— Estaremos mais seguros atrás das nossas montanhas. — Jovialmente Toranaga retribuiu-lhes o cumprimento, montou, e partiu a trote. Sudara fez um gesto polido de cabeça e seguiu-o. Assim que Toranaga e Sudara se encontraram fora de alcance, Buntaro e Hiromatsu se descontraíram, mas Omi não, e nenhum deles tirou os olhos do braço da espada de Yabu.
— Onde quer que seja, Yabu-sama? — perguntou Buntaro. — Aqui, ali, na praia, ou num monte de bosta — para mim é tudo a mesma coisa. Não preciso de vestes cerimoniais. Mas, Omi-san, você não dará o golpe até que eu tenha feito dois cortes.
— Sim, senhor.
— Com a sua permissão, Yabu-sama, também serei testemunha — disse Hiromatsu.
— Por que não se preocupa com as suas hemorróidas?
O general indignou-se e disse a Buntaro: — Por favor, mande me chamar quando ele estiver pronto.
Yabu cuspiu.
— Já estou pronto. O senhor está?
Hiromatsu girou sobre os calcanhares.
Yabu pensou um momento, depois tirou a espada Yoshitomo, embainhada, do sash.
— Buntaro-san, talvez pudesse me fazer um favor. Dê isto ao Anjin-san. — Ofereceu a espada, depois franziu o cenho. — Pensando melhor, se não for incômodo, quer, por favor, mandar chamá-lo, para que eu possa entregar-lhe pessoalmente?
— Certamente.
— E, por favor, traga aquele padre fedorento também, de modo que eu possa conversar diretamente com o Anjin-san.
— Bom. Que providências o senhor deseja que sejam tomadas?
— Só quero papel, tinta, um pincel para o meu testamento e o meu poema de morte, e dois tatamis — não há razão para eu machucar os joelhos ou me ajoelhar no pó, como um camponês fedorento. Neh? — acrescentou Yabu, com bravata.
Buntaro dirigiu-se aos outros samurais, que mudavam de posição de um pé para o outro, com uma excitação contida. Negligentemente Yabu sentou-se de pernas cruzadas e esgaravatou os dentes com um talo de grama. Omi acocorou-se perto, cautelosamente longe do alcance da espada.
— Iiiiih! — disse Yabu -, estive tão perto do sucesso! — Esticou as pernas e martelou-as contra a terra num repentino acesso de raiva. — Iiiiiih, tão perto! Eh, karma, neh? Karma! — Depois riu sonoramente, pigarreou e cuspiu, orgulhoso de ainda ter saliva na boca. — Isto em todos os deuses, vivos, mortos ou que ainda vão nascer! Mas, Omi-san, morro feliz. Jikkyu está morto e quando eu cruzar o último rio e o vir esperando lá, rilhando os dentes, poderei cuspir-lhe no olho para sempre.
— Prestou um grande serviço ao Senhor Toranaga, senhor — disse Omi, falando com sinceridade, embora o observasse como um falcão. — O senhor tinha razão, e Punho de Aço e Sudara estão errados. Poderíamos atacar imediatamente — as armas nos farão atravessar.
— Aquele velho monte de esterco! Imbecil! — Yabu riu de novo. — Você o viu ficar roxo quando eu mencionei as hemorróidas dele? Ah! Pensei que elas iam explodir naquela hora. Samurai? Sou mais samurai do que ele! Vou mostrar a ele! Você não dará o golpe até que eu lhe dê a ordem!
— Posso humildemente agradecer-lhe por me conceder essa honra, e também por me fazer seu herdeiro? Formalmente juro que a honra dos Kasigi estará segura nas minhas mãos.
— Se eu não pensasse isso, não teria sugerido. — Yabu baixou a voz. — Você agiu certo me traindo a Toranaga. Eu teria feito o mesmo se fosse você, embora seja tudo mentira. É a desculpa de Toranaga. Ele sempre teve inveja das minhas proezas em combate, e da minha compreensão das armas de fogo e do valor do navio. É tudo idéia minha.
— Sim, senhor, eu me lembro.
— Você salvará a família. É tão astuto quanto um rato velho e sarnento. Conseguirá Izu de volta e mais — é tudo o que importa agora, e vai conservá-lo para os seus filhos. Você compreende as armas. E Toranaga. Neh?
— Juro que tentarei, senhor.
Os olhos de Yabu deram com a mão de Omi sobre a espada, notando-lhe a postura alertamente defensiva. — Acha que vou atacá-lo?
