— Ah. Desculpe. Por favor, desculpe-me, senhor.
— Com Yabu morto, quem deve comandar as armas de fogo?
— Kasigi Omi.
— Por quê?
— Ele as compreende. Mais que isso, ele é moderno, muito corajoso, muito inteligente, muito paciente — e também muito perigoso, mais perigoso do que o tio. Aconselho-o, se o senhor vencer e ele sobreviver, a encontrar alguma desculpa para mandálo para o Vazio.
— Se eu vencer?
— Céu Carmesim sempre foi um último plano. O senhor disse isso cem vezes. Se formos batidos na Tokaido, Zataki descerá com tudo para as planícies. As armas não nos ajudarão então. É um último plano. O senhor jamais gostou de últimos planos.
— E o Anjin-san? O que aconselha a respeito dele?
— Concordo com Omi-san e com Naga-san. Ele deve ser refreado. O resto dos homens dele não representam nada — são etas e logo se devorarão entre si, portanto não são nada. Aconselho que todos os estrangeiros sejam contidos ou expulsos. São uma praga — a ser tratada como tal.
— Então não haverá comércio de seda. Neh?
— Se o preço fosse esse, eu pagaria. Eles são uma praga.
— Mas precisamos ter seda e, para nos proteger, devemos aprender sobre eles, aprender o que sabem, rneh?
— Eles deveriam ser confinados em Nagasaki, sob guarda muito cerrada, e seu número estritamente limitado. Ainda poderiam comerciar uma vez por ano. Dinheiro não é o motivo essencial deles? Não é o que diz o Anjin-san?
— Ah, então ele é útil?
— Sim. Muito. Ensinou-nos a sabedoria dos editos de expulsão. O Anjin-san é muito sábio, muito corajoso. Mas é um brinquedo. Ele o diverte, senhor, como Tetsu-ko, portanto é valioso, embora continue sendo um brinquedo.
— Obrigado pelas suas opiniões. Assim que se desencadear o ataque, você regressará a Yedo e esperará outras ordens. — Disse-o deliberadamente. Zataki ainda detinha a Senhora Genjiko,
e o filho e três filhas do casal, como reféns na sua capital, Takato. Por solicitação de Toranaga, Zataki concedera a Sudara uma permissão de ausência, mas apenas por dez dias, e Sudara solenemente concordara com o trato e com a volta nesse prazo. Zataki era famoso pela sua rigidez quanto à honra. Legalmente ele poderia, e o faria, aniquilar todos os reféns por causa desse ponto de honra, independentemente de qualquer tratado ou acordo aberto ou sigiloso. Tanto Toranaga quanto Sudara sabiam que sem dúvida alguma Zataki faria isso se Sudara não retornasse conforme o prometido. — Você esperará em Yedo por outras ordens.
— Sim, senhor.
— Parta imediatamente para Mishima.
— Então poupará tempo se eu for por aqui. — Sudara apontou para o entroncamento à frente.
— Sim. Mando-lhe uma mensagem amanhã.
Sudara curvou-se, dirigiu-se para o seu cavalo c, com seus vinte guardas, partiu.
Toranaga pegou a tigela e comeu um último bocado de talharim, agora frio. — Oh, senhor, sinto muito, deseja mais um pouco? — disse a jovem criada sem fôlego, acorrendo. Tinha o rosto redondo, não era bonita, mas esperta e atenta — exatamente do jeito como ele gostava que fossem os seus criados c criadas. — Não, obrigado. Como você se chama?
— Yuki,,senhor.
— Diga ao seu amo que ele faz um bom talharim, Yuki. — Sim, senhor, obrigada. Obrigada, senhor, por honrar a nossa casa. Basta estalar os dedos para qualquer coisa que deseje e o senhor a terá instantaneamente.
Ele piscou para ela, que riu, recolheu a bandeja e saiu apressada. Contendo a impaciência, ele examinou a curva distante na estrada, depois os arredores. A hospedaria estava em boas condi ções, as passagens cobertas até o poço limpas e a terra varrida. Fora, no pátio, e em toda a volta, seus homens esperavam pacientemente, mas ele detectou nervosismo no mestre de caça e resolveu que aquele dia seria o último de serviço ativo do homem. Se Toranaga estivesse seriamente interessado na caçada em si, teria dito a ele que voltasse a Yedo agora, dando-lhe uma generosa pensão, e designado outro para o seu lugar.
