— Preciso dele vivo. Não fosse ele, os ninjas a teriam capturado, envergonhado, e conseqüentemente envergonhado a você.
— Um desejo de vida — disse Buntaro. — Eu peço. O navio dele está arruinado... ele, ele fez o que o senhor queria. Por favor.
— Tenho provas de que ele não o envergonhou com ela.
— Desculpe, que provas?
— Ouça. Isto é apenas para os seus ouvidos — conforme combinei com ela. Ordenei a ela que se tornasse amiga dele. Eram amigos, sim. O Anjin-san a adorava, mas nunca o envergonhou com ela, ou ela com ele. Em Anjiro, pouco depois do terremoto, quando ela sugeriu pela primeira vez ir a Osaka libertar todos os reféns — desafiando Ishido publicamente e depois forçando uma crise cometendo seppuku, fosse o que fosse que ele tentasse fazer -, naquele dia eu dec...
— Foi planejado, então?
— É claro. Você nunca aprenderá? Naquele dia ordenei a ela que se divorciasse de você.
— Senhor?
— Que se divorciasse. A palavra não está clara?
— Sim, mas...
— Que se divorciasse. Ela o punha demente há anos, você a tratava de modo abominável há anos. E o seu tratamento à mãe adotiva e às damas dela? Eu lhe disse que precisava dela para interpretar com o Anjin-san, no entanto você perdeu o controle e espancou-a — a verdade é que quase a matou daquela vez, neh? Neh?
— Sim... por favor, desculpe-me.
— Tinha chegado o momento de terminar esse casamento. Ordenei que terminasse. Naquela altura.
— Ela pediu divórcio?
— Não. Eu decidi e ordenei. Mas a sua esposa implorou que eu revogasse a ordem. Recusei. Então sua esposa disse que cometeria seppuku imediatamente, sem a minha permissão, antes de permitir que você fosse envergonhado desse modo. Ordenei-lhe que obedecesse. Ela se recusou. — Toranaga continuou, encolerizado: — Sua esposa forçou-me, a mim, seu suserano, a retirar uma ordem legal e fez-me concordar em tornar a minha ordem absoluta apenas depois de Osaka — nós dois sabemos que Osaka para ela significava morte. Está entendendo?
— Sim... sim, entendo.
— Em Osaka, o Anjin-san salvou a honra dela e a honra das minhas damas e do meu filho mais novo. Não fosse ele, elas e todos os reféns em Osaka ainda estariam em Osaka, eu estaria morto ou nas mãos de lkawa Jikkyu, provavelmente a ferros como um criminoso comum!
— Por favor, desculpe-me ... mas por que ela fez isso? Odiava-me ... por que adiaria o divórcio? Por causa de Saruji?
— Pela sua honra. Ela compreendia o significado do dever. A sua esposa estava tão preocupada com a sua honra — mesmo depois da própria morte -, que parte do meu acordo foi que isto seria um assunto particular, entre mim, ela e você. Ninguém jamais saberia, nem o Anjin-san, o filho dela, ninguém — nem mesmo o confessor cristão dela.
— O quê?
Toranaga explicou de novo. Afinal Buntaro compreendeu com clareza e Toranaga dispensou-o. Então, finalmente sozinho um momento, levantou-se e espreguiçou-se, exausto por todo o trabalho que tivera desde que chegara. O sol ainda estava alto, embora já fosse de tarde. Toranaga sentia muita sede. Aceitou chá frio de um guarda-costas pessoal, depois desceu até a praia. Despiu o quimono ensopado e nadou, sentindo o mar glorioso, refrescante. Nadou embaixo da água, mas não ficou submerso muito tempo, sabendo que seus guardas se preocupariam. Voltou à tona e boiou de costas, olhando para o céu, reunindo forças para a longa noite que tinha pela frente.
Ah, Mariko, pensou, que mulher extraordinária você é. Sim, é, porque certamente viverá para sempre. Está com o seu Deus cristão no seu paraíso cristão? Espero que não. Seria um terrível desperdício. Espero que o seu espírito esteja apenas aguardando os quarenta dias de Buda para renascer em algum lugar aqui. Rezo para que o seu espírito venha para a minha família. Por favor. Mas de novo como mulher — não como homem. Não podemos nos permitir ter você como homem. Você é especial demais para ser desperdiçada como homem.
