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— Obrigada, senhor, sim, renasci agora que estes velhos olhos tiveram a honra de vê-lo novamente. — A reverência de Gyoko, que estava cuidadosamente resplandecente, foi impecável, e ele captou um lampejo mínimo de um sobquimono escarlate, da seda mais cara. — Ah, como está forte, senhor, um gigante entre os homens — entoou ela.

— Obrigado. Está com boa aparência, também.

Kiku bateu palmas ante o gracejo e todos riram com ela. — Ouçam — disse ele, feliz por causa dela -, tomei providências para que todas vocês fiquem aqui por enquanto. Agora, Fujikosan, por favor, venha comigo.

Tomou Fujiko à parte e, depois de lhe oferecer chá e de tagarelarem sobre coisas sem importância, foi ao ponto. — Você concordou com meio ano e eu concordei com meio ano. Sinto muito, mas devo saber hoje se você mudará o acordo.

O rosto pequeno e quadrado perdeu o atrativo quando a alegria se esvaneceu. A ponta da sua língua tocou os dentes agudos um momento. — Como posso mudar o acordo, senhor? — Muito fácil. Está terminado. Ordeno.

— Por favor, desculpe-me, senhor — disse Fujiko, a voz sem modulação. — Eu não quis dizer isso. Fiz o acordo espontânea e solenemente diante de Buda, com o espírito do meu falecido marido e do meu falecido filho. Não pode ser mudado.

— Ordeno que seja.

— Sinto muito, senhor, por favor, desculpe-me, mas então o bushido me desobriga de obediência ao senhor. O seu contrato foi igualmente solene, e qualquer alteração tem que ser aceita por ambas as partes, sem coerção.

— O Anjin-san lhe agrada?

— Sou sua consorte. O necessário é que eu agrade a ele.

— Você poderia continuar vivendo com ele se o outro acordo não existisse?

— A vida com ele é muito, muito difícil, senhor. Todas as formalidades, a maioria das cortesias, todo tipo de costume que torna a vida segura, digna, polida e suportável tem que ser posto de lado, ou contornado, por isso a casa dele não é segura, não tem wa, não há harmonia pàra mim. É quase impossível fazer os criados compreender, ou eu mesma compreender... mas, sim, eu poderia continuar' a cumprir o meu dever para com ele. ' — Peço-lhe que dê por encerrado o acordo.

— Meu primeiro dever é para com o senhor. Meu segundo dever é para com o meu marido.

— Minha idéia, Fujiko-san, era que o Anjin-san se casasse com você. Aí você não seria uma consorte.

— Um samurai não pode servir a dois senhores, nem uma esposa a dois maridos. Meu dever é para com o meu falecido marido. Por favor, desculpe-me, não posso mudar.

— Com paciência tudo muda. Logo o Anjin-san saberá mais dos nossos hábitos e a casa dele também terá wa. Ele aprendeu incrivelmente desde que...

— Oh, por favor, senhor, não me interprete mal, o Anjin-san é o homem mais extraordinário que já conheci e, oh, sim, sei que a casa dele logo será uma casa de verdade, mas... mas, por favor, desculpe-me, devo cumprir o meu dever. Meu dever é para com o meu marido, meu único marido... — Esforçou-se por se controlar. — Deve ser, neh? Deve ser, senhor, ou então toda... toda a vergonha, o sofrimento, a desonra perdem o significado, neh? A morte dele, de meu filho, as espadas dele quebradas e enterradas na aldeia eta... Sem dever para com ele, todo o nosso bushido não é uma pilhéria imortal?

— Deve responder a uma pergunta, Fujiko-san: o seu dever para com uma solicitação minha, seu suserano, e para com um homem surpreendentemente corajoso que está se tornando um de nós e é seu amo, e — acrescentou, acreditando reconhecer o rubor no rosto dela — o seu dever para com o filho dele ainda não nascido, isso tudo não tem precedência sobre um dever anterior?

— Eu... eu não estou carregando o filho dele, senhor. — Tem certeza?

— Não, não tenho. — Está atrasada?

