— Mas, senhor! Aquele homem matou o meu navio! Ele é o inimigo!
— Você irá para lá! — Toranaga apontou para a aldeia lá embaixo. — Esperará lá, por favor. Esta noite conversaremos. — Senhor, por favor, aquele homem...
— Não. Vá para a galera — disse Toranaga. — Vá agora, por favor. — Isto é melhor do que domar um falcão, pensou ele excitado, momentaneamente distraído, usando a própria vontade para impelir Blackthorne. É melhor porque o Anjin-san é igualmente perigoso e imprevisível, sempre uma qualidade desconhecida, única, diferente de qualquer homem que eu tenha conhecido.
Com o canto dos olhos, notou que Buntaro se colocara no caminho do Anjin-san, pronto e ansioso por forçar a obediência. Que tolice, pensou Toranaga de passagem, e tão desnecessário. Manteve os olhos cravados em Blackthorne. E dominou-o.
— Sim. Vou agora, Senhor Toranaga. Desculpe. Vou agora — disse Blackthorne. Enxugou o suor do rosto e começou a se afastar.
— Obrigado, Anjin-san — disse Toranaga. Não permitiu que seu triunfo se mostrasse. Observou Blackthorne obedientemente caminhar — violento, assassino, mas controlado agora pela vontade de Toranaga.
Então mudou de idéia. — Anjin-san! — chamou, decidindo que era tempo de soltar os pioses e deixar o matador voar livremente. O teste final. -— Ouça, vá até lá se quiser. Acho que é
melhor não matar o Tsukku-san. Mas se você quiser matá-lo, mate. Melhor não matar. — Falou lenta e cuidadosamente, e repetiu. — Wakarimasu ka?
— Hai.
Toranaga olhou dentro daqueles olhos inacreditavelmente azuis, cheios de uma animosidade irracional, e se perguntou se aquela ave selvagem, lançada contra a presa, mataria ou não, apenas por capricho seu, e se retornaria ao punho sem comer. — Wakarimasu ka?
— Hai.
Toranaga fez um gesto de dispensa. Blackthorne voltou-se e encaminhou-se a passos largos na direção norte. Rumo ao Tsukkusan. Buntaro saiu-lhe do caminho. Blackthorne não parecia notar ninguém além dos padres. O dia pareceu tornar-se mais sufocante. — Então, Yabu-san, o que ele vai fazer? — perguntou Toranaga.
— Matar. Claro que o matará se puder pegá-lo. O padre merece morrer, neh? Todos os padres cristãos merecem morrer, neh? Todos os cristãos. Tenho certeza de que estavam por trás da sabotagem — os padres e Kiyama, embora eu não possa provar.
— Aposta a sua vida como ele matará o Tsukku-san?
— Não, senhor — disse Yabu rapidamente. — Não. Eu não apostaria. Sinto muito. Ele é bárbaro, são ambos bárbaros. — Naga-san?
— Se fosse eu, mataria o padre e todos eles, agora que o senhor deu a sua permissão. Nunca conheci alguém que odiasse tanto alguém, e tão abertamente. Nos últimos dois dias o Anjin san tem estado como um demente, andando de um lado para o outro, resmungando, olhando fixamente para os destroços do navio, dormindo lá, enrodilhado na areia, quase não comendo ... — Naga olhou para Blackthorne de novo. — Concordo que não foi apenas a natureza que destruiu o navio. Sei que os padres, de algum modo, estiveram por trás disso. Também não posso provar, mas de algum modo... Não acredito que tenha acontecido por causa da tempestade.
— Escolha!
— Ele explodirá. Olhe matará. Espero que mate.
— Buntaro-san?
Buntaro voltou-se, os pesados maxilares por barbear, as pernas musculosas plantadas no chão, os dedos no arco. — O senhor o aconselhou a não matar o Tsukku-san, portanto o senhor não deseja que o padre seja morto. Se o Anjin-san mata ou não mata, não me importa, senhor. Só me preocupo com o que importa ao senhor. Posso detê-lo se ele começar a desobedecer-lhe? Posso fazê-lo facilmente desta distância.
— Pode garantir que iria apenas feri-lo?
— Não, senhor.
Toranaga riu suavemente e quebrou o encanto. — O Anjin-san não o matará. Vai gritar e se enfurecer ou sibilar como uma cobra e chocalhar a espada, e o Tsukku-san vai se inchar de zelo "sagrado", completamente sem medo, e sibilará de volta, dizendo: "Foi um ato de Deus. Nunca toquei no seu navio!" Então o Anjin-san o chamará de mentiroso e o Tsukku-san se imbuirá de mais zelo e provavelmente o amaldiçoará e se odiarão mutuamente por vinte vidas. Ninguém morrerá. Pelo menos agora.