— Sinto muito, claro que não, senhor.
— Fico contente de que você esteja em guarda. Meu pai era como você. Sim, você é muito parecido com ele. -— Sem fazer qualquer movimento brusco, colocou as duas espadas no chão, fora de alcance. — Pronto! Agora estou indefeso. Há alguns momentos queria vé-lo morto, mas agora não. Agora você não precisa me temer.
— É sempre necessário temê-lo, senhor.
Yabu soltou uma risadinha e chupou outro talo de grama. Depois atirou-o fora. — Ouça, Omi-san, estas são minhas ordens como senhor dos Kasigi. Você levará meu filho para a sua casa e o usará, como ele é digno de ser usado. Depois: encontre bons maridos para a minha esposa e a minha consorte, e agradeça-lhes profundamente por me terem servido tão bem. Quanto ao seu pai, Mizuno: ordeno-lhe que cometa seppuku imediatamente.
— Posso solicitar para ele a alternativa de raspar a cabeça e tornar-se monge?
— Não. Ele é imbecil demais, você nunca poderá confiar nele — que atrevimento o dele, passar meus segredos a Toranaga! — e estará sempre no seu caminho. Quanto à sua mãe ... — Ele arreganhou os dentes - ... fica ordenada a raspar a cabeça, tornar-se monja, entrar num mosteiro fora de Izu e passar o resto da vida dizendo orações pelo futuro dos Kasigi. Budista ou xintoísta — prefiro xintoísta. Você concorda, xintoísta?
— Sim, senhor.
— Bom. Desse modo — acrescentou Yabu com um deleite malicioso — ela parará de distraí-lo dos assuntos Kasigi com seus lamentos constantes.
— Será feito.
— Bom. Ordeno-lhe que vingue as mentiras levantadas contra mim por Kosami e aqueles criados traiçoeiros. Cedo ou tarde, não me importa, desde que você o faça antes de morrer.
— Obedecerei.
— Esqueci de alguma coisa?
Cuidadosamente Omi se certificou de que não estavam sendo ouvidos. -— E quanto ao herdeiro? — perguntou com cautela. — Quando o herdeiro estiver em campo contra nós, perderemos, neh? — Pegue o Regimento de Mosquetes, abra caminho à força e mate-o, diga Toranaga o que disser. Yaemon é o seu alvo primordial.
— A minha conclusão também era essa. Obrigado.
— Bom. Mas melhor do que esperar todo esse tempo é colocar a cabeça dele a prêmio agora, secretamente, entre os ninjas... ou os Amidas.
— Como os encontro? — perguntou Omi, um tremor de voz. — A bruxa velha, Gyoko, a Mama-san, é uma das que sabem como.
— Ela?
— Sim. Mas cuidado com ela, e com os Amidas. Não os use levianamente, Omi-san. Nunca a toque, sempre a proteja. Ela sabe segredos demais e o pincel de escrita é um braço que se alonga da sepultura. Foi consorte não oficial de meu pai durante um ano... pode até ser que o filho dela seja meu meio irmão. Eh, cuidado com ela, sabe segredos demais.
— Mas onde arrumo dinheiro?
— Isso é problema seu. Mas arrume. Em qualquer lugar, de qualquer modo.
— Sim. Obrigado. Obedecerei.
Yabu aproximou-se mais. Imediatamente Omi se preparou, desconfiado, a espada quase fora da bainha. Yabu sentiu-se satisfeito de, mesmo indefeso, ainda ser um homem contra quem se acautelar. — Enterre este segredo muito profundamente. E ouça, sobrinho, seja um ótimo amigo do Anjin-san. Tente controlar a marinha que ele trará uni dia. Toranaga não compreende o valor real do Anjin-san, mas está certo em ficar atrás das montanhas. Isso dá a ele e a você tempo. Temos que sair da terra e nos pormos ao largo — nossos tripulantes nos navios deles -, com Kasigi no comando supremo. Os Kasigi devem se pôr ao mar, para comandar o mar. Ordeno.
— Sim... oh, sim — disse Omi. — Confie em mim. Isso acontecerá.
— Bom. Por último, jamais confie em Toranaga.
Omi disse com toda a sinceridade: — Não confio, senhor. Nunca confiei. E nunca confiarei.
— Bom. E quanto a esses imundos mentirosos, não se esqueça, trate deles. E de Kosami. — Yabu suspirou, em paz consigo. — Agora por favor, com licença, preciso pensar no meu poema de morte.