— Sim... mas só um pouco e isso poderia ser... Toranaga observava e esperava. Pacientemente. Ainda havia muito a fazer antes que ele pudesse partir a galope e soltar Tetsu-ko ou Kogo, e sentia-se ávido por esse prazer, mas isso seria apenas para ele, portanto sem importância. Fujiko era importante e ele prometera a si mesmo que pelo menos hoje fingiria ter vencido a guerra, que tinha tempo, podia ser paciente e resolver assuntos que era seu dever resolver. — Bem?

— Sinto muito, senhor, não.

— Então é não, Fujiko-san. Por favor, desculpe-me por ter perguntado, mas era necessário. — Toranaga não estava nem zangado nem satisfeito. A garota estava apenas fazendo o que era honroso fazer, e ele soubera, desde o momento em que concordara em fazer o trato com ela, que nunca haveria uma alteração. É isso o que nos torna únicos na terra, pensou ele com satisfação. Um trato com a morte é um trato santificado. Curvou-se para ela formalmente. — Cumprimento-a pela sua honra e senso de dever para com o seu marido, Usagi Fujiko — disse ele, citando o nome que cessara de existir.

— Oh, obrigada, senhor — disse ela, ante a honra que ele lhe fazia, as lágrimas escorrendo devido à total felicidade que a invadia, sabendo que esse gesto simples limpava o estigma do único marido que ela teria nesta vida.

— Ouça, Fujiko, vinte dias antes do último dia, você partirá para Yedo — aconteça o que acontecer a mim. A sua morte deve ocorrer durante a viagem e deve parecer acidental. Neh?

— Sim, sim, senhor.

— Isso será segredo nosso. Seu e meu apenas. — Sim, senhor.

— Até lá você continuará como cabeça da casa dele. — Sim, senhor.

— Agora, por favor, diga a Gyoko que venha aqui. Mandarei chamá-la de novo antes de partir. Tenho outras coisas a discutir com você.

— Sim, senhor — Fujiko curvou-se profundamente e disse: — Eu o abençôo por me libertar da vida. — Afastou-se.

Curioso, pensou Toranaga, como as mulheres podem mudar como camaleões — num momento feias, no outro atraentes, às vezes até bonitas, embora na realidade não sejam.

— Mandou me chamar, senhor?

— Sim, Gyoko-san. Que notícias tem para mim?

— De todo tipo, senhor — disse Gyoko, o rosto bem maquilado sem medo, um brilho nos olhos, mas as tripas se contorcendo. Sabia que não era por coincidência que aquele encontro estava ocorrendo, e seu instinto lhe dizia que Toranaga estava mais perigoso do que o habitual. — As providências para a corporação de cortesãs avançam satisfatoriamente, e as regras e regulamentos estão sendo rascunhados para a sua aprovação. Há uma área excelente ao norte da cidade que...

— A área que já escolhi fica perto da costa. O Yoshiwara. Ela o cumprimentou pela escolha, gemendo por dentro. O Yoshiwara — Brejo Vermelho — era atualmente um pântano, infestado de mosquitos, e teria que ser drenado e recuperado, antes de poder ser cercado e suportar uma construção. — Excelente, senhor. Depois: as regras e regulamentos para as gueixas também estão sendo preparados para o seu exame.

— Bom. Faça-os breves e concisos. Que inscrição você colocará sobre a entrada do Yoshiwara?

— "A luxúria não se refreia — alguma coisa tem que ser feita com relação a isso."

Ele riu, e ela sorriu, mas não se descontraiu, e acrescentou séria: — Permita-me agradecer-lhe de novo em nome das gerações futuras, senhor.

— Não foi por você ou por elas que eu concordei — disse Toranaga, e citou uma das suas notas no Legado: — "Os homens virtuosos no decorrer da história sempre censuraram as casas de tolerância ou lugares de `travesseiro', mas os homens não são virtuosos, e se um líder banir as casas e o `travesseiro', será um tolo, porque males maiores logo irromperão como uma peste de furúnculos".

— Como é sábio, senhor.

— E quanto a colocar todos os lugares de "travesseiro" numa única área, isso quer dizer que todos os não-virtuosos poderão ser vigiados, taxados e controlados, todos ao mesmo tempo. Você tem razão de novo, Gyoko-san, "a luxúria não se refreia". Logo se deteriora. O que mais?