Sorriu. Acontecera em Anjiro exatamente como ele contara a Buntaro, embora ela nunca o tivesse forçado a rescindir suas ordens. — Como poderia me forçar a fazer qualquer coisa que eu não quisesse? — disse ao céu. Ela lhe pedira respeitosamente, corretamente, que não tornasse público o divórcio senão depois de Osaka. Mas, garantiu ele a si mesmo, ela certamente teria cometido seppukce se eu lhe tivesse recusado. Ela teria insistido, neh? Claro que teria insistido, e isso arruinaria tudo. Concordando antes, simplesmente poupei-lhe a vergonha e uma discussão desnecessárias, e a mim mesmo um problema desnecessário — e mantendo o assunto em particular agora, como tenho certeza de que ela gostaria que acontecesse, todos saem ganhando. Estou contente de ter cedido, pensou ele benevolamente, depois riu alto. Uma pequena onda quebrou sobre ele, que engoliu água e engasgou.
— Está bem, senhor? — chamou seu guarda ansioso, nadando por perto.
— Sim. Claro que sim. — Toranaga tossiu de novo e cuspiu, mantendo-se à tona com os pés, e pensou: isto lhe ensinará a ser convencido. É o seu segundo erro hoje. Então viu o destroço do navio. — Vamos, vou competir com você! — disse, chamando um guarda.
Uma competição com Toranaga era uma competição. Uma vez um de seus generais deliberadamente lhe permitira vencer, esperando obter favor com isso. O engano custara tudo ao homem.
O guarda venceu. Toranaga cumprimentou-o, segurando-se a uma das costelas da carcaça, e esperou que o fôlego se normalizasse, depois olhou em torno, sentindo uma enorme curiosidade. Mergulhou e inspecionou a quilha do Erasmus. Quando se sentiu satisfeito, nadou para a praia e retornou ao acampamento, refrescado e pronto.
Uma casa provisória fora instalada para ele numa boa posição sob um largo telhado de sapé, sustentado por resistentes pilares de bambu. Paredes shojis e biombos tinham sido erguidos sobre um soalho elevado, de madeira e tatamis. Já havia sentinelas postadas, e aposentos para Kiri, Sazuko, criadas e cozinheiros, unidos por um complexo de passagens simples, erguidos sobre estacas provisórias.
Toranaga viu o filho pela primeira vez. Obviamente a Senhora Sazuko nunca teria sido impolida a ponto de levar a criança até o planalto na mesma hora, temendo poder intrometer se em assuntos importantes — como teria feito realmente -, ainda que ele lhe tivesse alegremente concedido a oportunidade.
Gostou muito da criança. — É um belo menino — gabou-se ele, segurando o bebê com uma confiança experiente. — E você está mais jovem e atraente do que nunca, Sazuko. Precisamos ter mais filhos imediatamente. A maternidade lhe assenta bem. — Oh, senhor — disse ela. — Tive medo de nunca mais revê-lo, e de nunca poder lhe mostrar seu filho mais novo. Como vai escapar da armadilha... os exércitos de Ishido...
— Olhe que belo menino ele é! Na semana que vem construirei um santuário em homenagem a ele e o dotarei com ... — Parou e dividiu ao meio a cifra que pensara inicialmente, depois tirou mais metade. — ... com vinte kokus por ano.
— Oh, senhor, como é generoso!
O sorriso dela era sincero. — Sim — disse ele. — É o suficiente para que algum sacerdote miserável e parasita diga alguns Namu Amida Butsu, neh?
— Oh, sim, senhor. O santuário será perto do castelo de Yedo? Oh, não seria maravilhoso se desse para um rio ou um riacho?
Ele concordou relutante, embora tal escolha fosse custar mais do que ele queria gastar na extravagância. Mas o menino é lindo, posso me permitir ser generoso este ano, pensou ele.
— Oh, obrigada, senhor... — A Senhora Sazuko parou. Naga vinha correndo na direção do local onde eles estavam sentados, numa varanda sombreada.
— Por favor, com licença, Pai, mas os seus samurais de Osaka? Como deseja vê-los, individualmente ou todos juntos?
— Individualmente.
— Sim, senhor. O Padre Tsukku-san gostaria de vê-lo, quando fosse conveniente.