— Como sabe disso, Pai? — perguntou Naga.
— Não sei com certeza, meu filho. Mas é isso o que acho que vai acontecer. É sempre importante dedicar tempo a estudar os homens — os homens importantes. Amigos e inimigos. Compreendê-los. Observei a ambos. São ambos muito importantes para mim. Neh, Yabu-san?
— Sim, senhor — disse Yabu, subitamente inquieto.
Naga deu uma olhada rápida em Blackthorne. O Anjin-san ainda estava andando com a mesma marcha sem pressa, agora a setenta passos do Tsukku-san, que esperava à frente dos seus acólitos, a brisa movendo-lhes os hábitos alaranjados.
— Mas, Pai, nenhum dos dois é covarde, neh? Como podem recuar agora, com honra?
— Ele não matará por três razões. Primeira, porque o Tsukku-san está desarmado e não revidará, nem com as mãos. É contra o código deles matar um homem desarmado — é uma desonra, um pecado contra o Deus cristão deles. Segunda, porque é cristão. Terceira, porque resolvi que não era o momento.
— Por favor, desculpe-me, senhor — disse Buntaro — posso compreender a terceira razão, até a primeira, mas a razão real do ódio deles não é que ambos acreditam que o outro é cristão, mas mau, um adorador de Satã? Não é assim que chamam?
— Sim, mas esse Deus Jesus deles ensinou-lhes ou supõe-se que tenha ensinado que se deve perdoar a um inimigo. Isso é ser cristão.
— É estupidez, neh? — disse Naga. — Perdoar a um inimigo é estupidez.
— Concordo. — Toranaga olhou para Yabu. — É tolice perdoar a um inimigo. Neh, Yabu-san?
— Sim — concordou Yabu.
Toranaga olhou na direção norte. As duas figuras estavam muito próximas e agora, reservadamente, Toranaga estava amaldiçoando a própria impetuosidade. Ainda necessitava de ambos, e não houvera necessidade de pôr em risco um deles. Soltara o Anjin-san por excitação pessoal, não para matar, e lamentou a própria estupidez. Agora esperava, de respiração suspensa como todos os demais. Mas aconteceu conforme ele predissera e o choque foi rápido, impetuoso e cheio de rancor, mesmo daquela distância, e ele se abanou, enormemente aliviado. Teria gostado muitíssimo de compreender o que fora dito na realidade, para saber se fora correto. Logo viram o Anjin-san se afastar. Atrás dele, o Tsukku-san esfregou a testa com um lenço de papel colorido.
— Iiiiih — exclamou Naga em admiração. — Como podemos perder com o senhor no comando?
— Com toda a facilidade, meu filho, se esse for karma. — Depois a sua disposição mudou. — Naga-san, ordene a todos os samurais que chegaram de Osaka na galera que se dirijam aos meus aposentos.
Naga saiu apressado.
— Yabu-san, fico contente em dar-lhe as boas-vindas. Dispense o regimento. Depois da refeição noturna conversaremos. Posso mandar buscá-lo?
— Naturalmente. Obrigado, senhor. — Yabu saudou e se foi. Sozinho agora, com exceção dos guardas, que afastou para longe do raio de audição, Toranaga estudou Buntaro. Buntaro ficou desassossegado, como um cão ficaria, quando observado. Quando não conseguiu mais suportar, disse:
— Senhor?
— Uma vez você pediu a morte dele, neh? Neh?
— Sim... sim, senhor.
— Bem?
— Ele... ele me insultou em Anjiro. Estou... ainda estou envergonhado.
— Ordeno que essa vergonha seja ignorada.
— Então está ignorada, senhor. Mas ela me traiu com ele, isso não pode ser ignorado, não enquanto ele viver. Tenho provas. Quero-o morto. Agora.
— Que provas?
— Todo mundo sabe. No caminho de Yokosé. Conversei com Yoshinaka. Todo mundo sabe — acrescentou Buntaro sombrio.
— Yoshinaka viu-os juntos? Acusou-a?
— Não. Mas o que disse... — Buntaro levantou os olhos, agoniado. — Eu sei, isso basta. Por favor, rogo como um favor de vida. Nunca lhe pedi nada, neh?