Essa é a diferença entre mim e Sudara, pensou ele sem maldade. Sudara não hesitaria. Ordenaria ao homem que cometesse seppukií agora, o que pouparia a pensão e todo o incômodo posterior, e aumentaria a perícia do substituto. Sim, meu filho, conheço-o muito bem. Você é muito importante para mim.
E quanto à Senhora Genjiko e os filhos? perguntou-se ele, trazendo à tona a questão vital. Se a Senhora Genjiko não fosse irmã de Ochiba — c estimada como irmã favorita -, eu pesaro samente permitiria a Zataki eliminá-los a todos agora e assim pouparia Sudara de urra risco enorme no futuro, se eu morrer cedo, porque eles são o seu único elo fraco. Mas felizmente
Genjiko é irmã de Ochiba, portanto uma peça importante no grande jogo, e não tenho que permitir que isso aconteça. Eu deveria, tuas não o farei. Desta vez tenho que arriscar. Portanto me lembrarei de que Genjiko é valiosa em outros sentidos — é tão afiada quanto uma espinha de tubarão, faz filhos ótimos, e é fanaticamente implacável na defesa da prole, assim como Ochiba, com urna enorme diferença: Genjiko-san é leal primeiro a mim, Ochiba primeiro ao herdeiro.
Então isso está resolvido. Antes do décimo dia, Sudara deve estar de volta às mãos de Zataki. Uma extensão do prazo? Não, isso poderia deixar Zataki ainda mais desconfiado do que já está, e ele é o último homem que quero desconfiado agora. De que modo Zataki reagirá?
Você foi sábio em designar Sudara. Se houver um futuro, o futuro estará seguro nas mãos dele e de Genjiko, desde que sigam o Legado à letra. E a decisão de reempossá-lo agora foi correta e vai agradar a Ochiba.
Ele já escrevera a carta naquela manhã e a enviaria a ela na mesma noite, com uma cópia da ordem. Sim, isso lhe removerá uma espinha de peixe da goela, que a estava fazendo sufocar e que tinha sido deliberadamente cravada ali, há muito tempo, com essa finalidade. É bom saber que Genjiko é um dos elos fracos de Ochiba, talvez até o único. Qual é a fraqueza de Genjiko? Nenhuma. Pelo menos ainda não descobri uma, mas se houver, descobrirei.
Estava examinando seus falcões. Alguns estavam palrando, outros se alisando com o bico, todos em boa forma, todos encapuzados, menos Kogo, os grandes olhos amarelos dardejando, olhando tudo, tão interessado quanto ele próprio.
O que você diria, minha beleza, perguntou Toranaga à ave em silêncio, o que você diria se eu lhe contasse que devo ser impaciente e explodir e que o meu ataque principal será ao longo da Tokaido, e não através das montanhas de Zataki, conforme disse a Sudara? Você provavelmente diria: por quê? E eu responderia: porque confio em Zataki tanto quanto confio em eu mesmo poder voar. E eu não posso voar em absoluto. Neh?
Então viu os olhos de Kogo mover-se rapidamente para a estrada. Semicerrou os olhos para ver à distância e sorriu ao distinguir os palanquins e os cavalos de bagagem que se aproximavam dobrando a curva.
— Então, Fujiko-san? Como vai?
— Bem, obrigada, senhor, muito bem. — Ela se curvou de novo e ele notou que ela não sentia dores nas cicatrizes da queimadura. Seus membros agora estavam tão flexíveis como sempre, e havia um rubor agradável nas suas faces. — Posso perguntar como está o Anjin-san? — disse ela. — Ouvi dizer que a viagem de Osaka foi muito ruim, senhor.
— Ele está passando bem agora, com muito boa saúde.
— Oh, senhor, é a melhor notícia que poderia ter me dado. — Bom. — Ele se voltou para o palanquim seguinte para saudar Kiku, que sorriu alegremente e cumprimentou-o com grande afeto, dizendo que estava muito feliz de vê-lo e que sentira muita falta sua. — Faz muito tempo, senhor.
— Sim, por favor, desculpe-me, sinto muito — disse ele, excitado pela surpreendente beleza e alegria interior dela, apesar das suas próprias ansiedades opressivas. — Estou muito satis feito em vê-Ia. — Depois seus olhos foram para a última liteira. — Ah, Gyoko-san, há quanto tempo — acrescentou, seco como lenha.