deseja passar em revista o regimento antes que
eu o dispense? — perguntou Yabu formalmente.
— Por que eu deveria lhes conceder essa honra? O senhor não sabe que eles estão em desgraça, apesar dos elementos?
— Sim, senhor. Desculpe. Terrível. — Yabu estava tentando, em vão, ler a mente de Toranaga. — Fiquei horrorizado ao ser informado do que aconteceu. Parece quase impossível.
— Concordo. — O rosto de Toranaga se ensombreceu e ele olhou para Naga e, atrás dele, para as fileiras cerradas. — Ainda não consigo compreender como pôde ocorrer tal incompetência. Eu precisava daquele navio!
Naga agitou-se. — Por favor, senhor, com licença, ja que eu faça outra investigação?
— O que você pode fazer que já não tenha feito?
— Não sei, senhor, nada, senhor, por favor, desculpe-me.
— A sua investigação foi completa, neh?
— Sim, senhor. Por favor, perdoe a minha estupidez.
— A culpa não foi sua. Você não estava aqui. Nem ao comando. — Impaciente, Toranaga voltou-se para Yabu. — É curioso, até sinistro que a patrulha da praia, a patrulha do acampamento, a patrulha do convés e o comandante fossem todos homens de Izu naquela noite — com exceção de alguns poucos ronins do Anjin-san.
— Sim, senhor. Curioso, mas não sinistro, sinto muito. O senhor foi perfeitamente correto em julgar os oficiais responsáveis, assim como Naga-san o foi ao punir os outros. Desculpe, fiz minha própria investigação assim que cheguei, mas não tenho outras informações, nada a acrescentar. Concordo que é karma — karma ajudado de algum modo por cristãos comedores de lixo. Ainda assim, peço desculpas
— Ah, está dizendo que foi sabotagem?
— Não há evidência, senhor, mas um macaréu e um simples incêndio parecem uma explicação fácil demais. Com certeza qualquer incêndio teria sido apagado. Novamente peço desculpas.
— Aceito as suas desculpas, mas, por favor, diga-me como substituo aquele navio. Preciso daquele navio!
Yabu podia sentir a acidez no estômago. — Sim, senhor. Eu sei. Sinto muito, não pode ser substituído, mas o Anjin-san nos disse durante a viagem que em breve outros navios de guerra do país dele chegarão aqui.
— Em breve quando? — Ele não sabe, senhor.
— Um ano? Dez anos? Mal e n1a1 tenho dez — Sinto muito, eu gostaria_ de Saber. Talvez vesse perguntar a ele.
Toranaga olhou diretamente para Blackthorne vez. O homem alto erguia-se sozinho, a luz do recida. — Anjin-san!
— Sim, senhor?
— Mau, neh? Muito navio. — Neh?
— Sim, muito mau, senhor.
— Quando chegam outros navios? — Meus navios, senhor?
— Sim.
— Quando... quando Buda disser,
— Esta noite conversaremos. Vá agora. Obrigado por Osaka. Sim. Vá para a galera ou para a alder. Conversamos esta noite. Compreende?
— Sim. Conversamos esta noite, sim, Obrigado.
— Esta noite quando, por favor?
— Mando-lhe um mensageiro. Obrigado por Osaka.
— Meu dever, neh? Mas fiz pouco, Toda Mariko-sama fez tudo. Tudo por Toranaga-sama.
— Sim. — Gravemente Toranaga retribuiu a reverência. O Anjin-san começou a se afastar, mas parou. Toranaga olhou de relance para a extremidade do planalto. Tsukku-san e seus acólitos haviam acabado de surgir e estavam desmontando. Ele não concedera uma entrevista ao padre em Mishima — embora lhe tivesse mandado imediatamente uma mensagem sobre a destruíção do navio -, e deliberadamente o mantivera à espera, na dependência do resultado de Osaka e da chegada da galera a Anjiro em segurança. Só então resolvera trazer o padre até ali, para permitir que a confrontação ocorresse, no momento correto. Blackthorne começou a se dirigir para o sacerdote.
— Não, Anjin-san. Mais tarde, não agora. Agora vá para a aldeia! — ordenou ele.